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Olivier Genevieve

Professor na Grande École de Commerce de Paris e Presidente da ONG Sucre Ethique

Op-AA-19

A agricultura: Refúgio do capitalismo?

Neste ano, todas as nações parecem estar no meio do caminho para as orientações econômicas a respeito da globalização, após a crise econômica de 2008. Falta de crédito, expectativa de decisões políticas nacionais e internacionais, paralisia da OMC - Organização Mundial do Comércio, e tentações de protecionismo, frente ao crescimento do desemprego são as dúvidas que pouco a pouco nos permitirão escolher um cenário que todos desejamos: um futuro sustentável.  

Em 1767, o francês François Quesnay publicou um livro esquecido pelos economistas modernos de Physiocratia. O pensamento de Quesnay baseava-se na agricultura e sua teoria explica que a origem do valor era na agricultura. Onde se planta um, pode-se colher, após alguns meses, 10, 20 ou 40 vezes mais. De fato, qual o melhor investimento, caso não tivessem secas ou epidemias, senão os rendimentos agrícolas?

Em 1776, o inglês Adam Smith publicou em seu famoso livro - An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, em cima da riqueza das nações, considerado como o primeiro livro moderno de economia. O pensamento de Smith baseava-se no comércio internacional. Desde então, este livro virou a base do sistema moderno de origens dos valores, ou seja, a troca de mercadoria.

Após o fim da União Soviética, novas ferramentas ideológicas “universais” surgiram. O famoso desenvolvimento sustentável com o aquecimento do planeta promete, ao mesmo tempo, um futuro feliz e o fim da humanidade. Estes dois paradigmas permitem aos governantes fazer das mudanças necessárias de um modelo econômico uma herança da revolução industrial, em países onde as indústrias foram, em boa parte, deslocadas.

De fato, as economias “hiper-ricas”, após o fracasso financeiro do ano passado e a contaminação rápida da economia real, estarão cada vez mais à procura de um crescimento econômico endógeno, reinventando indústrias não deslocáveis e baseadas, mais uma vez, na agricultura. Após o fracasso da Rodada de Doha, o dossiê agrícola está de vez no centro das discussões para uma retomada do comércio mundial. Desde os anos 50, os serviços e as mercadorias, sobretudo de bens manufaturados, foram liberados.

Com o fim do bloco comunista e a entrada da China na OMC, no dia 11 de novembro de 2001, a globalização teve uma aceleração nunca vista na história. Desde então, a nova fronteira do comércio mundial parece ser o setor agrícola. Sabendo-se que os dois produtos mais comercializados são o petróleo e o café, podemos imaginar as perspectivas que dariam uma abertura do comércio mundial para o etanol e o açúcar.

Desde o final dos anos 90, do século passado, as exportações subsidiadas são cada vez menos toleradas pela OMC. As políticas agrícolas de blocos econômicos como os Estados Unidos e a União Européia, heranças da saída da Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que garantem uma soberania alimentar, viraram verdadeiros freios à própria globalização.

Todavia, estas políticas asseguram mercados externos via subsídios, ou seja, rendas para os agricultores e para as empresas exportadoras de produtos agrícolas. As políticas de transformação do açúcar de beterraba européia e do milho americano em etanol são uma saída, via criação de um novo mercado doméstico de energias “verdes”.

Barack Obama promete uma revolução verde, na qual Green is good. Na continuação da política de George W. Bush, Obama nomeou como secretário de agricultura, Tom Vilsack, antigo governador do Estado agrícola do Iowa, pessoa favorável aos bicombustíveis. Um dos objetivos, além de assegurar os empregos, será fortalecer as indústrias pelo mercado doméstico, deixando o exterior para países mais competitivos, dentre os quais o Brasil, Argentina ou Tailândia podem sair “vencedores”.

Todavia, o que é melhor? Um mercado doméstico cativo e remunerador ou um mercado internacional ultra competitivo e volátil? De fato, é provável que as importações de etanol para o primeiro mercado consumidor de energias sejam consideradas como variáveis de reajuste. Segundo os acordos do CBI - Caribbean Basin Initiative, assinados pelos países centro-americanos e os Estados Unidos, até 7% do consumo doméstico norte-americano pode ser importado sem impostos de importação.

Também é previsto que até 50% da matéria-prima possa ser de origem estrangeira. Empresas como a Cargill, Coimex e Crystalsev aproveitaram esta oportunidade investindo na Jamaica e em El Salvador, esperando, assim, poder exportar matéria-prima do Nordeste, transformá-la e re-exportá-la para os Estados Unidos. Será que o etanol poderia virar uma commodity negociada nas bolsas?

De fato, a Ietha - International Ethanol Trade Association, tem tido sensíveis sucessos desde outubro de 2007, harmonizando os contratos. Todavia, o etanol ainda não é produzido em muitos países com objetivo de exportação. Isso significa que o etanol será somente uma verdadeira commodity quando vários países o produzirem.

