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Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias

Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA

OpAA68

Doce cana, etanol limpo
Recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, lançou a coletânea dos fatores de emissão e remoção de gases de efeito estufa (GEE) na agricultura e na pecuária brasileira, com estudos de cerca de 400 pesquisadores. São informações e indicadores sobre a redução das emissões provenientes da produção. Dados que irão auxiliar na definição de novas políticas públicas, mas que deixam clara a preocupação do setor – e não é de hoje – pela sustentabilidade.
 
Muitas mudanças ocorreram nos últimos anos nos sistemas de produção agrícola para a redução das emissões de gases de efeito estufa. E um dos exemplos dessas alterações está no setor da cana-de-açúcar, uma gramínea que, devido à necessidade de condições climáticas adequadas, tem nos trópicos sua melhor condição de desenvolvimento. São vários os estudos que apontam os avanços do setor na produção sustentável. Entre eles, por exemplo, o impacto da alteração do sistema de colheita da cana queimada para a cana crua.
 
Verificou-se, nesse caso, que, sem considerar o sequestro de carbono do solo, a conversão da colheita manual queimada para a mecanizada crua consegue reduzir cerca de 310,7 kg CO2 eq ha-1 ano-1. Além disso, considerando-se um potencial sequestro de carbono no solo de 320 kg CO2 eq ha-1 ano-1 em áreas cruas, a conversão do sistema de colheita sob queima para colheita crua evita uma emissão equivalente de 1.484 kg CO2 eq ha-1 ano-1. Esses estudos detalham resultados para diversas realidades e biomas e mostram a importância de continuar investindo recursos para a pesquisa relacionada às estratégias de mitigação de GEE. 

A inovação também tem contribuído em outros fatores que estão sendo observados de perto pelo MAPA, como a adoção crescente de ações sustentáveis no setor pelo uso de bioinsumos; práticas de controle biológico; mensuração da mitigação de GEE; superávit de carbono nos processos produtivos de cana; aumento dos créditos de carbono e rentabilização do produtor com o RenovaBio.
 
Além disso, verifica-se a ampliação de ferramentas e tecnologias de agricultura digital, com uso de sensores, drones, robôs e aplicações suportadas na inteligência artificial, o aumento de ativos derivados da cultura da cana (enzimas, açúcares especiais, biomassa, plásticos biodegradados, novos alimentos, biofilmes) e o movimento crescente de AgTechs (startups) atuando antes, dentro e fora da porteira.
 
A lei do agro trouxe também importantes modernizações no mercado de crédito do agronegócio e, dentre os setores impactados favoravelmente, o dos biocombustíveis se destaca. Isso porque as Cédulas do Produtor Rural - CPR, que somente podia ser emitida pelos agricultores, se viabilizou também para a agroindústria. 
 
Assim, todo o setor sucroalcooleiro passou a contar com esse instrumento para captar recursos para giro e investimento. Além da CPR, que também passou a poder ser emitida em moeda estrangeira, os títulos do agro, como o CRA, foram aperfeiçoados. O certificado, que ganhou também a emissão em moeda estrangeira, poderá ser registrado no exterior, solucionando a questão da tributação da variação cambial sobre o principal, algo que dificultava a captação de recursos externos para o setor. Como resultado dessas modernizações, usinas de biocombustíveis já começam a operar esses novos títulos, principalmente nos mercados de capitais, abrindo novas alternativas de funding para o setor.
 
São novos caminhos para o setor, atenuando os problemas que ainda afetam a produção e o comércio, como as restrições de alguns países à importação de produtos (especialmente o açúcar) de modo a preservar sua indústria de transformação. As restrições ao livre comércio são vistas com mais intensidade na União Europeia e Estados Unidos, que impõem cotas para importação do produto, além de outros países que estabelecem pesadas alíquotas de importação. A questão é tão séria que o açúcar é o único produto que não está integrado no Mercosul. 

Em outra frente, há países que subsidiam sua produção e exportação. Há bem pouco tempo, o Brasil abriu um painel para investigar subsídios às exportações da Tailândia concedidos por aquele governo. Recentemente, acionou os mecanismos de averiguação da OMC visando estudar se os subsídios concedidos aos produtores de açúcar da Índia estavam amparados nas regras do comércio mundial.

Resta, então, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em articulação com o Ministério das Relações Exteriores, buscar a derrubada de barreiras, tarifárias ou não, ao livre comércio do açúcar.

