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Jaime Finguerut e Carlos Eduardo Calmanovici

Respectivamente, Presidente do Conselho do ITC e Diretor de Tecnologia Industrial da Atvos

OpAA69

A inovação tecnológica da indústria na prática
Novas tecnologias prevalecem conforme a competitividade que emprestam aos respectivos negócios. Para entender essa dinâmica tecnológica, basta observar a vida no planeta. De acordo com o autor Kevin Kelly, vida e tecnologia “querem” a mesma coisa. Simplificadamente, as novas tecnologias querem ser mais eficientes e abrangentes.
 
A safra 2020/2021 surpreendeu a todos em vários aspectos. Em plena pandemia, num clima extremamente seco e quente, as indústrias do setor sucroenergético foram desafiadas no limite da tecnologia. E responderam à altura. Nas fermentações das 8 unidades agroindustriais da Atvos, por exemplo, leveduras selecionadas e personalizadas trabalhavam incansavelmente para produzir mais de 2 bilhões de litros de etanol biocombustível, além de etanol 70%, doados em apoio ao combate à Covid-19.  Nas moendas, camisas de alta drenagem(*Nota 1) contribuíam para maximizar a extração de caldo e para reduzir a umidade do bagaço, assegurando, juntamente com iniciativas de controle avançado da cogeração, uma exportação de energia elétrica suficiente para abastecer uma cidade como Campinas, no estado de São Paulo, por um ano inteiro. 

Na produção de açúcar, destaque para o cozedor contínuo para a massa B e o controle avançado na evaporação do caldo, com ganhos significativos nas eficiências industriais. Rapidamente, foram feitas adequações para permitir que operadores de COI (Centros de Operações Industriais) trabalhassem de forma integrada, mantendo o controle centralizado da operação industrial, respeitando os necessários protocolos de segurança e distanciamento social, a fim de preservar a saúde de todos e a continuidade operacional da indústria. 
 
A segurança de comunicação dos sistemas (cyber security) foi reforçada para suportar o crescimento das tecnologias digitais (indústria 4.0), o que permitiu o acompanhamento e atuação remota no contexto da pandemia. Terminamos a safra mais preparados para o futuro que, seguramente, trará mais desafios e oportunidades. 

Mas essa história começa 10 anos antes, com a decisão de criar um programa de Inovação & Competitividade na empresa. Do sequenciamento do DNA de uma levedura  Saccharomyces cerevisiae, feito em parceria com um laboratório da Unicamp, às patentes de tecnologia proprietária de 2ª geração (*Nota 2), a jornada tecnológica resultou num programa de fermentação de alto desempenho, reunindo as melhores práticas da fermentação industrial, de forma direta e objetiva.
 
E as oportunidades não ficaram restritas à fermentação. Unidades industriais com elevado grau de automação, com COIs centralizados que favorecem a implementação de técnicas avançadas de controle, plantas de cogeração que integram turbinas de contrapressão com outras de condensação, e caldeiras de alta pressão compõem a plataforma tecnológica de uma biorrefinaria. Essa é a inovação na prática, no detalhe, na integração das ações de médio e longo prazo, na evolução dos projetos e na melhoria contínua. O setor sucroenergético demonstra, cada vez mais, sua capacidade de integrar a inovação que busca ruptura com aquela que aposta na continuidade, avaliando oportunidades no dia a dia das operações.
 
Escolhas tecnológicas e inovação são exercícios de gestão de risco e exigem visão ampla e integrada do negócio. Por isso devemos estar sempre atentos para identificar oportunidades oferecidas pelas singularidades de cada situação. Por exemplo, a safra de cana-de-açúcar ocorre durante a estação seca no Centro-Sul brasileiro, exatamente quando é importante economizar água dos reservatórios que alimentam as hidrelétricas. Isso estimulou investimentos na cogeração de energia elétrica a partir da biomassa, contribuindo para aumentar a estabilidade do sistema e conferindo maior sustentabilidade à matriz energética brasileira. Resultou num parque de cogeração de biomassa único no mundo e que continua crescendo, associado à produção de açúcar e etanol. 
 
Nos últimos 40 anos, a crescente competitividade do bioetanol permitiu a consolidação do setor sem a necessidade de subsídios ou mandatos específicos. Vivemos, hoje, um momento de transição tecnológica acelerada e profunda. Nesse contexto, a inovação deve continuar contribuindo para o desenvolvimento do setor sucroenergético. A área agrícola deve produzir biomassa com competitividade; cabe à indústria, a tarefa de agregar valor a essa biomassa. É nessa sinergia entre as áreas que a sociedade ganha. 

Na busca por competitividade, precisamos colocar a discussão também numa perspectiva mais ampla, de inovação tecnológica com os building blocks(*Nota 3) da química do futuro. Todo o aprendizado das tecnologias de 2ª geração pode ser aplicado, por exemplo, na engenharia de materiais ou na microbiologia de precisão. Além disso, é importante que as áreas de manutenção também sejam protagonistas do processo de evolução tecnológica para assegurar a estabilidade operacional das usinas. Finalmente, há grande expectativa de inovação tecnológica também no setor automotivo, com o uso de combustíveis cada vez mais sustentáveis na visão do ciclo de vida completo, do berço à roda.
 
A nova dinâmica das startups encontra espaço privilegiado para novos desenvolvimentos no setor. Do controle avançado aos sensores virtuais, dos biocatalisadores ao controle microbiológico nas fermentações industriais que começa a dar os primeiros passos, as iniciativas se multiplicam. Com aplicações de mecânica de precisão e inteligência artificial para assegurar as rotas de manutenção preditiva, as soluções tornam-se cada vez mais integradas, rápidas e ágeis. 

Finalmente, quais serão as inovações tecnológicas que vêm por aí? A biorrefinaria da cana buscará escala com os biocombustíveis e com alimentos mais eficientes, material e energeticamente, fixando nos produtos uma proporção cada vez maior do carbono capturado na fotossíntese, além dos incríveis, mas já modestos, 20% de hoje (na forma de açúcar e etanol) com ciclos termodinâmicos mais eficientes, por exemplo, baseados no biogás.

A partir da cana e de outras biomassas, podemos fazer tudo, materiais, polímeros, fibras, tecidos, proteínas para consumo humano e animal, além de vários outros produtos e biocombustíveis, como hidrogênio verde, diesel verde, biometano, biogasolina, bioquerosene de aviação. E tudo isso simultânea e sinergicamente, com baixas emissões e aumentando os estoques de carbono, que poderão valer, num futuro próximo, mais do que os próprios produtos atuais.
 
Notas:
1. Camisa de Alta Drenagem de Caldo: projeto inovador de moenda desenvolvido para a melhoria do processo de extração de caldo da cana e/ou de secagem de bagaço.
 
2. Tecnologias de 2ª geração: conjunto de tecnologias desenvolvidas e combinadas para permitir o aproveitamento de açúcares lignocelulósicos. 

3. Conceito de building block: unidades químicas básicas utilizadas na síntese de produtos mais complexos para vários mercados e aplicações.