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Abram Szajman

Presidente da Fecomercio, SP

Op-AA-19

Reformas e controle de gastos são as saídas para a crise

A Fecomercio - Federação do Comércio do Estado de São Paulo, descarta como improváveis tanto um cenário otimista de solução rápida da crise internacional, como o pessimista, no qual haveria depressão econômica e quebra de grandes empresas multinacionais. Consideramos que, apesar das dificuldades, ao longo deste ano haverá indícios de que os mercados caminham para o equilíbrio e para a normalidade.

Os ajustes serão severos, porém não o bastante para causar uma quebra generalizada do setor bancário europeu e americano. Apesar das novas aquisições e fusões que certamente ocorrerão, o setor financeiro conseguirá se sanear, com base em pacotes pontuais de auxílio e por meio da constituição de fundos de crédito. Empresas de grande porte estão sendo auxiliadas por governos ao redor do mundo, o que reduzirá a perda de empregos e da confiança dos consumidores.

Neste quadro sério, porém não trágico, a Fecomercio traçou algumas estimativas para a evolução das principais variáveis macroeco-nômicas em 2009, propondo alternativas de ações governamentais para enfrentar a crise. Apesar de ter conseguido reduzir, em 2008, a dívida pública em relação ao PIB, principalmente por conta da arrecadação recorde e do crescimento do próprio PIB, o governo não foi capaz de aproveitar o bom momento para gerar reservas estratégicas, elevando o superávit primário, por exemplo, para a casa dos 6% e reduzindo as taxas de juros a patamares mais condizentes com a situação do Brasil.

Foi feito o contrário: elevou-se o gasto público e a taxa de juros, dificultando a queda da dívida e o equilíbrio de longo prazo. Espera-se que neste ano não prevaleça essa ausência de visão e de empenho, que tem sido a pior inimiga do crescimento sustentável e de longo prazo no País. O Brasil precisa de uma relação dívida/PIB menor, de um colchão maior de reservas públicas e de um equilíbrio fiscal de longo prazo, robusto o suficiente para atravessar momentos de perda de arrecadação.  

A inflação medida pelo IPCA em 2008 não ultrapassou o teto estabelecido pelas metas. A reversão do cenário cambial no final do ano passado comprometeu, principalmente, o comportamento dos preços livres, que registraram variação muito superior aos administrados. Para 2009, a variável chave para o cenário inflacionário é a evolução da taxa de câmbio.

O ponto a ser destacado é o risco inflacionário que a taxa de câmbio impõe em momentos de falta de liquidez e aversão ao risco. O impacto positivo da queda na cotação das commodities internacionais sobre a inflação foi reduzido pelo impacto negativo que impõe a desvalorização do câmbio. Espera-se uma maior aceleração dos preços administrados neste ano, devido à inércia que o índice sofre.

Mas, será a evolução dos preços livres, altamente dependentes da demanda, que determinará o desdobramento do processo inflacionário. O desaquecimento da atividade econômica deverá atenuar as pressões inflacionárias ao longo do ano, impondo novas condições com as quais o Banco Central terá que lidar, fazendo escolhas muito mais complexas do que nos últimos três anos.

Em 2008, a relação entre o crédito concedido pelo sistema financeiro nacional e o PIB superou os 40%, resultado que não decorreu apenas de novos empréstimos, mas também de trocas entre as linhas de financiamento, como a substituição do crédito pessoal pelo consignado. Como em 2009 os efeitos da crise financeira global continuarão a se refletir, em especial nos primeiros meses do ano, haverá desaceleração no ritmo de concessões de crédito, tanto para os consumidores, quanto para as empresas.

Para as pessoas físicas, os financiamentos bancários prosseguirão sendo restritivos: a liberação dependerá do grau de endividamento e do comportamento da renda, em razão do menor crescimento da massa salarial. Esta será influenciada pela menor demanda por trabalho qualificado e pela possibilidade latente do final do ciclo de queda do desemprego.

