Presidente da Datagro
Op-AA-38
O setor sucroalcooleiro passa por mais uma fase de transição, que tem como principais elementos o controle de preços da gasolina, que afeta a competitividade do etanol, e os excedentes de açúcar no mercado internacional, que já duram três anos. O subsídio ao preço da gasolina, que, no final de setembro, foi estimado pela Datagro em 18%, não encontra qualquer justificativa plausível. Enquanto achata o preço da gasolina ao consumidor e o coloca em nível irreal e abaixo da cotação internacional, compensa essa defasagem com elevações maiores e mais frequentes no preço do óleo diesel, do querosene de aviação, da nafta petroquímica e do óleo combustível.
O preço do óleo diesel afeta muito mais os custos e os preços gerais na economia, mas, como o seu reajuste não dá manchete em jornal, passa incólume e desapercebido por boa parte da população. O governo adota, dessa maneira, a política do “Robin Hood ao contrário”, pois favorece e estimula o usuário de transporte individual, que usa automóvel equipado com motor do ciclo Otto, em detrimento do usuário de transporte coletivo e da população em geral, que é afetada pelo frete das mercadorias transportadas com óleo diesel.
É uma política tão errada que não se sustenta no médio ou no longo prazo. Apesar das medidas paliativas e compensatórias, tem afetado de forma muito negativa a própria Petrobras e, por esse motivo, não é sustentável no médio prazo. Não é a primeira vez que isso ocorre em nosso país.
No período de 1985 a 1989, houve igual controle dos preços dos combustíveis – da gasolina e do etanol, ainda controlado naquela época –, que levou ao desestímulo do plantio de cana, à estabilização da produção e ao processo que levou à descrença do carro equipado com motores movidos exclusivamente a álcool. Nos tempos atuais, não houve prejuízo de imagem junto ao consumidor simplesmente porque o País teve a felicidade de dessenvolver uma frota leve que hoje é predominantemente flex, mas não deixa de haver a perda de oportunidade de se utilizar mais o combustível limpo, renovável, produzido localmente, em detrimento do combustível fóssil, que é ainda importado.
Nesse sentido, mais uma vez, o valor do etanol ficou demonstrado por sua enorme capacidade de substituir gasolina importada. Em janeiro deste ano, o Brasil importou 686,4 milhões de litros de gasolina, com dispêndio de US$ 509 milhões, em apenas um mês, um ritmo que assustou analistas e o governo pelo estrago potencial que poderia causar na balança comercial deste ano. Em 2012, já haviam sido gastos US$ 3 bilhões com a importação de 3,76 bilhões de litros de gasolina.
O retorno da mistura padrão de 25% de etanol anidro na gasolina, corrigindo o erro da redução desnecessária para 20% em outubro de 2011, e o aumento no consumo de etanol hidratado, de cerca de 300 milhões de litros por mês a partir de maio, fizeram com que, em junho e julho, a importação de gasolina caísse para 98,4 e 90,2 milhões de litros por mês, respectivamente, e, em agosto, a importação fosse zerada.
A recente crise do setor foi ainda agravada pela crise financeira de 2008, pelo clima adverso de 2009 a 2012, pela alteração fundamental no modo de plantar e colher a cana, que passou de manual a mecanizada e todas as consequencias e impactos por ela gerados, e pelo real valorizado em relação ao dólar, que ceifou a competitividade setorial, do açúcar e do etanol.
Apesar de todas as dificuldades, o próprio mercado tem se encarregado de sanar as distorções, e o que mais chama atenção é que os fundamentos de sustentação do setor se mantêm inalterados.
Em primeiro lugar, ressalta o fato de que as demandas de açúcar e etanol continuam em crescimento. A demanda mundial de açúcar continua crescendo 2,3% ao ano, ou 4 milhões de toneladas todos os anos. Entre meados da década passada (2005) e 2012, a produção de açúcar no Brasil cresceu 40,5%, enquanto a do resto do mundo cresceu apenas 16,1%. No mesmo período, as exportações de açúcar do Brasil cresceram 63,9%, enquanto a do resto do mundo encolheu 5,8%. Portanto foi o Brasil que sustentou o crescimento da exportação mundial nos últimos 12 anos. A demanda por etanol no mundo tem crescido entre 2000 e 2012 à taxa de 13% ao ano, e, no mesmo período, a demanda por combustíveis do ciclo Otto (gasolina mais etanol) no Brasil cresceu 5,03% ao ano, e continua em expansão.
