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Julio Cesar Maciel Ramundo

Diretor do BNDES

Op-AA-38

Inovar para retomar a competitividade

Embora a história da cana-de-açúcar no Brasil seja secular e repleta de vicissitudes, é possível afirmar que suas mudanças mais significativas vêm ocorrendo nos últimos quarenta anos. Nesse período, as usinas deixaram de produzir apenas açúcar, consolidando o etanol carburante em seu portfólio de produtos e, ainda mais recentemente, também a energia elétrica produzida a partir do bagaço da cana.

Nesse novo contexto, a cana se tornou parte fundamental da nossa matriz energética, alcançando o posto de segunda fonte de energia primária mais importante do País, atrás apenas do petróleo. Entre as transformações mais importantes para o setor, foi emblemática a introdução dos veículos de motores flex no mercado nacional. Disponível desde 2003, essa nova tecnologia propiciou uma renovada fonte de demanda pelo etanol combustível e já representa quase 60% da nossa frota de veículos leves. De fato, a expansão da demanda foi acompanhada por expressivos esforços de investimento produtivo realizado pelas empresas do setor durante a última década.

A capacidade industrial do setor praticamente dobrou entre 2005 e 2010 para quase 700 milhões de toneladas de cana, o que representou investimentos da ordem de R$ 80 bilhões. Para dar suporte a esse intenso ciclo de crescimento, o Bndes desembolsou, nesse mesmo período, cerca de R$ 40 bilhões para o setor.

Da euforia verificada na década passada, atualmente o setor se encontra diante de uma estagnação de investimentos. Nas últimas 3 safras, menos de 10 usinas foram implantadas, ao passo que mais de 40 foram desativadas. Quais os determinantes dessa estagnação? Em nossa visão, os determinantes estruturais são mais relevantes do que os conjunturais no tocante à atratividade econômica do setor canavieiro no médio e no longo prazo. A busca por ganhos permanentes de produtividade, sobretudo pela introdução de inovações, tanto na etapa agrícola quanto na industrial, é a agenda prioritária do Bndes.

Pelo lado do processamento industrial, apesar de a produtividade ter apresentado ganhos substanciais ao longo das últimas décadas, tanto em equipamentos e sistemas quanto em processos fundamentais, como a fermentação e a destilação, o alcance de novos ganhos de produtividade tem se mostrado crescentemente custoso. Por outro lado, os ganhos potenciais advindos do desenvolvimento das tecnologias para conversão de biomassa, ou do etanol celulósico, são bem mais importantes. Uma vez estabelecida, a difusão generalizada dessa tecnologia teria potencial para aumentar a produtividade industrial do setor em pelo menos 45%, atingindo a marca de mais de 10 mil litros por hectare.

Do lado agrícola, a produtividade da lavoura brasileira de cana-de-açúcar atingiu, em 2007, a marca histórica de 11.200 kg de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) por hectare (ATR/ha), nível quase 130% superior ao verificado em 1975, no início Proálcool. Contudo, a performance agrícola dos últimos anos passou a apresentar trajetória distinta, com anos seguidos de reduções de produtividade, ainda que, no longo prazo, a trajetória continue crescente.

Em diagnóstico elaborado pelo Bndes e publicado na Revista Bndes Setorial nº 37, em março deste ano, identificou-se que diversos fatores conjunturais podem explicar essa tendência, como a baixa renovação de canaviais e as adversidades climáticas verificadas nos últimos anos.  

Contudo, quando se analisa a curva de produtividade de longo prazo, verifica-se uma clara redução dos incrementos ao longo dos anos, sugerindo a influência de fatores de caráter estrutural. E, dentre tais fatores de longo prazo, pode-se dizer que o principal deles reside no fato de que o investimento no desenvolvimento tecnológico vem sendo feito em ritmo e intensidade aquém do desejado.

