Me chame no WhatsApp Agora!

Maurílio Biagi Filho

Presidente da Maubisa

Op-AA-38

Petróleo 2 x Etanol 1

Em artigos anteriores publicados em diversos veículos, inclusive na Revista Opiniões, denunciei o descaso do governo quanto à necessidade de elaborar uma política de combustíveis transparente para todos os agentes econômicos envolvidos no assunto, desde os produtores até os consumidores. Em alguns momentos, fui contundente ao reconhecer a incapacidade política do setor sucroenergético em se posicionar com clareza.

Agora que a agroindústria canavieira do Brasil atravessa um dos piores momentos de sua história, me pedem um novo depoimento. No primeiro momento, declinei do convite, argumentando que nada de novo havia ocorrido desde a reunião do CDES em abril, quando a presidenta Dilma disse que iria agir para resolver o problema do etanol.

Na realidade, a situação piorou e as perspectivas não são nada boas. Cinco anos depois da crise financeira internacional de 2008, a participação do setor no balanço energético nacional caiu de quase 20% para pouco mais de 15%. A esta altura do campeonato, o que pode dizer alguém que dedicou a maior parte da vida a lutar pela independência energética do Brasil por meio da utilização da biomassa como fonte de combustíveis renováveis?

Bom momento, penso eu, para recordar a figura de Joaquim Gallo, aquele infatigável trabalhador de Sertãozinho, que tinha sempre uma resposta bem-humorada a quem lhe perguntasse como ia sua tarefa – fazer circular documentos na empresa em que prestava serviços: “Estamos lutando para perder de pouco”, dizia ele, expressando o pragmatismo do atleta de time pequeno que, mesmo reconhecendo a força dos adversários, não entrega os pontos antes do apito final. De fato, é grande a diferença entre o E. C. Etanol e o Petróleo F. C., representados, de um lado, pelas destilarias de álcool, e, de outro, pela Petrobras e as petroleiras, estas contando com a ajuda dos árbitros e da cartolagem. Gigante por sua própria natureza estatal, a Petrobras tem flexibilidade financeira e contábil para bancar a estabilidade dos preços dos combustíveis em defesa da política anti-inflacionária do governo.

Mas isso funciona até certo ponto. A partir de determinado momento, o ônus pesa sobre toda a cadeia de combustíveis, provocando distorções nos preços e contradições nos índices de desempenho da economia.  

Nessas circunstâncias, agravadas pela queda na popularidade presidencial após as manifestações populares de junho, vimos, com naturalidade, o governo dar prioridade a problemas mais graves e urgentes do que o nosso. Também compreendemos que, a um ano das eleições de 2014, a presidenta usasse a tribuna da ONU para – em nome da democracia e da soberania nacional – exigir explicações do governo americano sobre denúncias de espionagem no Brasil. Perfeito, mas por que não enquadrar também outras formas de espionagem mais ou menos manjadas?

Na área das finanças, por exemplo, toda transação bancária feita em dólar é registrada nos EUA de acordo com o SWIFT internacional; portanto, desde 1973, os americanos têm conhecimento de toda transferência internacional feita em dólar. A internet, inventada nos EUA para atender a necessidades de segurança, só facilitou esse tipo de controle.

Na Amazônia, onde a espionagem não se restringe aos satélites que giram permanentemente ao redor da Terra, por que o governo não questiona a atuação de mil e uma ONGs estrangeiras que se dedicam ostensivamente à “defesa” da maior floresta do mundo? Essa região, tida como o pulmão da Terra, precisa ser explorada de maneira sustentável (econômica, social e ambientalmente), mas aproveitando as potencialidades das comunidades locais e a biodiversidade. O Brasil praticamente não tem patentes de produtos com princípios ativos extraídos da floresta amazônica, que, aliás, sequestra menos CO2 por hectare do que qualquer lavoura sazonal, como a de cana. Está mais do que na hora de o Brasil receber compensação financeira de outros países pelo ônus de preservar a Amazônia. Para colocar esse pleito, não há foro mais adequado do que a ONU, o órgão internacional responsável pelo controle das mudanças climáticas.
 