A crise setorial trouxe, como consequência, a paralisacão nos investimentos em expansão de capacidade de moagem. Com a recuperação da produtividade agrícola, que, aliás, ocorreu até antes do que imaginávamos e, nesta safra, atinge nível superior a 86 ton por hectare, acima, portanto, da média dos 5 anos anteriores na região Centro-Sul, de 84,9 ton/ha, somada ao fechamento de 57 usinas em todo o País, o setor já se encontra próximo da capacidade efetiva de moagem. A pergunta é: qual país vai continuar a suprir o crescimento da demanda mundial nos próximos anos?
O mercado esteve relativamente tranquilo nos últimos anos porque estava em condição de excedente. A safra mundial 12/13 (out/set), encerrada em 30 de setembro último, registrou excedente de 9,5 milhões de toneladas. Mas 2013 já é o terceiro ano consecutivo em que a produção de açúcar do Brasil registra um volume em torno de 38 milhões de toneladas, e aos níveis atuais de preço, não encontramos muitos produtores encorajados a contratar grandes volumes de exportação para 2014, ou muito menos fazer hedge antecipado com um ano de antecedência como tem sido uma tradição dos produtores brasileiros.
Neste momento, tudo indica que a safra de 2014 deverá, novamente, continuar tendo uma orientação geral na direção do etanol, apesar da política desencontrada do Governo Federal para os combustíveis. A opção pelo etanol só não está mais desacreditada junto aos produtores por causa dos incentivos de ICMS aprovados em alguns estados-chave e da isenção federal de PIS/Cofins, aprovada como magro paliativo (R$ 0,12/litro) à eliminação da Cide incidente sobre a gasolina (de R$ 0,28/litro).
As perspectivas indicam que a safra mundial de 2013/14 caminha para uma redução significativa do excedente anterior, que passaria para parcos 3 milhões de toneladas, assumindo que tudo transcorra dentro da normalidade em vários países importantes no mundo.
Mas já sabemos que: 1) em 2013, a renovação dos canaviais ocorreu no Brasil em ritmo bem inferior aos 21,5% de 2012; 2) as geadas ocorridas em julho e agosto deste ano afetaram a rebrota e a produtividade de áreas importantes de produção a serem colhidas em 2014; e 3) muitos produtores reduziram a aplicação de fertilizantes por causa das dificuldades de caixa. Portanto é provável que, em 2014, a oferta do Brasil não acompanhe o crescimento das demandas por açúcar e etanol.
Um retorno de investimentos em ampliação de moagem só vai ocorrer quando os produtores se convencerem novamente de que há condições sustentáveis para remunerar novos investimentos. Antes disso, provavelmente, será dada prioridade a investimentos em cogeração e outras tecnologias que permitam o aumento da renda a partir do aproveitamento mais intensivo dos resíduos e subprodutos da cana já existente.
A geração de eletricidade de biomassa deverá ter um novo grande impulso, em particular, pela decisão do novo governo do Paraguai de aproveitar a energia que lhe cabe de Itaipu para promover a sua industrialização, o que ocorrerá com estímulos à relocação de empresas brasileiras e argentinas naquele país. Fará falta ao Brasil os 5 a 7 GW de potência instalada que venham a ser utilizados pelo Paraguai, antes disponibilizados no coração do seu centro de carga. É por isso que entendemos que interessa sim, e muito, ao Brasil promover rapidamente um retorno dos investimentos em cogeração a partir de biomassa.
Estimamos que a tarifa necessária para estimular o retorno desses investimentos seja entre R$ 200 e 210 por MWh, o que é muito menos do que os cerca de R$ 1.000 por MWh que têm custado ao País as térmicas emergenciais movidas a energia fóssil – gás natural e óleo diesel importados e óleo combustível –, que têm, inclusive, contribuído para tornar menos limpa a nossa matriz energética.
Por esses motivos, é que entendemos que, dentro de pouco tempo, os preços de mercado de açúcar e etanol irão atingir níveis que voltem a estimular um retorno de investimento em moagem. Provavelmente, algo entre 4 e 5 cents por libra-peso acima do custo médio na condição FOB do produtor marginal. Pela participação nos mercados mundiais de açúcar e etanol e pela flexibilidade e capacidade de alterar o seu mix de produção, o Brasil deverá se manter com mais probabilidade como o fornecedor marginal do mercado mundial. Portanto o preço mundial deverá procurar remunerar novamente o produtor brasileiro para voltar a estimulá-lo a expandir sua produção. Nesse processo, outros países irão também participar dessa nova fase de expansão, mas, até que esses investimentos amadureçam e resultem em aumento de oferta, decorrerão, no mínimo, 3 ou 4 anos. São esses os motivos que indicam que a crise por que passa o setor estará sendo, em breve, superada.