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Alexandre Enrico Silva Figliolino

Consultor-sócio da MB Agro

Op-AA-47

Fazer o rescaldo e seguir em frente
Sem dúvida, fazer o diagnóstico da atual situação do setor sucroenergético é fundamental para que possamos tentar desenhar o que pode ser o formato e a tendência dos acontecimentos no futuro. Então, vamos a ele. Os mais de 4 anos de uma prolongada crise motivada pelos baixos preços do açúcar no mercado internacional, aliados a uma taxa de câmbio desfavorável e, principalmente, ao congelamento de preços dos combustíveis que aliado à zeragem da Cide, erodiram as principais fontes de receitas do setor.

Além disso, a ausência de uma política inteligente de estímulo a investimentos na cogeração de biomassa contribuiu sobremaneira para agravar a situação. Do lado dos custos, uma redução dos rendimentos agrícolas causados por eventos climáticos, mais o avanço na mecanização dos processos de plantio e colheita, cuja curva de aprendizado foi bastante dolorosa, trouxe impactos bastante significativos. Foram anos extremamente desafiadores, nos quais um grupo de empresas soube, de alguma forma, caminhar na direção correta, conseguindo sair mais forte desta crise.

Porém outra parte relevante do setor sucumbiu e está em situação bastante complicada, seja pelo peso das dívidas contraídas no ciclo de crescimento anterior, seja por questões relacionadas a problemas de má gestão, baixa competitividade do empreendimento ou uma combinação desses fatores. Estivéssemos agora vivendo neste país dias normais, em termos políticos e econômicos, tudo indicaria que um vigoroso processo de consolidação estaria por se iniciar, na medida em que as margens do setor voltaram a ficar atrativas pela desvalorização do câmbio, pelas melhores perspectivas de preço para o açúcar, indicadas por projeções crescentes de déficit do balanço de oferta e demanda mundial, além de que, do lado dos combustíveis, houve também um processo virtuoso de combinação de preços e demanda crescentes a partir de setembro de 2015.

 
Existe um ditado interiorano que pode traduzir bem o momento que estamos vivendo: "Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça". Ou seja, predomina nos nossos empreendedores do setor um sentimento de extrema cautela com relação ao futuro, após anos de total irracionalidade de políticas públicas que levaram a uma situação que pode ser definida quase como de uma terra arrasada. E, num momento em que o petróleo bate nas suas mínimas, o ambiente de negócios é o pior possível, com taxas de juros nas alturas, crédito arrochado, recessão aliada a pressões inflacionárias, etc.

O que não faltam são razões para comportamentos de extrema e justificada cautela. Sendo assim, a grosso modo, simplificando e dividindo o setor em dois, teremos os seguintes desdobramentos: primeiro, para aquele grupo de empresas que estão em boa situação financeira e operacional, que trabalharam duro nesses anos, em profundos aprimoramentos de processos, de redução de custos e aumento de produtividade/eficiência.

Esse grupo vai ter todas as condições, com o nível atual de preços, de gerar expressivo fluxo de caixa livre operacional – e, à medida que se forem materializando, vão permitir-lhes a necessária desalavancagem financeira. Em isso acontecendo, estarão na posição de decidir movimentos, de início muito cautelosos, que levem ao crescimento, seja ele orgânico, seja através de aquisição de ativos de alto valor estratégico, com os quais podem conseguir elevada sinergia, com múltiplos de aquisição que façam sentido e que, de forma alguma, coloque em risco a saúde financeira futura do grupo.  

 
No segundo bloco, estão aquelas empresas que, mesmo com a melhora de cenário de preços recente do setor, não terão condições suficientes para fazê-las voltar a uma situação de normalidade, seja pelo elevado endividamento, seja pela  precária situação operacional, na qual somente com elevados investimentos, a situação de competitividade seria retomada. Nesses casos, partindo do princípio de que nada, ou quase nada, relevante em termos de medidas governamentais podem ser esperadas no conturbado cenário em que vivemos, só resta que os agentes privados se entendam e busquem a solução de menor dor para acionistas e credores dos empreendimentos em dificuldade, visando à busca de simetria na distribuição de perdas.
 
Naqueles casos em que a operação está em bons padrões de custo/competitividade, alongamentos com ou sem o uso de engenharias financeiras mais sofisticadas, dependendo da necessidade, podem ser suficientes para colocar as coisas novamente nos trilhos, contando que os ventos dos preços permaneçam favoráveis por um bom tempo e que uma gestão extremamente austera, no que tange a custos, seja implantada nas empresas. Porém os casos em que o endividamento é extremamente elevado, e, ainda por cima, as questões não se resumem apenas ao lado financeiro, em que elevados volumes de investimento são necessários para recuperar minimamente as condições competitivas, será preciso muita sabedoria, entendimento, equilíbrio e transparência para que o pior dos mundos não aconteça, que é a deterioração irreversível dos ativos, com encerramento das atividades.
 
Cada caso é um caso, não há receita de bolo pronta. A única certeza é a de que o tempo joga contra todos, na medida em que a deterioração e a perda do valor dos ativos é rápida e inexorável, na medida em que acordos e soluções demorem para serem encontrados. Sem dúvida, na grande parte dos casos, dificilmente soluções serão obtidas sem que processos de fusões e aquisições se façam presentes, portanto capitais de fora e empreendedores animados são muito bem-vindos.
 
A seriedade com que esses processos forem conduzidos será decisiva para que o nível de estragos seja o menor possível, e, infelizmente, nossa legislação que trata de processos de recuperação judicial carece de vários aperfeiçoamentos e não está contribuindo para o bom andamento dos casos que se encontram nessa situação. Não tenho dúvida de que processos que impliquem perdas injustas de agentes farão com que uma grande parte do setor passe um longo tempo sem acesso a créditos e capitais de boa qualidade. 

Mas, à medida que os casos complexos tiverem uma solução de mercado e a parte robusta do setor volte a apresentar crescimento, mesmo que de forma seletiva, teremos, com certeza, a emergência de um setor bem mais robusto, sólido e competitivo, mais resiliente a crises futuras – que virão –, que manterá o Brasil na posição de destaque no mercado mundial de açúcar, com participação em torno de 50% do trade mundial, fazendo dele grande produtor de combustível líquido renovável em quantidades crescentes necessárias aos compromissos de redução de emissões de carbono assumidos na COP 21 e também aumentando a participação da geração de energia de biomassa na matriz energética brasileira. Infelizmente, o grave quadro político institucional que vivemos não nos dá esperança de que, antes de 2018, possamos ter as tão almejadas políticas públicas para o setor, decisivas para definir e planejar o crescimento no longo prazo.