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Laura Tetti

Diretora da JVL Consultoria

Op-AA-09

Falta governo no licenciamento ambiental

No nosso país somos carentes de planejamento. Vivemos aos solavancos, correndo atrás dos prejuízos e dos fatos consumados – mesmo quando previsíveis e previamente anunciados. Durante décadas, as questões relativas à inflação, instabilidade da moeda e câmbio, monopolizaram as atenções do poder e das nossas elites econômicas, desabituamo-nos de pensar o futuro e de estabelecer um mínimo de metas que nos conduzam ao desenvolvimento e a uma melhor qualidade de vida.

Tanto na esfera da administração pública federal, como na estadual e na municipal, as instâncias de planejamento possuem atribuições basicamente orçamentárias, quando não de mera distribuição de verbas. E, pela lei da inércia e sem a visão orientadora de um plano de desenvolvimento, de forma casuística e ao gosto das circunstâncias do momento, os empreendimentos econômicos, as atividades produtivas, a expansão deste ou daquele ramo de produção, vão sendo aprovados e/ou rejeitados, pelas instâncias administrativas que deveriam, na verdade, atuar na ponta e a serviço das metas e dos planos de desenvolvimento estabelecidos.

Temos aí uma questão essencial que se coloca como um dos principais fatores explicativos dos problemas que envolvem, entre nós, a concessão de licenças e autorizações de funcionamento por parte dos órgãos ambientais da administração pública. Na prática, cada ação de licenciamento, cada expansão de atividade produtiva – ainda que escandalosamente conhecida quanto ao funcionamento, impactos e benefícios ambientais, transforma-se num arremedo de estudo global de planejamento e, pelo fato de ser impossível que se constitua como tal, o processo fica reduzido a um jogo de entraves, medidas protelatórias, exigências e prazos dignos de desafiar a paciência de personagens bíblicos.

No caso da expansão da atividade sucroalcooleira entre nós, esse processo é emblemático: a valorização econômica e ambiental do álcool combustível, a bem da verdade caiu no colo da nação. Nunca tivemos uma oportunidade, tão palpável, de adentrarmos pela porta da frente, no contexto do mundo desenvolvido.

Nunca nossos diferenciais positivos foram tão reconhecidos e encontraram ambiente tão favorável à sua consolidação e crescimento. Disso todos – principalmente nossos governos – falam... mas, em termos da adoção de medidas que criem um ambiente favorável para que se capitalize esse momento, mais uma vez, nada.

Ou até o contrário: parece que a luz das novas oportunidades aumentam a autonomia e o poder dos criadores de dificuldades que, sem uma orientação de um planejamento público e sem servirem às necessidades de uma política nacional e regional de desenvolvimento, definem, em nome do que teorizam como meio ambiente melhor, os seus próprios planos, esquecendo-se que um dos princípios basilares da qualidade ambiental é a qualidade de vida.

No caso da atividade sucroalcooleira e do contexto favorável que se desenha a expansão desse setor, vivemos uma situação particularmente esquizofrênica: nosso sucesso deve-se ao fato de – na verdade – estarmos produzindo boa qualidade ambiental.

São fatos conhecidos pelos especialistas ambientais de todo o mundo o caráter menos poluidor do álcool vis a vis os derivados do petróleo e, no caso brasileiro, o balanço energético bastante positivo do nosso álcool, os baixíssimos níveis de erosão e contaminação dos solos da nossa cana, os ganhos de produtividade que alcançamos com o controle biológico de pragas e com a fertirrigação, o uso austero da água e a conservação dos nossos recursos hídricos.

Tais dados são já sobejamente conhecidos por todos, inclusive pelos técnicos dos órgãos de licenciamento e administração ambiental. De longa data já são igualmente conhecidas, também, todas as etapas do processo produtivo – tanto agrícola, como industrial – de uma unidade sucroalcooleira. Mesmo as eventuais questões mais de fundo, tais como a localização geográfica e espacial da expansão prevista para atividade canavieira no Brasil – o que poderia vir a implicar em ameaçar a biodiversidade de ecossistemas a serem conservados – já estão mais do que avaliadas e conhecidas.

Os estudos acadêmicos e técnicos, que vêm mapeando a expansão da cana-de-açúcar, mostram que – até por razões de logística e sentido econômico – a cana expande-se ocupando terras já utilizadas, em geral por atividades de menor produtividade e pela pecuária extensiva, que ninguém, em sã consciência, apontaria como modelo ambiental de uso do solo agrícola...

O modo até mesmo infantilizado com que os órgãos ambientais de licencia-mento vêm abordando a questão do crescimento do agronegócio da cana (colocando-se como mocinhos defensores da ecologia, contra os bandidos que querem causar poluição), além dos malefícios mais óbvios, acaba mesmo desqualificando a seriedade e a credibilidade do próprio órgão público ambiental.

Temos já de sobra todo o conhecimento e toda a competência necessária para que a licença ambiental de funcionamento seja, de fato, atestado de correção e bom funcionamento, e não resultado de um mero conflito de filosofias sociais. Sem essa credibilidade e eficiência – da parte dos órgãos ambientais licenciadores – descredenciamos nosso produto (que, vale relembrar, tem valor por “ser” de melhor qualidade ambiental) e desqualificamos a seriedade técnica e ambiental dos nossos critérios de avaliação.

Uma situação que, em prejuízo de todos – inclusive dos nossos governos e do país – estimula a proliferação de exigências de selos verdes internacionais e de certificações estrangeiras, facilmente manipuláveis por interesses oportunistas de competidores externos. O ponto de partida para sairmos dos impasses do cenário atual começa (e em termos práticos já melhora muito) se, por exemplo no caso da expansão do setor canavieiro, o Governo simplesmente governar: enunciar claramente o interesse e as metas dessa expansão e direcionar toda sua máquina administrativa para atuar no sentido de alcançar essas mesmas metas.

Parece óbvio e simplista, mas não é... principalmente se considerarmos que os órgãos de meio ambiente são considerados de modo tão “secundário”, que os próprios governos vêem-se perplexos e confusos quando suas obras públicas de interesse prioritários são proibidas ou encontram dificuldades para obterem suas licenças ambientais...