Quanto ao etanol, o Brasil é líder mundial, primeiramente, como aditivo à gasolina automotiva. Data dos anos 1930 a experiência brasileira quando se determinou uma mescla entre zero e 5,0% de adição do etanol ao combustível fóssil. 
Essa política foi tão exitosa que, atualmente, adicionam-se 27% de etanol à gasolina. Na outra ponta, tem-se também o uso do etanol como combustível a ser utilizado diretamente nos motores, política implementada em resposta ao 1º choque do petróleo no início dos anos de 1970. 

O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) não teve, no seu decorrer, caminho fácil. Nos inícios dos anos 1990, em decorrência da falta localizada do etanol nos postos de revenda, o programa passou por grande descrédito. A produção de veículos exclusivamente a etanol sofreu um baque. Dos quase 95% de produção de veículos a etanol, viu-se despencar para quase nada nos anos seguintes.

Naquele momento, a previsão era de que o uso do etanol como combustível estava fadado ao desaparecimento. Somente com o advento da tecnologia dos veículos flex (que utilizam qualquer percentual de mistura de etanol e gasolina, ou mesmo etanol puro) é que se voltou a acreditar no uso do etanol diretamente nos motores. Transferiu-se a decisão de utilizar o combustível renovável, saindo das mãos dos produtores para as mãos dos consumidores.

Esta expertise brasileira (uso do etanol como oxigenante ou como combustível) vem há um bom tempo atraindo atenção de vários países. Podem ser citados os Estado Unidos, que, há pouco mais de 10 anos, buscaram incentivar a mistura de etanol (hoje na proporção de 10%) à gasolina e tornaram-se os maiores produtores e consumidores de etanol do mundo, utilizando cerca de 60 bilhões de litros do produto por ano. Diferentemente do Brasil, a produção americana de etanol tem como 
matéria-prima o milho. 

No caso da União Europeia, a cautela tem sido muito maior. Pela sua condição climática, os países que compõem aquele bloco econômico estão reticentes no incentivo a qualquer programa em maior escala de uso de renováveis à sua matriz fóssil. Além disso, diferente do Brasil, que detém área mais que suficiente para a expansão da produção de etanol, sem impacto na produção de alimentos, no caso dos europeus, a questão da produção de alimentos versus a produção de biocombustíveis é muito mais acentuada.

Com a adesão do Brasil ao Acordo de Paris, há a necessidade de se reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa. O setor de transporte é, com certeza, um dos grandes poluidores. Por isso, os programas de uso de biocombustíveis na matriz de transporte (o uso dos combustíveis renováveis no ciclo Otto, e superior ao uso de combustível fóssil) são, certamente, a melhor resposta que o Brasil pode dar nesse sentido.

O País precisa é manter seu programa de adição de etanol (renovável) à gasolina automotiva (fóssil), com o uso do combustível chamado de 1ª geração, e incentivar pesquisa e inovação na obtenção de processos mais eficientes e mesmo com o uso de outras matérias-primas ou subprodutos, como palha e bagaço da cana (o chamado etanol de 2ª geração).

Como forma de incentivo (sem qualquer tipo de subsídio ou subvenção), foi lançado, em 2017, o programa brasileiro de uso de biocombustíveis, o chamado RenovaBio. A sustentabilidade é estimulada em todo o processo produtivo, do campo até o consumo final. As indústrias de biocombustível (aquelas que desejarem participar do programa) deverão certificar seu processo de produção, pontuando cada unidade de acordo com a sua eficiência. Com essa pontuação, os produtores poderão emitir Certificados de Descarbonização (chamados de CBios) a serem comercializados em bolsas e assim, obter ganhos maiores com seus produtos. Como o processo é dinâmico, a cada instante haverá competição entre as empresas produtoras, no sentido de, a cada passo, melhorarem seus processos produtivos.

Outra questão bastante importante é a definição da mobilidade do transporte. O Brasil deve buscar sua própria identidade nesse quesito. A proposta de eletrificação da frota de veículos, sem considerar a forma como essa energia é gerada, não tem qualquer lógica. Não faz sentido considerar sustentável um carro elétrico em um país onde a geração de energia é baseada em fontes não renováveis (carvão, derivados de petróleo, gás natural, entre outras).

O Brasil tem a opção de utilização de etanol como matriz geradora de energia por meio de uso das células de combustível (produz a energia no próprio veículo). Assim, o País utilizaria sua vasta rede de postos de abastecimento de combustíveis (mais de 40 mil) para utilizar o etanol e movimentar esses veículos.

Na visão do Ministério da Agricultura, o Brasil não pode prescindir do uso dos biocombustíveis, principalmente o etanol e o biodiesel. Ambos são vetores de desenvolvimento tecnológico e social, de geração de emprego e renda. Não apenas para os produtores de matéria-prima, mas principalmente para a agroindústria nacional.