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Mauricio Tiomno Tolmasquim

Presidente da Empresa de Pesquisa Energética - EPE

Op-AA-35

A matriz energética e a cogeração

A sustentabilidade econômica de um país é função direta da sua capacidade de prover infraestrutura para o desenvolvimento de sua produção, com razoável previsibilidade e em condições competitivas e ambientalmente sustentáveis.

Sem um suprimento crescente de energia, não teria sido possível manter o forte desenvolvimento socioeconômico que ocorreu no Brasil nos últimos anos. A expansão significativa da capacidade de geração verificada no período é em função da recuperação da sua capacidade de planejamento e da execução de ações de forma integrada entre governo e iniciativa privada, a partir da introdução do Novo Modelo do Setor Elétrico (NMSE) em 2004. (*1)

É verdade que, no início do NMSE, a maior participação das outras fontes renováveis, além da hidrelétrica, contava com um contexto pouco propício: o alto custo unitário e a elevada percepção de risco, por parte de potenciais empreendedores, inibiam investimentos, o que inviabilizava escalas de fabricação aptas a tornar essas tecnologias competitivas frente às tradicionais.

No caso da bioeletricidade, a principal dificuldade para aumentar sua participação nos leilões de energia era causada principalmente pelos seguintes fatores: problemas de conexão ao sistema elétrico para entrega da energia contratada; licenciamento, por descasamento entre prazos de leilões e respostas dos órgãos responsáveis; e o reduzido prazo de outorga. Todas as questões foram devidamente equacionadas pelo governo, em comum acordo com os agentes.

Além disso, para destravar o investimento em maior capacidade de geração a partir da biomassa, foram fundamentais medidas  como: a possibilidade de comercializar a energia elétrica produzida com consumidores com demanda superior ou igual a 500 kW, a redução de, no mínimo, 50% no pagamento dos encargos por uso das redes de transmissão e distribuição, e a dispensa de licitação para obtenção da concessão, bastando, para tanto, obter a autorização.

Como resultado, foram contratados, até 2012, 113 empreendimentos de geração a biomassa com potência de 5,6 mil MW, sendo a energia média contratada de cerca de 1,5 mil MW médio (dos quais são correspondentes ao Proinfa  – Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia Elétrica  –, 27 empreendimentos com 685 MW de potência e cerca de 200 MW médios de energia contratada).

E o que se considera para os próximos 10 anos para a bioeletricidade? No que tange à geração a biomassa, estima-se um potencial atual de 9,6 GW, que deverá atingir pouco mais de 17 GW em 2020. No entanto, para transformar esse potencial em realidade, mostra-se necessária a articulação entre governo e os agentes que atuam no setor, para o enfrentamento de, pelo menos, dois grandes desafios.

O primeiro desafio consiste em reforçar a credibilidade da biomassa como opção confiável e efetiva de expansão de energia elétrica, já que há usinas que não estão cumprindo seus contratos de comercialização obtidos nos leilões de energia do ambiente de contratação regulada.

É importante mencionar que a biomassa é a única fonte de energia em que a garantia física do empreendimento é estabelecida com base na declaração prudente do agente (*2), devendo tal declaração guardar relação com a área plantada. A geração de energia abaixo do nível contratado em leilão, ainda que justificada por quebras de safra, efeitos da crise internacional de 2008, problemas climáticos, entre outros, acaba afetando a credibilidade da garantia física associada a usinas a biomassa, com efeitos deletérios sobre a segurança de abastecimento, um dos pilares do NMSE.

No enfrentamento desse desafio em particular, podemos citar medidas que vêm sendo tomadas para garantir maiores excedentes para o Sistema Interligado Nacional - SIN, melhorando a disponibilidade de biomassa para produção de energia elétrica.Pelo lado do governo, as iniciativas visam fomentar a renovação e a modernização das instalações de cogeração, de maneira a aumentar a eficiência de conversão da energia da biomassa e gerar excedentes para o SIN. Além disso, a atual legislação ambiental regulamentou prazos para a mecanização da colheita de cana-de-açúcar, o que tornará possível disponibilizar essa biomassa residual para o aproveitamento energético.

