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Antonia Vittoria Abalsamo

Diretora da Sathya Maquinarias

Op-AA-41

“Muda”mos o mundo da cana

Quando recebi o convite para escrever este artigo, pensei: como transmitir a importância deste período de transição de forma clara, simples e que provoque um real movimento para a transformação de um paradigma? O fato é que o Brasil tem uma oportunidade única de se transformar, junto com a Índia, no maior produtor de biomassa do planeta, em um lapso muito curto.

A discussão de fundo é: o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, mas, atualmente, o que o setor está fazendo com essa realidade? O petróleo, combustível que dominou o cenário até o momento, em 30 ou 40 anos, estará esgotado. Que tipo de energia tomará seu lugar? A eólica?  A elétrica? O biocombustível?

Sendo assim, por que o combustível derivado ainda é tão caro, e os produtores se polarizam cada vez mais, entre os corajosos inovadores e os que fecham as usinas? No meio deles, estão os que se declaram em status quo, indecisos entre acreditar nas novas tecnologias, ou esperar que algum milagre político os ajude a manter as portas abertas. Assim como aconteceu na época pré-industrial, a real revolução não é usar novas tecnologias, e sim usar tecnologias já existentes em outros setores, uma vez que o velho paradigma tenha desaparecido.

Participamos dessa história como fabricante de máquinas para semear mudas e transplantá-las no campo desde o ano 1997. Já vimos esse fato acontecer em outros setores, como na olericultura, flores, hortaliças, fumo, frutas, etc., onde clima e falta de território suficiente para expandir as culturas fizeram com que os agricultores abandonassem a ideia de semear direto no campo para iniciar a produção de mudas, com sementes híbridas ou não, peletizadas ou nuas, para poder obter mais com menos, mas muito menos mesmo.

A mesma semente que, historicamente, produzia 1 kg de frutos (a exemplo do tomate), hoje produz dez vezes mais. Atualmente existem produtores que se dedicam exclusivamente a produzir em escala industrial até 15 milhões de mudas. Qual foi o motivo que fez com que eles trocassem o método de produção? Crise, crise e mais crise.

Hoje, a produção de mudas (semeio de precisão em bandejas, de sementes, meristemas ou rebolo), após os cuidados em estufas com ambiente controlado, e o transplante no campo de uma planta crescida, resistente a inclemências climáticas, com um transplante de precisão e com as distâncias adequadas, permitem ter muito mais produtividade, em muito menos espaço. Por isso o nome de culturas intensivas.

O que tem a ver esse cenário com a cana-de-açucar?  Tudo. Em minha opinião, não há escolha: ou os produtores e as usinas entram no novo paradigma, ou terão que fechar as portas. Quem do setor não participou de alguma palestra sobre a baixa produtividade e qualidade nos últimos anos? Quem não ouviu falar sobre os grandes elefantes brancos em que se transformaram certas usinas?

Estruturas cada vez maiores, pesadas, com cada vez menos produtividade, menos qualidade e mais custos. Por que necessitam plantar mais, utilizando mais terras para obter a produtividade  necessária ao sistema? Quem não participou de alguma palestra sobre climatologia ou sobre genética da planta-mãe?

Aquelas famosas 20 toneladas por hectare que se guardam para voltar a plantar, de duvidosa ou quase nula germinação, apesar de um custoso e inadequado preparo de solo, onde se cava  a uma profundidade de 150 cm, aniquilando a melhor matéria orgânica do fundo, enterrando os toletes e cobrindo, esperando que a chuva e as preces os façam voltar fortes o suficiente como para competir entre eles e subir à superfície em um número cada vez menor, pela baixa qualidade de composição orgânica do solo e pela constante compactação provocada pelos tratores, plantadoras, caminhões, cisterna de água, etc. Como ouvi de um experiente professor: “é ridículo pretender fazer ressuscitar os mortos”.

Hoje o mercado dispõe de equipamentos que trituram até 5 cm entre facas, a uma profundidade de até 40 cm, e uma largura de apenas 40 cm, com possibilidade de reduzir essa largura, para evitar mexer desnecessariamente no solo (as mudas usam de 20 a 40 cm de máxima de enraizamento e  de 15 a 20 cm de largura).

Podendo adubar, ao mesmo tempo, permite-se a drenagem adequada, preparando o habitat ideal para que a muda, ao ser transplantada, sofra o menor estresse possível, para que a raiz se desenvolva livremente, não tendo um solo compacto, duro, seco, limitando o crescimento –  pelo contrário,  um solo drenado de fácil enraizamento.

Tudo isso com transplantadoras que vertem até 250 ml no momento de transplantar a muda, eliminando o estresse hídrico e permitindo a sobrevivência, mesmo com uma forte estiagem, podendo colocar gel ou outro produto enraizador ou retentor de umidade. Nesse tipo de preparo de solo, eliminamos, no mínimo, duas passadas de trator, com menos compactação, combustível, desgaste de tratores, etc.

