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Luiz Carlos Corrêa Carvalho, Caio

Presidente da ABAG e Diretor da Canaplan

OpAA71

Irrigação de cana-de-açúcar: um novo tempo
“Sorte é o que acontece quando a 
preparação encontra a oportunidade.”
Sêneca
 
Quando se pensa em investimento, vem logo a preocupação com endividamento e com anos passados. Há dez anos, André Lara Resende escreveu que “a alavancagem excessiva, o abuso do crédito, é provavelmente a forma mais evidente de turbinar a demanda. Quase todas as políticas teoricamente questionáveis, mas que resistem, no tempo e em toda parte, ao ataque da racionalidade, podem ser entendidas como tentativas veladas de estimular a demanda”.
 
O agronegócio canavieiro passou 60 anos sob forte intervenção do governo, via IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, autarquia federal que nasceu com Getúlio Vargas. A fala de André serve ao pesado financiamento pelo IAA para a modernização do setor, que não se tornou crise à face da criação do Proálcool, no início da década de 1970, assim como dos financiamentos, já sem a intervenção de governo, na década de 2000, com a forte subida dos preços de energia no mundo, a valorização das energias renováveis e o lançamento dos veículos flexíveis. Muitos se endividaram com o retorno, no Governo Dilma, da intervenção na área de combustíveis, congelando os preços da gasolina e prejudicando o etanol de maneira inaceitável.

2020 foi o primeiro ano da lei para biocombustíveis no Brasil – RenovaBio (aprovado no governo Temer) –, na esteira global do processo de descarbonização, onde o carbono passa a ser outra variável no processo produtivo setorial. Além de ter que realizar elevada produtividade e um canavial longevo, somam-se à qualidade da cana-de açúcar os feitos da redução das emissões de carbono na produção do etanol, entre outros biocombustíveis, que gera prêmio. Pela lei federal, tem-se metas decenais avaliadas a cada ano, permitindo maior segurança nos investimentos, em ritmo de transparência e equilíbrio na demanda dos biocombustíveis no tempo.
 
Uma das razões da relevância do Brasil no novo contexto do século XXI é sua reserva de terra ainda agriculturável, através de processos de recuperação de solos degradados e, importante, sem desmatamento ilegal. Esse potencial de ampliação da área plantada é bastante significativo, mas, deve-se citar, com uso de moderna tecnologia que enfrentará as variações de clima. Também nossa capacidade de inovação no campo se tornou um ativo que estimula o investimento nas atividades do agronegócio brasileiro. Houve o sucesso da domesticação do cerrado, seguido pelo sistema de plantio direto na palha, agora somada à iLPF. 
 
A cana-de-açúcar saiu das regiões tradicionais e expandiu sua presença em novas áreas onde sofre com as variações do clima. Mesmo resiliente, tem sofrido reveses de seca, com geadas e incêndios. Um olhar aos limites físicos das áreas brasileiras, somando conhecidos déficits hídricos nas áreas produtivas, imediatamente traz componentes importantes ao futuro setorial: 
 
1. É fundamental ter a confiança do consumidor brasileiro no etanol, o que pressupõe menor volatilidade de oferta do produto a cada safra.   
2. É preciso, portanto, ter um sistema produtivo que seja “antiquebra” de produtividade, com estabilidade da oferta.    
3. Um processo produtivo qualificado, de baixa emissão de CO2 e uso atento da tecnologia já dominada em países que cultivam a cana-de-açúcar.

Esses aspectos citados impõem a um país continental como o Brasil uma melhor logística e avaliação de ações públicas essenciais a atrair os investimentos que visem à estabilidade com elevada produtividade, em novas áreas produtivas. As regiões que se vêem com muito potencial, até pela qualidade dos solos, com raras exceções, são áreas que mostrarão déficits à cultura canavieira, que demanda água para boa resposta produtiva por um longo período. 
 
Como dito por Sêneca, “sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade”. A irrigação emerge como a tecnologia que se espraiará pelos canaviais futuros, com elevadas produtividades em longevidade e com enorme potencial de redução das emissões de CO2 e de prover estabilidade da oferta. E o que se pode falar dessa estratégia ao setor?
 
Uma primeira constatação, na crítica de André Resende, é que o estímulo à demanda já está dada via lei. O que se deve buscar é produtividade, qualidade e longevidade, com prêmio por menores emissões. Outra constatação é que será preciso romper os limites das regiões tradicionais, com tecnologias que entreguem o potencial produtivo que dê sustentabilidade aos investimentos.
 
Enquanto nas áreas tradicionais se tem resultados muito interessantes com a irrigação, mas ainda em escala menor, em regiões secas no Centro-Sul, em campos com cana irrigada, a produtividade é bastante elevada, o que gera confiança.
 
As questões que envolvem a irrigação indicam ruptura com o modelo tradicional de produzir. Exemplos como os da Usina Bevap, em Minas Gerais, assim como os da área canavieira de Juazeiro/Petrolina, são extremamente favoráveis em termos de produtividade e da estabilidade da oferta de canas. Também, como função da produtividade, há nítida redução de emissões de CO2. 
 
Há uma postura nas regiões canavieiras tradicionais de que a irrigação significa investimentos bem maiores e, em anos mais chuvosos, menores diferenças de resultados em relação às áreas de sequeiro. O problema é que, nos últimos anos, há alguns fatos:
• seca em 3 safras seguidas;
• dificuldades, por seca, de plantio da cana de 18 meses;
• quebras pronunciadas de produtividade;
• envelhecimento do canavial;
• dificuldade em ter mudas qualificadas.

Como olhar o futuro, em convite de expansão da cana? Nesse caso, a algumas condições cabem comentários:
• A existência de fonte de água e a aprovação de outorga são essenciais;
• Pequenas áreas represadas ajudam, assim como o sistema de irrigação a ser utilizado. Quanto menores as perdas de água, mais eficaz o modelo; quanto menor o volume de água convertido em maior volume de canas, melhor;
• Quanto mais integrados o sistema e o uso de insumos, melhor.

Outro aspecto a evoluir nas relações comerciais entre as empresas de irrigação e os produtores de cana diz respeito à forma de negociação: é somente investimento (CAPEX) ou se pode ter um sistema de leasing dos equipamentos? Seja o que for esse desenvolvimento, é preciso estar preparado para as oportunidades que surgirão ao Brasil no campo dos biocombustíveis, que requerem escala. Agora, em clara sinergia com leguminosas e milho, o potencial é, de fato, enorme.
 
Imagine-se uma unidade que inicie o seu processo de irrigação como de “salvação” para aprender esse novo mundo; em seguida, complementar, com mais lâminas de água. Somente nesse caso, a produtividade é de 3 dígitos, com uma longevidade de 7 a 8 cortes.
 
Agora, imagine uma nova região, com bons solos e topografia e com água disponível e logística, com irrigação full, produzindo 130 t/ha e 140 kg ATR/t cana em um raio médio de 20 km e 10 cortes como média. Seriam mais de 18 t de ATR/ha. Esse novo tempo já começou, a bordo dos novos trilhos de trens, do capital externo em parceria com o nacional, gerando emprego, renda e balança comercial ao Brasil.
 
É fundamental preparar-se para essa nova fase quando se olha para as metas (2031) do RenovaBio.