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Igor Montenegro Celestino Otto

Especialista do Setor Sucroenergético e Presidente da Agência Goaiana de Comunicação

Op-AA-38

Guerra e paz

“Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, dizia o estrategista chinês Sun Tzu, cinco séculos antes de Cristo. Só pode evitar a guerra e alcançar a paz verdadeira aquele país que é independente dos outros para suprir as suas necessidades de energia e alimento. Entendam como guerra todas as formas de dominação existentes. Para alcançar maior protagonismo no cenário internacional, o Brasil precisa lutar na defesa de seus interesses, especialmente na área de energia combustível. A Alemanha iniciou duas guerras mundiais no século XX para alcançar suprimento energético.

Os EUA também têm patrocinado guerras no Oriente Médio – como no Kwait e no Iraque –, visando garantir as suas necessidades de energia. A Rússia já foi alvo de ataque nas grandes guerras por causa de suas reservas de gás e de petróleo. O Japão sempre tentou expandir o seu domínio territorial procurando dominar fontes de energia. A China, durante o século XIX e início do século XX, chegou a ter o seu território dominado por nações estrangeiras que exploravam suas riquezas. Se o Brasil quer uma paz duradoura em seu hemisfério, deve encarar como uma guerra a defesa de suas fontes de energia, dentre elas o etanol.

Sendo uma fonte de energia estratégica, o etanol brasileiro precisa ser visto mais seriamente por nosso país sob o ponto de vista geopolítico, pois ele é capaz de promover um melhor equilíbrio entre as nossas forças e as dos demais países. Temos olhado sempre para a questão do etanol no Brasil sob os aspectos econômico, social e ambiental, que são relevantes, mas, certamente, seria mais importante, no momento, encararmos o aspecto geopolítico dos biocombustíveis. Para dar mais consistência a essa abordagem, é preciso avaliar o cenário mundial e compreender como o Brasil está inserido nesse contexto.

Os EUA são os maiores consumidores de petróleo do mundo e continuarão assim nas próximas décadas. As novas tecnologias energéticas que estão sendo pesquisadas não serão viáveis em dez ou vinte anos. Talvez haja um crescimento na utilização do carro elétrico nos próximos tempos, mas nada que diminua significativamente o consumo de hidrocarbonetos na América do Norte, e, ainda assim, será preciso ter mais energia elétrica para abastecer essa nova frota. O uso de biocombustíveis de milho e soja nos EUA também está limitado pela destinação alimentar desses dois grãos. A saída para os americanos será aumentar os investimentos na produção e na utilização de carvão e do gás natural, através do fracking ou fracionamento hidráulico. O aumento do uso dessas fontes de energia está sendo rejeitado por grande parte da população, mas não haverá outra saída para assegurar o suprimento de energia nos EUA, além de manter a importação de petróleo e continuar investindo no domínio geopolítico das regiões produtoras desse combustível.

A Europa também continuará dependente de petróleo e gás natural nas próximas décadas. Os investimentos na expansão de energia nuclear estão suspensos na maior parte do continente, em virtude da força política emergente dos ambientalistas e, principalmente, pelo receio da população em relação aos grandes acidentes nucleares, como o da usina de Fukushima, no Japão. Como não possui grandes reservas de petróleo, gás natural ou carvão, o caminho da Europa será fortalecer as relações geopolíticas com os seus principais supridores de energia. A Rússia é, hoje, o principal fornecedor de energia da Europa, e a economia russa é muito dependente da produção de commodities agrícolas e minerais, como petróleo, gás e fertilizantes.

Como irmãos siameses, Europa e Rússia precisam demais um do outro para sobreviver, de forma que os dois tendem a fortalecer os seus laços geopolíticos. Na Ásia, o Japão é um país altamente dependente de recursos energéticos estrangeiros. Sem fontes significativas de petróleo, gás natural ou carvão, o Japão se dedicou a um programa de produção de energia nuclear, que agora está em xeque. Para abastecer a sua economia, o país importa todo o seu petróleo, especialmente do Oriente Médio. Para garantir o fluxo das suas importações de petróleo, o Japão depende geopoliticamente da segurança feita pela frota naval dos EUA.

 A China, por sua vez, não tem tido grandes preocupações ambientais e está investindo em todas as formas de energia disponíveis para alavancar o seu crescimento. O maior crescimento está no uso do carvão, que é uma matéria-prima abundante em solo chinês, mas há investimentos também em petróleo, gás natural e energia nuclear. Isso não isenta os chineses da forte importação de recursos energéticos, especialmente o petróleo. Tanto China como Japão possuem vulnerabilidades energéticas, e a solução desse problema está bem longe de seus territórios, fazendo com que dependam de grandes esforços geopolíticos.

Em resumo, os principais países da economia mundial possuem vulnerabilidades devido às questões de suprimento de energia, portanto essa é uma questão geopolítica central para todos eles. Além da diplomacia, os países ricos investem enormes somas em dinheiro nos seus orçamentos de defesa, para manter desobstruído o fluxo de comércio mundial de petróle

o e gás. Todo e qualquer país sonha com uma solução para sua questão energética que seja interna e que não passe pela importação. O Brasil tem o etanol, que é uma solução energética do próprio país, que, curiosamente, não a valoriza. Esse é, claramente, um caso clássico de falta de visão geopolítica que compromete o presente e o futuro da nação. Na área de produção de energia, o Brasil desenvolveu uma grande infraestrutura de geração hidroelétrica e deu alguns passos tímidos em direção à energia nuclear. Depois de décadas de investimento em P&D na área de petróleo e gás, o País

também desenvolveu know-how na produção de petróleo em águas profundas. Com isso, se tornou um produtor médio de petróleo, conseguindo assegurar um suprimento razoável para as necessidades internas. Mas somente chegamos bem perto da independência energética com a expansão da indústria nacional de etanol, ocorrida durante a última década.