Tal situação de baixos investimentos em P&D, por sua vez, deriva do fato de que a área mundial de cana é relativamente pequena quando comparada a outras culturas, como  cereais, e, além disso, a cana apresenta maior complexidade, seja do ponto de vista genético ou ainda pelos maiores volumes de biomassa manejados. Nesse contexto, o desenvolvimento tecnológico exige esforços mais dispendiosos que, diante do menor potencial de mercado, tornam o investimento em P&D agrícola para cana menos atraente do que para outras culturas.

Não é por outra razão que a cana será uma das últimas culturas agrícolas a adentrar a era da transgenia, técnica que abre enorme oportunidade para ganhos mais rápidos de produtividade, sobretudo pelo fato de viabilizar o desenvolvimento de variedades de cana mais aptas para as regiões de fronteira agrícola, cujo regime hídrico e qualidade de solos têm se demonstrado desafiadores para as variedades atuais.

De acordo com algumas estimativas, a transgenia seria capaz de aumentar em mais de 5 vezes a produtividade atual.  Portanto, vive-se uma situação em que a indústria da cana, em razão de seu papel como fonte de abastecimento energético e de geração de divisas, é muito importante para o Brasil. No entanto, por seu tamanho relativamente pequeno no mundo, a cultura da cana atrai pouco interesse no desenvolvimento de novas tecnologias, tanto agrícolas como industriais.

Pode-se afirmar, então, que se está diante de um agravamento do clássico problema advindo da discrepância entre os retornos privado e social do investimento em P&D. É nesse diagnóstico de necessidade de se alterar o cenário de “esgotamento” do atual paradigma tecnológico agrícola e industrial que se fundamentam a visão e a atuação de longo prazo do Bndes no setor sucroenergético. O maior exemplo dessa estratégia é a execução do Programa Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (Paiss).

Considerado uma iniciativa pioneira de fomento à inovação, conduzida conjuntamente por Bndes e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Paiss tem como objetivo fomentar projetos de desenvolvimento, produção e comercialização de novas tecnologias industriais destinadas ao processamento da biomassa de cana-de-açúcar, com ênfase nas tecnologias de etanol celulósico e novos produtos de maior valor agregado, como químicos e outros biocombustíveis.

Como resultado, foram geradas diversas iniciativas de maior porte para o desenvolvimento do etanol celulósico no Brasil, dentre as quais se destacam três plantas comerciais, com capacidades superiores a 40 milhões de litros por safra, e duas plantas em nível de demonstração, cada uma com capacidade de 3 milhões de litros/safra. Como comparação, antes do Paiss, havia, no Brasil, apenas duas plantas piloto e nenhum projeto de planta comercial de etanol celulósico.

A experiência de fomento às tecnologias industriais será, agora, reproduzida para a etapa agrícola, com lançamento juntamente com a Finep do Paiss Agrícola, ainda em 2013, com o intuito de acelerar o desenvolvimento tanto da cana transgênica quanto de máquinas e implementos agrícolas substancialmente mais eficientes, que reduzam a compactação do solo e o consumo excessivo de mudas.  

Dessa forma, a busca incessante pela inovação, se bem-sucedida, cumprirá papel determinante para produzir ganhos de produtividade mais rápidos e intensos e, com isso, reafirmar a indústria brasileira de cana-de-açúcar como a mais competitiva do mundo.

A atuação do Bndes está alinhada a essa agenda estratégica de longo prazo. As recentes iniciativas do Banco procuram não apenas manter o setor sucroenergético brasileiro na vanguarda mundial da inovação e da produção de biocombustíveis, mas também transformar o tradicional paradigma técnico-econômico das usinas de cana em sistemas produtivos mais próximos do conceito de biorrefinarias.

Nesse novo paradigma, a usinas brasileiras serão capazes de produzir competitivamente, por meio do aproveitamento integral da cana-de-açúcar, não apenas açúcar, etanol e eletricidade, mas uma significativa variedade de novos produtos de maior valor agregado, o que engendrará novo ciclo de investimentos tão ou mais vigoroso do que aquele realizado na década passada.