Pelo lado dos agentes, o adequado gerenciamento das questões ambientais relacionadas à bioeletricidade tende a aumentar a aceitabilidade dessa fonte. De fato, os aperfeiçoamentos introduzidos na atividade agrícola, como o impedimento à queima das palhas e pontas no campo e a melhoria no tratamento das questões sociais, têm resultado em visíveis benefícios para a disponibilização dessa biomassa para produção de energia.

O segundo desafio está na competitividade relativa da biomassa. Ainda que sejam consideradas as externalidades positivas da bioeletricidade na matriz elétrica nos estudos de planejamento, é necessário, em um esforço conjunto de todos os atores do setor, ir em direção à solução dos problemas que envolvem os seguintes itens: o custo de investimento em modernização das plantas antigas (incluindo os custos de conexão à rede básica), as condições de financiamento e a tributação diferenciada em relação a outras fontes.

Na questão do custo de investimento, há que se separar a situação das usinas antigas daquela observada nas atuais biorrefinarias. Para os projetos greenfield, a cogeração faz parte do investimento total, elevando a taxa interna de retorno do empreendimento. No caso das usinas antigas, desenhadas para minimizar a produção de bagaço, é necessário um investimento mais significativo (custo do retrofit), especialmente para usinas que processam mais de 3 Mt de cana-de-açúcar por ano.

Em termos de financiamento, o Bndes tem buscado políticas de financiamento para estimular o investimento em sistemas mais eficientes de cogeração. De acordo com as condições atuais de financiamento, projetos de cogeração de energia que utilizem caldeira de biomassa com pressão igual ou superior a 60 bar poderão obter um patamar de até 90% dos itens financiáveis. A eficientização das plantas antigas levaria ao atendimento de suas necessidades energéticas e, ao mesmo tempo, possibilitaria gerar excedentes de energia elétrica para serem comercializados, permitindo a diversificação das fontes de receita e a garantia de um fluxo de caixa estável.

Em relação à tributação, a desvantagem competitiva dos projetos a biomassa em relação aos projetos eólicos não seria, por si só, capaz de explicar a grande diferença dos preços médios entre as duas fontes nos leilões de energia. No entanto é inegável que o problema de acúmulo de créditos do ICMS acaba afetando a rentabilidade final dos projetos a biomassa e pode significar uma desvantagem competitiva em relação a projetos que contam com mecanismos tributários mais favoráveis.

De todo modo, a solução da questão tributária deve ser encontrada no âmbito apropriado. Em suma, a bioeletricidade tem potencial, principalmente aquela advinda da cana-de-açúcar, de se consolidar como uma das fontes mais importantes na matriz elétrica nacional, trazendo, com isso, benefícios à operação do sistema.

Para tanto, é fundamental que a bioeletricidade participe com credibilidade e mais competitividade na expansão do setor elétrico brasileiro, em conformidade com a política nacional de priorização da participação das fontes renováveis, visando atender ao respectivo crescimento do consumo de energia elétrica. O correto enfrentamento das questões citadas significará melhores perspectivas da geração a biomassa, possibilitando o aproveitamento do significativo potencial que essa fonte possui em nosso país.

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*1.  Mais detalhes das medidas, bem como análise dos seus efeitos, podem ser obtidos no meu livro Novo modelo do setor elétrico, editora Synergia, 2011.

*2.  Conforme Artigo 4° da Portaria MME n° 258, a EPE poderá recalcular periodicamente essa garantia física, considerando o percentual da energia efetivamente gerada em relação à disponibilidade de energia declarada, bem como as demais informações fornecidas pelos agentes. Em decorrência de alteração de potência instalada, a revisão da garantia física dessas usinas segue metodologia da Portaria MME n° 484, de 24 de agosto de 2012. Adicionalmente, está em análise, pela diretoria da ANEEL, minuta de resolução que estabelece critérios para o cálculo da garantia física apurada da usina eolioelétrica e termelétrica inflexível com Custo Variável Unitário - CVU nulo, conectadas ao SIN.