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Marli Luisa Juarez Y Sales e Ricardo Iantas

Diretores da Ambiotech Consultoria

Op-AA-09

Energia renovável: um novo desafio para o setor sucroalcooleiro

Há um consenso geral entre governo, empresários, cientistas e analistas de que o Brasil tem prerrogativas suficientes para assumir a liderança mundial no setor das energias renováveis, a partir da biomassa vegetal, a agroenergia. A maioria das análises técnicas e opiniões publicadas apresentam números que vão além da demonstração da viabilidade estratégica de investimentos nessa área. Apontam para um mercado expansivo, cujo destino, no longo prazo, é o de ocupar um espaço decisivo na matriz energética mundial.

No mundo globalizado - preocupado com o fim da era dos combustíveis fósseis e buscando soluções urgentes para amenizar e, quem sabe, controlar os efeitos do aquecimento global - a agroenergia já ocupa lugar de destaque no planejamento de potências mundiais tão díspares como os Estados Unidos, Alemanha e China. E a experiência brasileira iniciada com o Proálcool já não é mais vista como uma aventura, mas como a bola da vez, um modelo a ser respeitado.

Sem dúvida, nesse cenário, a condição brasileira traduz-se em enorme vantagem competitiva, não só pela experiência e tecnologia desenvolvidas ao longo de três décadas, mas também pela visibilidade internacional, propiciada por essa posição de vanguarda, em que o Brasil tende a ser visto como indutor de atitudes e tecnologias voltadas ao desenvolvimento sustentável...

No centro dessa discussão está o nosso setor sucroalcooleiro e o seu potencialde maior produtor e exportador de álcool combustível do mundo. Desde o plantio da cana até o consumo final do álcool, o setor pode gerar créditos de carbono. Produzindo combustível limpo e renovável, é possível ainda aumentar a eficiência energética de todo o processo, através da utilização do bagaço de cana como combustível e da cogeração de energia.

Com essa credencial, bastam alguns passos em direção ao futuro para o Brasil liderar o mercado de commodities ambientais, que vem sendo criado para comercializar produtos favoráveis ao desenvolvimento sustentável, a serem avaliados pela sua capacidade de gerar créditos de carbono. Passaremos a vender álcool e energia, esta gerada a partir do bagaço de cana, com alto valor ambiental agregado.

Esse é o futuro próximo. Para alcançá-lo, o setor sucroalcooleiro precisa de ajustes, visando sua habilitação ao rol dos empreendimentos ambientalmente sustentáveis. Paradoxalmente, são os entraves socioambientais internos, próprios da cultura brasileira, a principal barreira a ser superada nesse processo.

No campo empresarial, o setor ainda apresenta grande heterogeneidade entre as usinas mais modernas - social e ambientalmente responsáveis - e aquelas que praticamente reproduzem modelos de gestão mal aperfeiçoados, herdados de um passado secular. Essa situação enfraquece o poder político do empresariado, pois a sociedade ainda associa a cana-de-açúcar ao escravismo e, mais modernamente, às queimadas.

Por mais que essa seja uma versão deturpada da realidade, freqüentemente o noticiário nacional apresenta casos envolvendo fazendas de cana-de-açúcar, com o desrespeito às leis trabalhistas e ambientais, reforçando um conceito negativo da atividade no imaginário coletivo. Para mudar esse quadro, o empresariado deve buscar uma auto-regulamentação, que reduza as defasagens social, tecnológica e ambiental entre as empresas.

Ganhará, com isso, credibilidade pública e poder político para liderar uma nova política ambiental para o setor, propondo soluções para entraves que assombram tanto o pequeno, quanto o grande empresário: a morosidade do licenciamento ambiental, a ausência de um zoneamento estratégico, a reserva legal e as queimadas.

Mas, é no campo institucional que se apresentam as maiores barreiras para o salto qualitativo necessário ao setor sucroalcooleiro. Pela sua importância estratégica local e mundial, a indústria sucroalcooleira deveria ter um tratamento diferenciado nas questões pertinentes ao planejamento estratégico e ao licenciamento ambiental de suas atividades, a exemplo do que historicamente ocorre com o setor Elétrico e com a Petroquímica.

Entretanto, a realidade dos órgãos ambientais em geral - defasados em recursos humanos e materiais - configura-se num obstáculo à modernização do setor. A demora na emissão de licenças ambientais inviabiliza ou atrasa a obtenção de financiamentos necessários para a modernização das atividades produtivas. Requerimentos simples, de autorização de queima controlada para a colheita da safra, são obtidos a muito custo e, geralmente, com atrasos que comprometem os cronogramas de produção.

A expansão das áreas de plantio esbarra na inexistência de um zoneamento específico para a cultura da cana-de-açúcar e na lei que estabeleceu a reserva legal, e que ainda não admite flexibilização capaz de harmonizar a sua real necessidade ecológica com as demandas atuais, inclusive as conservacionistas. A questão ambiental virou assunto de gabinete e não há discussão produtiva com os órgãos competentes, geralmente por despreparo técnico e pela ausência de uma política setorial compatível com a relevância atual da atividade, no contexto interno e global.

A mudança dessa realidade, contrária aos interesses nacionais, só virá com a implantação de uma nova política pública para o setor sucroalcooleiro, tendo como enfoque básico o seu papel de carro-chefe das energias renováveis – e dos ganhos econômicos e socioambientais inerentes ao processo.

Aliando-se às iniciativas empresariais inovadoras, o governo federal tem o papel fundamental de promover o planejamento estratégico do setor e de formar massa crítica para gerir a quebra de paradigmas, que os novos tempos suscitam. É preciso, acima de tudo, criar uma cultura institucional, técnica e administrativa, voltada para a energia renovável, tendo em vista que esta será a melhor moeda de troca para o Brasil ocupar, com propriedade, o seu lugar no mundo globalizado.