Na área empresarial, a obtenção de crédito junto ao sistema financeiro será mais onerosa e submetida a maior rigor, por causa da queda na taxa de investimentos. Relativamente ao parcelamento nas vendas, os produtos de maior valor agregado serão os mais afetados. As intervenções governamentais, por meio da redução dos patamares dos depósitos compulsórios, certamente adicionarão liquidez ao mercado interbancário.

Entretanto, os efeitos sobre as concessões de crédito não serão automáticos. As expectativas contemplam expansão dos financiamentos para as pessoas físicas e para as pessoas jurídicas, em níveis inferiores aos verificados em 2008. Os prazos dos financiamentos continuarão se retraindo. Nesse contexto, válido particularmente para o primeiro semestre, ocorrerá aumento da taxa de inadimplência, fator que as empresas e o sistema financeiro levarão em conta em seus negócios futuros.

Apesar da apreciação cambial do início do ano passado e da queda dos preços das commodities, as exportações, responsáveis pela manutenção do saldo comercial superavitário, ultrapassaram, em 2008, a marca de US$ 200 bilhões, enquanto as importações aumentaram 45%. A pauta de exportações continuou a evoluir e o leque de clientes do Brasil diversificou-se.

Isso reduziu sobremaneira o risco de concentração, como ocorre com a economia mexicana, por exemplo, que depende totalmente do desempenho da economia americana. Hoje, o Brasil é um país multilateral, de fato, no comércio internacional: conseguiu acumular reservas em patamar próximo a outros US$ 200 bilhões, apesar da venda de dólares que ocorreu a partir de outubro, para fazer frente aos exageros do mercado financeiro em seus dias de turbulência.  

Porém, em termos de transações correntes e outras contas, o ano não foi tão positivo. As contas correntes fecharam 2008 no vermelho e podem atingir déficit superior a US$ 35 bilhões em 2009. Os investimentos diretos mostraram queda no final do ano passado e as perspectivas de curto prazo não são animadoras, dada a crise de liquidez internacional.

Por conta da saída de dólares e de outras moedas, o Real passou de supervalorizado para um período de desvalorização. Em 2009, o quadro externo não oferece perspectivas animadoras. A balança comercial poderá apresentar superávit muito menor e o déficit nas transações correntes, por outro lado, aumentará. A restrição de liquidez e o encolhimento do comércio internacional e dos preços de commodities devem pressionar de forma bastante negativa a economia brasileira, constituindo o principal canal de contágio da crise mundial.

O governo conseguiu, em 2008, manter o superávit primário em patamares elevados. Mas, fez isso da pior maneira, com aumento da arrecadação e não com ajustes de eficiência e cortes de gastos. Com o consumo crescendo a taxas de 10%, a arrecadação atingiu novos patamares recordes. Ainda assim, a obtenção de um superávit primário superior aos 3,8%, inicialmente previstos, agregada à redução de juros médios, permitiram reduzir a relação dívida/PIB.

A continuidade do aumento de gastos do governo continua a ser um ponto crítico da economia nacional, pois compromete o controle da dívida pública e seu equilíbrio de longo prazo. Apesar dos avanços obtidos no ano passado, a paralisia de reformas no âmbito tributário, previdenciário, trabalhista, administrativo e burocrático afastou o Brasil da condição de candidato efetivo ao bloco dos países desenvolvidos.  

Para isso, o país precisa retomar as reformas citadas e promover outras de caráter microeconômico, que melhorem o ambiente de negócios, reduzam a burocracia e elevem fortemente o grau de segurança jurídica. Finalmente, no ano passado, o PAC - Programa de Aceleração do Crescimento, continuou a ser uma quimera, sem efeitos práticos, que ficaram mais uma vez transferidos para o ano seguinte. Espera-se que em 2009 o governo consiga, finalmente, direcionar seus gastos no sentido dos investimentos, tão importantes para consolidar a capacidade de crescimento do país.