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Xico Graziano

Estrategista especializado em agricultura e meio ambiente

Op-AA-43

Qual é a energia que nos falta?

Quando, em 27 de janeiro último, oito mil trabalhadores e sindicalistas bloquearam, por três horas e meia, duas rodovias em Sertãozinho-SP, eu pensei: agora, sim, a agenda começou a mudar. Batizado de "Movimento pela retomada do setor sucroenergético", a inusitada manifestação contra a crise parou a cidade e fechou as portas do comércio. Nunca a defesa do etanol havia recebido uma passeata dessa magnitude.

A energia que nos falta é exatamente essa: capacidade de indignação contra o desleixo do setor público. Todos nós, mais ou menos, temos sido lenientes, tolerantes, pacatos. Vem de longe certo comportamento condescendente dos brasileiros. Desde os tempos coloniais, nós fomos acostumados a argumentar dentro dos salões da Corte, para convencer no pé do ouvido os maiorais.

Na história recente, durante o regime militar, com a economia controlada e tabelada, importante era saber percorrer os íntimos corredores do poder, buscando os favores das canetas autoritárias. Nosso jogo político, desde lá de trás, nunca foi verdadeiramente democrático, transparente, participativo. Mais valor tinham os arranjos, os conchavos, para não dizer as propinas. Daí veio o segredo do sucesso: um bom pistolão.

Em decorrência dessa manipulação histórica sobre o poder centralizado, nossa democracia se erigiu na subserviência. Nasceu, assim, um “jeitinho” manso na forma de o povo se expressar. Culturalmente, fruto da dominação colonial, certo pacifismo se estabeleceu por aqui. A tranquila Independência, a calma Proclamação da República... nós nunca precisamos brigar, de verdade, pelas nossas conquistas.

Houve, claro, conturbações da ordem, porém nada grave: Zumbi e, depois, Antônio Conselheiro, se revoltaram, fizemos uma pequena guerra contra o Paraguai, Tiradentes deixou seu exemplo contra a derrama, São Paulo lutou em 1932 pela hegemonia perdida. Nada que alterasse o caráter bondoso de um povo miscigenado entre tantas raças e acostumado a sorrir ingenuamente para seu futuro.

Chega de paciência. Um crime contra a civilização foi cometido pelo Governo Federal do Brasil, que, ao invés de ensinar ao mundo como se produz energia renovável da biomassa, fez o enterro de seus produtores na vala da falência. Numa época em que o aquecimento global provoca crises hídricas jamais imaginadas, como as verificadas na Califórnia, na Austrália e, agora, no Brasil, nós desperdiçamos a oportunidade de mitigar as emissões de carbono e proteger a biosfera, ajudando a preservar a biodiversidade no planeta Terra. O país que inventou o Proálcool preferiu favorecer a gasolina. Um vexame mundial.

Há anos, temos acompanhado, atônitos, essa triste situação que levou à insolvência do setor sucroalcooleiro. Ninguém sequer conseguiu, ao certo, entender o porquê dessa tragédia. Ela não foi anunciada. Pelo contrário, configurou um conto do vigário. Quando Lula recebeu Bush nas terras tupiniquins, fazendo discursos enaltecedores, loas exageradas se direcionaram ao setor.

Como se tocados por fadas madrinhas, os empresários se assanharam, meteram a mão no bolso, emprestaram o que não tinham, associaram-se a estrangeiros, investiram, felizes da vida. Parecia um sonho. Acordaram, anos depois, no suadouro do maior pesadelo de sua história. Durante esses anos de gestação da derrocada, os pistolões de sempre falaram: “deixem que eu resolvo, vou falar com fulano”. Os mais graúdos diziam: “fiquem tranquilos, vou ao Palácio acertar isso”. Nada acontecia.

Uns, malandros, se aproveitaram da crise para pendurar as contas que traziam endividadas, botando a culpa nos outros para socializar o prejuízo. O tempo passava, piorava a remuneração do biocombustível. Lula saiu, passou o bastão do poder para a presidente Dilma. Agora vai melhorar, pensaram os otimistas. Tudo, desgraçadamente, piorou.

As dezenas de destilarias que fecharam as portas ou entraram em concordata, os 60 mil empregos diretos perdidos, a quebradeira nos fornecedores de equipamentos, a penúria dos plantadores de cana, a tristeza das cidades canavieiras, essa turma que aposta na sustentabilidade resolveu dar um basta no descaso governamental. Decidiu gritar contra a incompetência pública. Foi a melhor notícia do setor sucroenergético ao começar o Ano Novo de 2015.

Agora, quebrada a Petrobras e com o preço do barril do petróleo despencado, com as finanças públicas do País arrebentadas, nenhum analista sério arrisca um palpite sobre o que acontecerá na matriz energética nacional. A elevação da mistura do álcool anidro na gasolina ajuda. A promessa de retorno da contribuição da Cide alenta. O fraco preço internacional do açúcar assopra a favor do etanol.

Mas a seca castiga as plantações, o consumo popular recua, freando a macroeconomia, o déficit geral de energia vai segurar o crescimento econômico. Que ninguém se iluda. Neste ano de 2015, o faturamento do setor sucroenergético, no montante de R$ 70 bilhões, segundo Plínio Nastari, será inferior à dívida das empresas, estimada em R$ 77 bilhões.

Falou bem Manoel Carlos Ortolan, presidente da Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do País – Orplana: “Há possibilidade de dias melhores no futuro... para quem sobrar”. Quem restará? Aqueles empresários que permanecerem sonhando com a mentirada dos caciques de outrora, esses, com certeza, dançarão. Seguirão o mesmo destino os imprudentes, que expandem seu negócio como se os mercados obedecessem, ilogicamente, aos seus caprichos da ganância.

Sobre os espertos, que tomam dinheiro do contribuinte para onerar a pessoa jurídica e se enriquecer na pessoa física, parece que o sistema democrático lhes acabará com a mamata. Mas, sinceramente, ainda tenho dúvidas sobre o desmantelamento dos esquemas corruptos que grassam nas instituições, roubando-lhe seu republicanismo. Toda crise é sempre uma oportunidade.

Há empreendedores do Centro-Oeste querendo alternar a fermentação do milho com a da cana-de-açúcar. Pode vingar. Bons empresários ajustaram seus custos, investiram na produtividade da indústria e dos canaviais, acreditaram na boa administração. Saem-se bem. Quem acreditou na tecnologia e apertou o cinto mira a luz no fim do túnel; quem continuou perdulário e submisso ao governo, permanece na fila das lamentações.

Jamais o setor sucroenergético será o mesmo. Mas a indignação finalmente despertada entre suas lideranças o ajudará, com certeza, a direcionar um rumo virtuoso após sair do fundo do poço. Mais que da bioenergia, o Brasil precisa da garra de seus jovens empresários e administradores, da competência de seus técnicos e pesquisadores, do trabalho dedicado de seus operários agrícolas e industriais. Eu acredito: nós seremos uma grande Nação. Dependerá de manter aceso nosso idealismo. E de lutar, de peito aberto, pela nossa causa: as energias renováveis. A começar pelo etanol.