Naquele momento, estudos feitos pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República demonstraram que o Brasil tem capacidade para suprir com etanol cerca de 10% de toda a necessidade de consumo de combustíveis do mundo. Isso é assombroso, principalmente tendo em vista que o etanol é uma fonte renovável e que as novas tecnologias ainda vão aumentar muito o potencial de utilização da cana-de-açúcar, como, por exemplo, o futuro uso da palha e do bagaço de cana para produção de biocombustível.

O uso de todo o nosso potencial pode tornar o Brasil um grande protagonista na arena internacional da energia. Os recentes episódios de espionagem dos EUA revelados pelo ex-agente Edward Snowden demonstraram que uma das principais preocupações dos norte-americanos está na expansão da produção de bioenergia brasileira. É claro que o nosso programa de biocombustíveis não coloca em risco os EUA ou os demais países ricos, mas ele, certamente, pode alterar o equilíbrio da geopolítica mundial.

Mas por que o Brasil está negligenciando um tema geopolítico tão importante? Por que em poucos anos, deixamos de ser exportadores de etanol para nos tornar importadores de petróleo? Por que deixamos de abastecer 50% de nossa frota de veículos com etanol e, agora, não chegamos a abastecer nem 25%? Por que estamos deixando de gerar milhares de novos empregos nessa atividade? Por que estamos sucateando a nossa indústria de base de máquinas e equipamentos? Por que estamos perdendo divisas e afetando negativamente a nossa balança comercial com essa política atual de combustíveis? A quem isso interessa?

É sabido que a presidenta Dilma Rousseff conhece com certa profundidade os assuntos relacionados à energia, pois foi Ministra de Minas e Energia durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Certamente, não passaria despercebido para ela um assunto dessa magnitude. Além disso, como Ministra da Casa Civil e, depois, como presidenta da República, ela tem acesso privilegiado às informações estratégicas mais importantes do País, especialmente quanto às questões geopolíticas que influenciam o presente e que comprometem o futuro da nação. Nesse sentido, poucos assuntos da Presidência da República poderiam ser tão importantes quanto as questões da geopolítica e da energia, e, nesse contexto, o tema “etanol” deveria estar presente nas duas pautas. Então, é um mistério para mim o porquê de o assunto “expansão dos biocombustíveis no Brasil” não estar sendo tratado com absoluta prioridade pelo Governo Federal.

Para expandir a nossa produção energética, não precisamos fazer uma guerra, não precisamos aumentar o investimento em defesa, não dependemos de complicadas alianças geopolíticas, nem dependemos de tecnologias de terceiros. Basta apenas aproveitar a enorme plataforma de produção de biocombustíveis que já está pronta e apoiar o seu crescimento. O investimento do nosso país seria mínimo se comparado às caríssimas soluções de importação de energia que são feitas pelos países ricos e que também envolvem grandes investimentos em defesa, além de sérios comprometimentos geopolíticos.

A falta de planejamento de nosso país e a ausência de um projeto geopolítico podem destruir as pretensões do Brasil de se tornar, cada vez mais, importante no concerto das nações. Esses dois fatores podem, inclusive, abortar a nossa espiral de crescimento. É fundamental que a nação brasileira escolha definitivamente o seu caminho, que entenda quais são os países aliados e quais são os inimigos, que saiba formar alianças estratégicas e que aprenda a disputar batalhas geopolíticas que serão vencidas. O futuro do Brasil depende de suas fontes de energia, e o etanol é, certamente, uma das principais.

Convergir para um entendimento nacional sobre os biocombustíveis e defender os mais legítimos interesses geopolíticos do País é papel do governo. Mas, infelizmente, isso não parece estar acontecendo naturalmente. Parecem se esgotar todas as tentativas negociadas de voltar a valorizar o etanol na matriz energética brasileira. Vivemos tempos de turbulências, e esses tempos exigem de nós coalizões suficientemente fortes para suportar a tempestade. Não podemos ter uma visão sentimental da situação. Precisamos de líderes fortes que estejam preparados para reconciliar o setor sucroenergético, o governo e a sociedade em torno de objetivos comuns para o nosso país.

Precisamos investir no equilíbrio entre os princípios mais nobres (como a sustentabilidade e o desenvolvimento socioeconômico, promovidos pela atividade) com a defesa dos interesses geopolíticos nacionais. Para que isso aconteça, o caminho que nos resta, além da negociação, é a mobilização para que o Brasil enxergue o grave equívoco histórico que está cometendo. Tendo em vista que os governos são mais afeitos à reação do que à ação, a saída é unir trabalhadores e empresários nas mais diferentes regiões do País, em torno de um só objetivo: tornar o etanol um projeto nacional que pertence a cada cidadão brasileiro. É fácil de falar e difícil de fazer, mas depende apenas de nós.