Por este motivo, o Itamaraty fez, recentemente, uma verdadeira diplomacia do etanol em países Africanos, do qual vários fazem parte da listagem do conselho econômico e social da ONU dos países menos desenvolvidos, que assinaram com a União Européia o acordo Everything But Arms - EBA. A partir deste ano, o mercado Europeu receberá importações destes países, livres de impostos de importação. A Europa privilegia também países do ACP (África, Caribe e Pacíficos, tradicionais exportadores de açúcar bruto).

A longo prazo, o etanol poderá completar o açúcar, a fim de abastecer o mercado europeu, que é o segundo maior consumidor de energia do mundo. A Europa conhece, no mercado comum, duas forças políticas antagonistas. De um lado, o campo “comércio internacional”, liderado pela Grã Bretanha e Holanda, e do outro lado o campo “agricultura”, liderado pela Alemanha e França. O provável seria uma conciliação dos dois.

A Europa precisaria do mínimo de etanol de reajuste até construir seu setor de produção. No mercado do açúcar, a Europa será cada vez mais importadora dos países menos desenvolvidos. Pelos acordos que citei, o mercado europeu, aos poucos, virou o primeiro mercado de importação de açúcar e talvez amanhã possa virar um importante importador de etanol.

A comissão européia, frente à modificação que aconteceu na organização comum do mercado do açúcar em 2003, terá vontade em criar fontes de empregos ou de, pelo menos, preservar empregos com a criação de uma produção de etanol local. Visto este panorama, o etanol, para muitos produtores, parece ser uma saída. Todavia, frente a países mais competitivos, como o Brasil hoje em dia e talvez Moçambique amanhã, o futuro do etanol made in Europe parece estar comprometido, sem uma vontade política clara, mesmo que a Europa ainda a procure.

A comissão européia, em dezembro de 2008, clarificou o uso dos agrocombustíveis, dando assim uma base legislativa para o mercado doméstico. As indústrias consumidoras representadas em outros países, como em Bruxelas, pelo Comitê Europeu das Indústrias Utilizadoras de Açúcar (Committee of Industrial Users of Sugar – CIUS), conseguiram uma queda do preço do açúcar na União Européia, mas, mesmo assim, os preços internos ainda eram bem maiores que o preço mundial. A procura da sustentabilidade poderia ajudar na queda das barreiras européias.

Em resumo, as expectativas dos dois grandes mercados de consumo atual ou potencial, tanto de etanol, quanto de açúcar, parecem ter objetivos políticos opostos: recentralizar as atividades “verdes”, criando ou assegurando empregos, e abrir o mercado para ser mais competitivo, sem empregos e, consequentemente, sem consumidor. O equilíbrio é o mais difícil, por ter forças contrárias. Isso é um dos papéis dos políticos atuais, que marcarão novas regras de mercado.

A internacionalização das agriculturas com investimentos de multinacionais nos países do sul, como no caso da África, para abastecer o mercado europeu e a América Central e do Sul para o mercado norte-americano e europeu, parece ser uma das expectativas a longo prazo. A pergunta é quando os Estados Unidos ou a Europa venderão as terras deles às pessoas que não são agricultores?

Isso pode significar, caso as legislações nacionais permitam, uma valorização das terras, que poderiam ser fonte de especulação. O risco de abastecer com a agricultura, diretamente, um novo “moloch” especulativo existe, e poderia ser feito não pela produção de alimentos ou pelo abastecimento de mercados, mas pelo próprio dinheiro em cima da crença que a terra não mente, enquanto todo o restante está perdido.

Uma das contra tendências do mercado sucroalcooleiro são as normas de sustentabilidade. De fato, existem dezenas de normas, mas três parecem ter uma real aplicação de mercado:

• A Better Sugarcane Initiative - BSI, que tem como vantagem ser iniciada por atores do mercado de empresas consumidoras de açúcar e etanol. Uma certificação BSI significa que empresas escolheram um fornecedor mais sustentável.
• A Roundtable for Sustainable Biofuels - RSB, que tem um grande apoio da Universidade Politécnica de Lausanne, na Suíça, e um grande número de atores socioeconômicos que poderiam chegar a uma referência de mercado.
• O Renewable Transport Fuels Obligation - RTFO, normativa do governo inglês, que exige das empresas distribuidoras no Reino Unido uma porcentagem de biocombustível (2,5% em 2008/2009, chegando a 5% em 2013/1014), no total de todos os combustíveis para o transporte.

Assegurar a segurança alimentar e agora energética parece ser o papel dos dirigentes, reafirmando a posição do estado à frente de capitalistas irresponsáveis, que procuram um lucro fácil e imediato. Tomara que desta vez a agricultura não seja sacrificada no altar do “moloch” de Adam Smith, mas que reenforce o entrelace entre as economias por uma verdadeira e justa riqueza entre liberdade de comércio, igualdade entre os homens e fraternidade entre os povos.