Por outro lado, é constrangedor ver a diplomacia brasileira esquecer as afrontas do “imperialismo boliviano”, que não reconhece o direito de asilo político, sequestra ativos brasileiros em seu território e inviabiliza indústrias do sul do Brasil que confiaram no gás natural boliviano como um combustível econômico e seguro. Embora o preço internacional do gás tenha caído, a Bolívia segue impondo preços elevados ao parceiro Brasil. A política de boa vizinhança é bonita no papel, mas para quem tem de pagar a conta é uma... bomba de efeito retardado.  
Mesmo colocados numa saia justa, os produtores de combustíveis renováveis não perderam a esperança de receber melhor tratamento do governo. Afinal, um balanço da situação indica que nenhum ramo da economia nacional cresceu tanto e tão continuamente quanto a agroindústria canavieira nos últimos 40 anos.

Bem ou mal, somos protagonistas de uma evolução histórica iniciada com a criação do Programa Nacional do Álcool em 1975, ano em que o setor pesava menos de 2% na produção brasileira de energia. Em menos de 40 anos, nossa participação no balanço energético cresceu mais de 10 vezes.

Hoje, cultivamos mais de 8 milhões de hectares, produzimos mais de 20 bilhões de litros de etanol (era para ser mais de 30 bilhões) e temos condições de ir muito além. No momento, os canaviais podem pouco diante dos campos petrolíferos do pré-sal. No futuro, porém, os combustíveis fósseis estão fadados a perder para os renováveis. Como diz o ditado: "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe". Em algum momento, vai prevalecer o trunfo da sustentabilidade. Aí está a fonte do nosso otimismo.

A longo prazo, mantidas as atuais condições tecnológicas, o etanol e similares tendem a dominar o jogo. E já temos até uma luz piscando no túnel: vêm aí os etanóis de segunda e terceira geração. Alguns especialistas dizem que estarão no mercado em três anos. Outros falam numa espera de até uma década. Mas são inevitáveis. O começo será com a palha da cana e o bagaço. Logo, teremos destilarias capazes de converter qualquer biomassa em etanol.

Fazendo um retrospecto da nossa história, vemos que o nosso time foi vítima da ingenuidade, da boa-fé. Quando o Proálcool foi criado e virou um sucesso, cansamos de receber visitas de estrangeiros que nos elogiavam pelo pioneirismo, a coragem, a inovação. Até uma missão da ONU veio nos dar uma força.

Vejam o que aconteceu, fomos alvo de espionagem econômica. O programa de etanol do milho americano, inspirado no nosso programa de álcool de cana, virou uma solução para as sobras do cereal nos EUA. Nós começamos com incentivos, retirados na década de 1990. Os americanos continuam sendo subsidiados até hoje. Eles podem, nós não.

Independente de subsídios, precisamos apenas de condições igualitárias de competição. Se, neste momento, as autoridades energéticas não veem urgência na solução do impasse criado pelo anacrônico atrelamento do preço do etanol às tarifas da gasolina, talvez interesse aos responsáveis pela gestão do balanço de pagamentos conter a sangria da conta-petróleo, que se aproxima dos US$ 20 bilhões por ano.  
Se a quebra da paridade etanol-gasolina vem impondo uma terrível prova de resistência econômica aos produtores de energia renovável, a crescente importação de gasolina e diesel a preços mais elevados do que os praticados no mercado interno compromete seriamente a saúde financeira da Petrobras, que já carrega o fardo do combate à inflação. Tanto que nossa big oil foi rebaixada por agências internacionais de risco no exato dia (3/10/2013) em que completou 60 anos de existência.

É absurdo importar gasolina para vendê-la com prejuízo num país com uma frota de 20 milhões de carros flex e aptidão agrícola para dobrar a produção de etanol em poucos anos, desde que houvesse uma política de preços. Será possível que não há saídas menos danosas para o interesse nacional do que sufocar os produtores de energia?

Sugestão ao governo: ofereça uma bonificação por litro de produção adicional de etanol que permita ao País reduzir a importação de gasolina na mesma proporção. Seria como rachar a diferença entre a importação e a exportação de gasolinas. Um autêntico jogo de ganha-ganha para os produtores de etanol, para a Petrobras e para o governo.