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Antonio de Padua Rodrigues

Diretor Técnico da Unica

Op-AA-52

Gestão agrícola e criatividade em tempos de crise
Coautor:
Luciano Rodrigues, Gerente de Economia e Análise Setorial da Unica


Todos sabem que o setor sucroenergético vivenciou uma trajetória absolutamente atípica nos últimos 15 anos. O início dos anos 2000 foi um período de intenso investimento, com a ampliação da capacidade produtiva existente e a construção de mais de 100 novas unidades no Brasil. Múltiplos fatores contribuíram para esse cenário: o lançamento dos veículos flex-fuel, as perspectivas de aumento na cotação internacional do petróleo, o crescimento do interesse global pelos biocombustíveis e o diferencial tributário existente entre o etanol hidratado e a gasolina no mercado doméstico. 
 
Esse movimento se alterou drasticamente após a recessão mundial de 2008, dando origem a uma das maiores crises da história da indústria canavieira. O aumento nos custos de produção do etanol e o teto de receita imposto pelo controle dos preços da gasolina ampliaram o endividamento do setor, que, hoje, supera a receita média anual das empresas e compromete cerca de 15% do faturamento somente com o pagamento das despesas financeiras.

Resultado: desde 2008, aproximadamente 80 usinas e destilarias em todo o País já fecharam as portas, e dezenas estão em recuperação judicial. Nesse mesmo período, de forma menos evidente para o grande público, houve uma transformação significativa nas atividades agrícolas da cadeia canavieira. 
 
Além do avanço da produção para regiões de fronteira, a pressão para o fim do uso do fogo como método de despalha da cana-de-açúcar promoveu um rápido avanço na mecanização da colheita, com repercussão em inúmeras operações no campo. O uso das colhedoras impôs uma nova curva de aprendizagem ao setor ao suscitar alterações nas técnicas de plantio, nos sistemas de conservação de solo, nas pragas e doenças na lavoura, etc.
 
Essas mudanças promovidas pela mecanização, aliada à dificuldade de investimentos diante da crise setorial e ao clima atípico em algumas safras, impactaram negativamente a produtividade agrícola, gerando inúmeras críticas à indústria sucroenergética e, em especial, à área agrícola das empresas. 
 
De fato, o rendimento dos canaviais diminuiu sensivelmente nos últimos anos, atingindo, em 2011, índice médio inferior a 70 toneladas por hectare na região Centro-Sul do Brasil (Figura 1). Essas cifras incorporam, ainda, um alto teor de impurezas vegetais, o que superestima a real produtividade. 
 
Seguindo a mesma tendência, a concentração de açúcares na matéria-prima reduziu significativamente nesses últimos anos, com queda próxima a 12 kg de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) por tonelada de cana quando comparada aos valores observados antes da expansão do setor (Figura 2). 
 
Nesse caso, sequer se tem clareza do real efeito do manejo da colheita, da extensão do período de moagem e do maior volume de impurezas vegetais nas cargas – dentre outras variáveis, sobre esse recuo no teor de açúcares na planta. Esse cenário impõe um enorme desafio: como ampliar a eficiência produtiva em um contexto de recursos limitados para investimento em novas tecnologias e para o uso adequado daquelas já disponíveis? Obviamente, não existe uma receita única para transpor essa situação, que exigirá criatividade, conhecimento, gestão e empenho das empresas sucroenergéticas.
 
Felizmente, a melhoria das margens observada na safra 2016/2017 – derivada do aumento dos preços do etanol e, principalmente, da melhor remuneração do açúcar – permitiu um primeiro movimento de retomada dos investimentos nas lavouras. Para citar um exemplo típico, neste ano, se espera uma expansão na área de renovação dos canaviais próxima a 30% comparativamente ao índice registrado em 2016, quando representou o equivalente a pouco mais de 14% da área total colhida.
 
O avanço observado na gestão dos recursos disponíveis e a perspectiva de novas tecnologias devem contribuir de forma decisiva para a retomada eficiente da capacidade produtiva da indústria canavieira. Especificamente no segmento agrícola, essa recuperação passa pelo uso de variedades mais adaptadas ao sistema produtivo, de maquinários mais modernos, de ferramentas de agricultura de precisão com eletrônica embarcada, dentre outros. Observa-se, ainda, o emprego de novas tecnologias de plantio, como o uso de mudas pré-brotadas, e a sinalização de possível ruptura tecnológica diante do desenvolvimento da semente artificial de cana-de-açúcar.
 
A cana-de-açúcar transgênica resistente a insetos também deverá ser uma realidade comercial no futuro próximo. Variedades com maior tolerância à seca, maior produção de açúcares e maior eficiência fotossintética também poderão surgir.  Nesse contexto, eventuais estímulos gerados por mudanças no ambiente institucional são fundamentais para acelerar o processo de inovação e difusão de novas tecnologias.

Cita-se, por exemplo, a concessão de financiamentos para a expansão e a renovação de canaviais, contemplando a exigência do uso de material protegido. Outro exemplo consiste em uma tributação diferenciada para máquinas e equipamentos com maior eficiência nas operações agrícolas, incentivando os fabricantes de colhedoras e plantadoras a aperfeiçoarem seus produtos. Outro sólido estímulo se refere à disponibilização de financiamentos para a pesquisa de doenças e de pragas e de novos sistemas de plantio.
 
A valorização dos benefícios econômicos e ambientais associados à bioeletricidade também é crucial para a adoção de sistemas de aproveitamento da palha, incluindo técnicas de recolhimento no campo e de processamento nas indústrias. Na mesma linha, estão os estímulos à produção de biogás e biometano pelo setor sucroenergético.
 
Um momento importante para a definição do futuro desse setor está em curso, com o etanol despontando como uma solução para reduzir o déficit doméstico de combustíveis, para atender aos compromissos assumidos pelo Brasil para a mitigação dos efeitos do aquecimento global e para gerar benefícios secundários expressivos à sociedade – com investimentos, geração de empregos e de renda. 
 
As tecnologias disponíveis e em desenvolvimento, a indicação de novos ganhos de produtividade e eficiência e o esforço mantido pela cadeia sucroenergética para romper com o estado desordenado vigente nos últimos anos podem garantir um caminho menos tortuoso na busca pela consolidação da cana-de-açúcar como fonte de energia limpa para o futuro.