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José Goldemberg e Suani Teixeira Coelho

Professor do IEE-USP e Coordenadora do Cenbio, respectivamente

Op-AA-35

Cogeração com biomassa: desnecessária?

As causas da crise de eletricidade que enfrentamos têm sido amplamente discutidas na imprensa e parecem ser bem compreendidas: a expansão do sistema de hidroelétricas – fonte principal de eletricidade no Brasil – tem sido feita, nas últimas décadas, em usinas a “fio d’água”, isto é, sem reservatórios de água que mantenham as usinas em funcionamento, mesmo quando não chove durante longos períodos de tempo.

Atualmente, os reservatórios das hidroelétricas estão praticamente no mesmo nível de 2001 e, certamente, teríamos um racionamento, não tivessem sido instaladas usinas termoelétricas que usam gás, óleo combustível e até carvão. Sua construção foi iniciada no fim do Governo FHC, mas o governo Lula/Dilma deu andamento a elas. A energia gerada nelas é muito mais cara do que a das hidroelétricas.

Mesmo assim, o risco de racionamento não foi afastado, porque muitas das termoelétricas disponíveis já foram acionadas e, se a seca continuar, faltará energia. A razão para tal é simples: outras alternativas de geração de eletricidade disponíveis – fontes descentralizadas, em especial as termoelétricas queimando bagaço – não foram estimuladas pelo Governo, no fundo, por motivos ideológicos.

Desde a década de 80, a cada período seco na região Sudeste, os órgãos oficiais solicitavam às universidades o “milagre” para resolver o problema. Como complementar a geração hidroelétrica com seus reservatórios baixos pela falta de chuva? Reuniões nos ministérios em Brasília, solicitações para sugestões, mas pouca ação. Da parte dos órgãos governamentais, o desinteresse pela geração descentralizada, cujos benefícios ainda não eram (re)conhecidos; da parte dos investidores envolvidos, a falta de interesse por uma nova forma de energia cuja produção era considerada arriscada...

Com o Proinfa, em 2000, novas esperanças apareceram, mas de curta duração. Lei aprovada, simulações de tarifas feitas pela academia e não aceitas pelo governo, considerando que eram muito elevadas para biomassa.

O resultado foi aquele previsto: dos 1.000 MW alocados aos empreendedores de biomassa, menos de 700 MW encontraram investidores interessados. A diferença de potência disponível foi direcionada, na sua maior parte, para energia eólica, com tarifas inicialmente muito superiores às da biomassa, acarretando gastos adicionais (desnecessários) por parte da Eletrobrás. Pior ainda: da potência prevista e contratada para energia eólica, apenas parte, de fato, se materializou.

Em sequência, políticas especiais para a energia eólica foram consideradas indispensáveis, e incentivos fiscais foram, então, destinados a ela, visando à incorporação das energias renováveis na matriz energética brasileira.

Como resultado e devido ao fato de que os custos de geração caíram vertiginosamente (devido à crise econômica na União Europeia, que disponibilizou grandes estoques não utilizados de equipamentos), a energia eólica passou a ser competitiva economicamente, de forma que, hoje, corresponde à maioria da energia contratada nos leilões.

Quanto aos empreendimentos de biomassa, principalmente a geração de excedentes com resíduos de cana, apesar das vantagens ambientais e estratégicas e do enorme potencial (mais de 10.000 MW), eles continuam, na sua maioria, sem se viabilizar. Sem incentivos e tendo que competir com a energia eólica subsidiada e comercializada a preços extremamente (artificialmente?) baixos, suas perspectivas parecem reduzidas. A justificativa para tal procedimento é o de garantir essa “modicidade tarifária”, isto é, o preço mais baixo da energia produzida que, em tese, favoreceria as camadas mais pobres da população, o que é uma decisão política.

Essa é uma visão equivocada: por razões técnicas, diferentes formas de gerar eletricidade têm custos diferentes de produção e têm também fortes componentes regionais. Se a energia eólica for gerada no Piauí e consumida no Rio de Janeiro, é preciso construir as linhas de transmissão adequadas. Além disso, gerar eletricidade para ricos e pobres custa o mesmo. Um sistema mais aperfeiçoado de tarifas de energia elétrica visando atender aos mais pobres seria útil.

Mais surpreendente ainda, na presente dificuldade de reservatórios novamente com baixos níveis, o planejamento do setor acena com termoelétricas a combustíveis fósseis, até mesmo a carvão mineral, e a biomassa sequer é considerada como uma opção. A bioenergia pode e deve competir com a energia eólica e com o carvão mineral.

Se a situação atual não mudar, o Brasil passará, assim, cada vez mais, de uma matriz energética limpa, com predominância de renováveis, para uma matriz energética com maior participação de fósseis, elevando cada vez mais suas emissões de carbono.  Não fosse o álcool combustível, cuja mistura na gasolina deverá ser elevada para 25% em 2013, visando compensar o aumento de preços na gasolina, a situação seria ainda pior do ponto de vista ambiental. De fato, conseguimos ficar na contramão da sustentabilidade ambiental energética...