Lápis e papel nas mãos, e vamos às contas:

1. Redução de custo no preparo. Só com um tratorista, com uma cavadora-roturadora, acompanhada de tanques de fertilização e distribuição de calda.
2. Redução na quantidade de tonelada por hectare, utilizada na plantação, pois, no preparo de rebolo, só se usam 3 t. 

De entrada, poupamos 17 t, que voltam para a indústria. Mas alguns dirão: “e o custo de preparo da MPB?” Good news! Lembram os nossos amigos produtores de mudas de hortaliças? O processo de produção da Mudas Pré-Brotadas (MPB) se assemelha em 80% ao da produção de hortaliça. Hoje, existem miniplantas produtoras, que se pagam em 6 ou 7 meses de trabalho.

Não queremos grandes despesas no início para montar um viveiro, certo?  Então, com um mixer de terra ou substrato, uma enchedora de bandejas, um cortador de rebolo de cana e uma fita transportadora, seria um ótimo início. A quantidade de pessoas requeridas pelo sistema dependerá do nível de produção horária requerida: hoje, com 2 a 4 pessoas, podem produzir 4 milhões de mudas.

As enchedoras de bandejas têm uma produção de 500 bandejas/hora, e, se quisermos ser sofisticados, já existem transplantadoras de mudas de bandeja, a vasos ou outras bandejas. Então... já preparamos o terreno com 1 trator a 2/3 km/h, produzimos as mudas com 4 pessoas em uma média de 500 bandejas/hora. E o transplante? Como transplantamos as mudas para o campo?

Somos fabricantes de máquinas de semeadura. Em 2003, uma empresa multinacional nos procurou solicitando ajuda para semear sementes de cana. A partir daí, começamos a customizar as nossas transplantadeiras para transplante de mudas de cana. Montamos as primeiras transplantadeiras de vasos e pinças, que permitem transplantar as mudas a distância e profundidade predeterminada.

Nesses 11 anos, participamos do plantio de quase todos os tipos de mudas de cana, com todas as distâncias possíveis, a 40 cm entre mudas e 150 cm entre linhas, a 50 cm entre mudas e 145 cm entre linhas, a 90/140 cm entre linhas e 40/60 cm entre mudas nas linhas. Trabalhamos em alguns projetos que, além de plantar, sulca, coloca o adubo em pó ou líquido, evitando passadas de trator e insumos por ter controle de quantidade de produto na linha.

Uma questão das empresas que hoje lideram o mercado de vendas de mudas foi como dar o salto quantitativo e qualitativo no uso comercial do MPB.  O start up foi com 2 linhas, com o sistema de pinças que mais rapidamente se adequou às diferentes  e ainda pouco  homogêneas mudas do mercado;  a produtividade alcançada foi de 2.500 mudas por hora/por linha.

Porém, hoje, já atingimos 5.000 mudas por hora, ou seja, 40.000 mudas em 8 horas de trabalho, o que representa, considerando entre 13.440 a 14.000 mudas por hectare, chegarmos a entre 2,8 e 3 ha/dia de transplante, utilizando de 3 a 4 pessoas (1 tratorista, 2 plantadores e 1 ajudante). Podemos plantar com mais linhas para aumentar a produtividade.

Nos últimos anos trabalhamos em projetos de 3, 4  e até 8 linhas, o que representam entre 6 e 8 hectares/dia. Infelizmente o mercado não está preparado para transplantadoras totalmente automatizadas, principalmente considerando que estamos em um período de transição. A pergunta que se destaca no momento é se o sistema é realmente mais produtivo.

O resultado que temos testemunhado é: 

• uma melhor e mais econômica preparação de solo (mínimo 2 trabalhos a menos);
• uma poupança de cana-de-açúcar no plantio (17 t menos) – o uso de somente 3 a 4 t, com um sistema semi-industrial, ao nosso ver, mais limpo, seguro e barato; 
• podemos transplantar, no mínimo 3 ha/dia, com mudas pré-brotadas, com expressiva margem de segurança de muda germinada, em alguns casos, com material genético renovado e melhorado, utilizando só o pedaço de terreno útil para a muda, sem competição entre plantas, porque a distância e a profundidade são predeterminadas com o controle de produtividade dado pelas transplantadeiras, o que permitiria a traçabalidade  do produto e do material genético. Outro detalhe é que se pode programar o plantio em função do clima, porque é possível concentrar o plantio na época mais chuvosa, com uso de transplantadoras mais rápidas, leves e anticontaminantes.
• E a questão mais importante, a produção em mudas rende, conforme nossos cálaculos,  aproximadamente 30% a mais que o sistema convencional.

Temos, ainda, muito o que melhorar, mas esses são os resultados que conseguimos observar, adequando nossos equipamentos, buscando criar respostas às exigências dos produtores de mudas e agora das usinas que pretendem adotar uma escala comercial desse sistema. Como observei no início deste artigo, penso que não exista uma saída mais adequada para esta questão. A crise energética mundial é inevitável e nos forçará na busca de soluções para um aumento contínuo da produtvidade.