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Jaime Finguerut

Pesquisador de variedades do CTC

Op-AA-12

Produção de álcool de bagaço por hidrólise enzimática

Muito se tem falado sobre o papel do álcool brasileiro para substituir parcelas significativas da gasolina do mundo. Aqui já substituímos aproximadamente 40% da gasolina e esta parcela é crescente, tendo em vista a venda significativa de novos veículos flexíveis. Temos terra, clima e, principalmente, tecnologia para estender muito a produção (dez vezes ou mais), para outras regiões do país.

Apesar de este assunto estar servindo como tema para a execução da assim chamada diplomacia do álcool, em contraponto à diplomacia do petróleo, o fato é que no mundo todo se reconhece que a tecnologia de produção de álcool de cana-de-açúcar é a melhor.  Os 30 anos do Proálcool demonstram cabalmente a sustentabilidade da produção.

O álcool brasileiro hoje é mais barato do que a gasolina (por unidade de energia), necessita de menos investimento, emprega mais gente que o petróleo, além de poder ser fabricado em muitos diferentes locais do globo, desde que haja terra agricultável e razoável distribuição de chuva. Tais condições favoráveis, no entanto, não ocorrem nos principais centros consumidores de combustíveis, como nos Estados Unidos e na União Européia, respectivamente o primeiro e o segundo maiores consumidores de combustíveis.

Em 2003, por exemplo, os EUA consumiam mais de 660 bilhões de litros de combustíveis, a União Européia 340, enquanto o Brasil consumia em torno de 60 bilhões de litros. Como o etanol parece ser a principal alternativa à gasolina nos motores de combustão interna, e como não haverá qualquer outro motor comercial (a células a combustível, por exemplo) nos próximos 15 anos, pelo menos, explica-se o grande interesse em álcool, mesmo porque os atuais motores híbridos e os a células a combustível também podem usar o etanol, talvez como a melhor opção.

No entanto, como nos países que consomem mais combustíveis, as culturas atuais (como o milho) não podem gerar biocombustíveis, para substituir quantidades significativas de gasolina e diesel, tendo em vista os impactos nos mercados associados de alimentos e também em vista da relativa baixa disponibilidade de terras nestes países, além de outros gargalos importantes (como a necessidade de uso associado de combustíveis fósseis), a única alternativa para a aumentar significativamente a produção local de etanol seria usar a fração fibrosa das plantas, hoje subutilizada nestes locais.
 
Estes países de economia mais avançada têm muito dinheiro para pesquisa e, portanto, teriam condições de desenvolver uma tecnologia que poderia ser realmente competitiva com o álcool de cana. O Brasil já usa uma boa parte da fração fibrosa da cana, o bagaço, como combustível para a própria produção de açúcar e álcool, havendo ainda excesso de energia, que pode ser exportada como energia elétrica para a rede de distribuição.
 
Neste aspecto, a produção de álcool no Brasil já poderia ser considerada como de “segunda geração” há muitos anos, pois temos usado, de forma muito mais avançada, a planta como um todo. Assim, por que necessitamos da tecnologia de hidrólise, ou seja, por que temos de fazer álcool de bagaço, já que usando apenas a fração de açúcares da cana e o bagaço como combustível, teremos competitividade suficiente para fornecer ao mundo o nosso álcool e ainda ajudar os países da América Latina, da Ásia e da África, que também têm locais de boa aptidão para cana, a fazerem álcool do “jeitinho brasileiro”?
 
A resposta é bastante simples. Primeiro porque usando a tecnologia de hidrólise, teremos a oportunidade de aumentar muito (50 a 100%) a quantidade de álcool por hectare de cana plantada, reduzindo, com isso, a quantidade de terra necessária para a nossa manutenção no mercado, mesmo atingidas extensões de canavial muito maiores do que hoje, em 5 a 10 anos, quando estarão ocupadas as melhores áreas.
 
Este período de tempo é exatamente a janela que temos para desenvolver esta tecnologia, aliás, em condições muito melhores do que as dos EUA e da Europa, pois já temos o bagaço na Usina, já temos tecnologias maduras o suficiente para nos levar a grandes economias de uso de bagaço no processamento, nosso material fibroso é muito provavelmente mais adequado para a hidrólise do que outros resíduos agrícolas e ainda podemos integrar a nova produção com a atual, tornando o processamento mais fácil e eficiente. Estas condições não existem em outros locais, porém eles pretendem realmente competir com o nosso álcool.

A questão de enzimas versus outros catalisadores, como ácido sulfúrico, responde-se, tendo em vista serem as primeiras produzidas biologicamente, tendo, portanto, o imenso potencial de melhorias significativas, que toda a agricultura ou os processos fermentativos têm mostrado, nos últimos recentes anos. Os catalisadores químicos, usados em processos inteligentes, podem até iniciar a produção de álcool a partir de bagaço, ajudando a viabilizar esta via, mas, com certeza, a sua eficiência será suplantada pela do processo com enzimas.

Se hoje as enzimas são caras e escassas, já se conseguiu desenvolver tecnologia para reduzir em 30 vezes a sua participação no custo final, e ganhos significativos ainda serão conseguidos, dando início a assim chamada Curva de Aprendizado, que ocorre, obrigatoriamente, quando se começa a produção em escala industrial. Não apenas os custos das enzimas irão ser reduzidos, mas elas serão melhor utilizadas. É bom lembrar que há 30 anos, no início do Proálcool, o álcool era 2,5 vezes mais caro do que hoje e houve ganhos significativos de escala de produção e de eficiência, simultaneamente.
 
Esta Curva de Aprendizado pode ser acelerada com incentivos e, principalmente, com a competição ou com a cooperação. De fato, os empresários de maior visão já estão investindo nesta via. É bom também repetir que muitos milhões de dólares e de euros já têm sido investidos na procura destas soluções locais (produção de álcool nos EUA e na UE), sendo, por este motivo, que muito pouco deste dinheiro de pesquisa chegou aqui no Brasil. E, também, o Brasil não prioriza investimentos nesta tecnologia.
 
Os esforços do governo brasileiro na promoção de parcerias para a produção e o uso de biocombustíveis são muito benéficos, pois podem mostrar que a produção no Brasil não é uma ameaça para a agricultura dos outros países, pelo contrário, permite estabelecer as bases técnicas para uma substituição significativa dos combustíveis fósseis, permitindo, inclusive, desenvolver mais rápida e racionalmente uma nova tecnologia, que beneficiará a todos.
 
O Brasil pode ser o melhor local do mundo para fazer este desenvolvimento e ligar de uma forma mais rápida o início da Curva de Aprendizado. No entanto, é necessário o posicionamento das agências de fomento, no apoio a este desenvolvimento. Em cada país, a disponibilidade de resíduos e a sua maior ou menor facilidade de conversão determinarão quanto etanol será produzido.

A concorrência com o álcool brasileiro será determinada também pelos preços relativos dos combustíveis do petróleo e pela existência de barreiras, subsídios ou políticas de desenvolvimento regionais, todas legitimizadas pelos órgãos internacionais de comércio. O petróleo caro beneficia todas as opções renováveis, não apenas as provenientes da cana.

O Brasil terá de investir muito nesta tecnologia, sob o risco de encontrarmos outras opções de biocombustíveis mais baratas (cujas tecnologias estarão protegidas por patentes), ou mesmo poderemos ter de usar estas tecnologias estrangeiras, o que, embora não seja nenhum desastre econômico, de fato limitaria a nossa eficiência e economicidade.