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José Otávio Menten

Professor de Fitopatologia da Esalq-USP

Op-AA-52

O manejo das doenças da cana e a produtividade
O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, tanto em área cultivada (38%, mais de 9 milhões de hectares) como em produção (39%, mais 694 milhões de toneladas). Entretanto, diferente do que ocorre com grãos, o aumento da produção tem ocorrido muito mais devido ao incremento da área cultivada do que pelo crescimento da produtividade ou do rendimento, que vem se mantendo estável e baixo: cerca de 76,3 t/ha no Brasil e 82 t/ha na região Sudeste.

Em alguns países, como a Colômbia, a produtividade tem sido superior a 90 t/ha. O ganho em produtividade é o resultado do efeito de diversos fatores, como solo, clima, água, variedade, práticas culturais, adubação, manejo de insetos, plantas daninhas, doenças. As doenças, causadas por fungos, bactérias, vírus e nematoides são responsáveis por 13,3% de danos, considerando a média de todos os cultivos, em todo o mundo. Em regiões tropicais, esses danos, em geral, são maiores. Na cana-de-açúcar, as doenças já causaram sérios problemas no Brasil. 
 
O mosaico, doença causada por vírus, causou redução de 82% na produção de açúcar e 67% de álcool, entre 1922 e 1925. Em 1951, variedades suscetíveis ao agente causal do carvão (POJ 36 e POJ 213) mostraram incidência de 100% da doença e tiveram que ser substituídas. Em 1984/1987, ocorreu nova epidemia de carvão, causando danos de 33% na variedade NA 5679, moderadamente suscetível ao patógeno, que ocupava 50% da área em São Paulo, obrigando sua substituição. 
 
Outras epidemias ocorreram em variedades suscetíveis: amarelinho (síndrome do amarelecimento foliar) em 1985, ferrugem marrom, em 1986, e ferrugem alaranjada, em 2009. Essas doenças levaram à substituição de variedades mais sensíveis. Isso significa que materiais genéticos produtivos, adaptados, com diversas características positivas não puderam mais ser cultivados devido à suscetibilidade de doenças novas. E existem outros patógenos importantes no mundo que ainda não foram introduzidos no Brasil e que podem causar problemas semelhantes. É o caso de outra ferrugem, denominada africana ou tawny, causada por um fungo quarentenário para o Brasil, Macruropyxis fulva, que pode causar danos em variedades cultivadas no Brasil.

Existe a necessidade de darmos um salto de produtividade na cana no Brasil, com a incorporação de tecnologias inovadoras, e esforços devem ser dirigidos para aprimorarmos todos os fatores responsáveis, inclusive o manejo adequado de doenças. A cana-de-açúcar está sujeita, no mundo, a mais de 200 doenças. No Brasil, já foram relatadas mais de 60. Dentre essas, nove são consideradas de maior importância, pelo potencial de danos causados: escaldadura e raquitismo (bactérias), mosaico e amarelinho (vírus), carvão, ferrugem marrom, ferrugem alaranjada e podridão abacaxi (fungos) e galhas e lesões radiculares (nematoides). Cada 1% de incidência de carvão em uma plantação significa redução de 0,74% na produtividade.
 
Também são frequentemente relatadas doenças consideradas secundárias, mas que, sob condições favoráveis, podem ocorrer em grande quantidade e causar danos significativos. Essas doenças podem afetar as folhas (manchas amarela, ocular, parda e anelar, estria vermelha e Pokka-Boeng), colmo (podridão vermelha/antracnose, podridão de Fusarium) e raízes (Pythium).

Com as alterações do sistema de cultivo, como colheita de cana crua, permanência de palhada na superfície de solo, plantio em períodos mais frios, uso da cana picada no plantio, novas variedades, é possível que algumas dessas doenças se tornem mais importantes. É o caso da antracnose, que vem ocorrendo em algumas regiões, exigindo aplicação de medidas de controle.
 
Para o manejo das doenças da cana-de-açúcar, sempre se contou muito com a resistência genética. Por diversas razões, a utilização de variedades resistentes tem sido a principal medida de controle das doenças no Brasil. Essa medida é sempre a mais desejada, por ser fácil de ser empregada, econômica, acessível a todos os produtores e não representar risco ao ambiente e à saúde humana. 
 
Nas outras importantes espécies cultivadas no Brasil, como soja, milho, café, citros, feijão, arroz, trigo, batata, frutas e hortaliças, há necessidade da utilização de outras medidas, como fungicidas, medidas culturais, controle biológico. Trata-se do Manejo Integrado de Doenças, que vem se mostrando sustentável e eficiente. Assim, como não se dispõe de cultivares resistentes aos agentes das principais doenças nestas culturas, fungicidas são frequentemente empregados.

Também é dada muita atenção à utilização de materiais de propagação sadios e/ou adequadamente tratados, como vazio fitossanitário, época e local de cultivo. Na cana, também devemos usar outras medidas de manejo, além da resistência, com maior frequência. É difícil e demorado incorporar resistência completa e duradoura a todos os agentes causais de doenças, além das características agronômicas, responsáveis pelo potencial de produtividade e adaptação a regiões com limitações edáficas e/ou climáticas. Caso uma doença possa ser bem manejada através de medidas não genéticas, a variedade pode apresentar essa falha, desde que proporcione benefício ao produtor. 
 
Dessa forma, é importante que outras medidas de manejo, além das variedades resistentes, sejam mais valorizadas pelos produtores de cana no Brasil. A preparação de viveiros que contribuam para a disponibilização de mudas mais vigorosas e sadias é fundamental para atingirmos esse novo patamar de tecnologia na produção de cana. Inovações como MPB (Mudas Pré-Brotadas), Meiosi (Método Interrotacional Ocorrendo Simultaneamente), sementes artificiais, associados a tratamento térmico de gemas, cultura de tecido, roguing, devem reduzir os danos causados por doenças, contribuindo para o aumento da produtividade.

A utilização de culturas não hospedeiras dos principais patógenos da cana na renovação de talhões também pode contribuir muito para a redução da ocorrência de doenças e consequentes danos. Atualmente, já existem 11 diferentes fungicidas registrados para cana no Brasil, incluindo misturas duplas e triplas, para participar do manejo químico de doenças, semelhante com o que ocorre em outras culturas.

Doenças como podridão abacaxi (não existem variedades resistentes), ferrugem marrom e ferrugem alaranjada podem ser manejadas dessa forma, possibilitando o cultivo de boas variedades, mas que apresentem suscetibilidade a esses patógenos. Também estão à disposição dos produtores sete nematicidas, que podem contribuir para o manejo dos nematoides das galhas e das lesões.
 
Os produtores devem ficar atentos ao surgimento de doenças que possam causar danos significativos à cana-de-açúcar. Qualquer ocorrência deve ser comunicada às instituições públicas e privadas e a especialistas para que possa ser devidamente diagnosticada e estudada.

Esforço vem sendo alocado, por exemplo, na avaliação de fungicidas para o controle da antracnose. É importante que sejam consolidadas informações sobre as regiões em que essa doença vem ocorrendo com maior frequência e severidade, para que os experimentos possam trazer informações que contribuam para a redução dos danos.

Também estão sendo desenvolvidos experimentos para avaliar os danos causados pelas manchas foliares, normalmente consideradas secundárias. Deve-se lembrar de que o manejo de diversas doenças, em outras culturas, consideradas de final de ciclo, como na soja, trouxeram benefícios quando devidamente controladas.