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Wladimir Pomar

Presidente da BWP Projetos, Consultoria e Participações

Op-AA-04

Álcool combustível no Brasil e na China: nossa vantagem competitiva

A experiência brasileira na produção de álcool, iniciada há 30 anos atrás, decorreu do esforço político para reduzir a dependência nacional aos derivados de petróleo, no momento em que este apresentou sua primeira grande crise mundial, em 1973. A tecnologia desenvolvida pelo Proálcool permitiu ao Brasil tornar-se não só o maior produtor mundial de etanol, como obter um alto balanço energético e um custo relativamente baixo por litro.

A produção brasileira de etanol, a partir da cana-de-açúcar, alcançou 13 milhões de m3, em 2003, apresentando um balanço energético superior a 8, e custos de produção reduzidos a quase um terço de seu valor inicial, hoje inferiores a US$ 0,21 por litro. O Proálcool permitiu, ainda, que o Brasil introduzisse inovações tecnológicas diversas, tanto nos motores de ciclo Otto, quanto nos processos da cadeia produtiva do álcool, ampliando ainda mais as possibilidades de utilização de combustíveis de fontes renováveis.

Por outro lado, o etanol ganhou importância mundial ao apresentar menor emissão de gases poluentes e ao permitir a obtenção de créditos de carbono, negociáveis nas bolsas de valores. Isso levou países da UE, EUA e China, a ingressarem na sua produção, aproveitando-se, principalmente, do milho e da beterraba. No entanto, a produção de etanol a partir do milho alcança um balanço energético de 1,2 e custos em torno de US$ 0,25 por litro, nos Estados Unidos.

O etanol da beterraba é ainda mais caro, variando de US$ 0,48 a US$ 0,60 por litro. Nessas condições, se a humanidade pretende reduzir sua poluição atmosférica através da utilização do álcool, terá que se voltar para uma produção em larga escala do etanol proveniente da cana-de-açúcar, em virtude de sua alta produtividade e de seus custos inferiores a qualquer um de seus competidores.

Se for correta a estimativa de que o Brasil ainda dispõe de 90 milhões de hectares a serem aproveitados para a produção agrícola, a produção de cana em 30% dessa área permitirá multiplicar por dez a atual produção brasileira de etanol. Isto asseguraria uma energia limpa e de baixo custo para uso próprio, uma importante commodity para ampliar o superávit da balança comercial e um poderoso instrumento de captação de créditos de carbono.

A China, por seu lado, está sendo forçada a adotar o etanol em vista do forte aumento de sua demanda de combustíveis e dos preços do petróleo, assim como de sua preocupação com a poluição atmosférica. Seus principais planos ambientais incluem apresentar Beijing, com 15 milhões de habitantes, e Shanghai, com 18 milhões de habitantes, como cidades limpas e verdes, a primeira durante as Olimpíadas de 2008, e a segunda durante a Feira Mundial de 2010.

Embora seja o terceiro maior produtor mundial de cana - atrás apenas do Brasil e da Índia, a China utiliza toda a sua safra para açúcar e álcool, com fins industriais. Seu ingresso na utilização do etanol começou, experimentalmente, nas três províncias do nordeste - Heilongjiang, Liaoning e Jilin, que foram autorizadas a empregar parte de seus estoques de milho para a fabricação de etanol e usar nos veículos, uma mistura de carburantes de petróleo, com 10% de etanol.

Em 2005, essa experimentação estenderar-se-á a 27 cidades das províncias de Anhui, Henan, Hebei e Shandong. Porém, tendo em conta o rápido aumento de sua frota de veículos, assim como o balanço energético e os custos do etanol proveniente do milho, a China será forçada a adotar uma nova decisão estratégica, se quiser estender a utilização do etanol, mesmo que seja apenas às regiões orientais do país.

Essa perspectiva abre, para as relações Brasil-China, um amplo campo de negócios em torno do etanol. O Brasil pode dar uma contribuição fundamental para que a China reoriente parte de sua produção de cana para a obtenção de etanol, inclusive, vendendo tecnologias para a elevação da produtividade da cana e para a produção de etanol, a partir dessa gramínea.

Tal atitude demonstrará uma visão estratégica. Isso porque a China produz cana apenas em suas regiões meridionais (Guangdong, Guizhou, Guanxi, Yunnan e Hainan), com uma superfície arável limitada. E, porque, por mais que eleve a produtividade de sua cana e desvie parte dela para a produção de etanol, a China jamais conseguirá suprir toda a sua demanda. Será sempre uma importadora de etanol.

Apesar disso, ou por isso mesmo, também numa visão estratégica de longo prazo, a China terá interesse em que o etanol transforme-se num carburante de baixo custo. O que só será possível se ela combinar a utilização do etanol de milho com o de cana. E, mais do que isso, se a produção do etanol proveniente da cana alcançar alta escala, com uso corrente em muitos países, transformando-se numa commodity.

Nesse contexto, a configuração de um programa sino-brasileiro de etanol ganha conteúdo estratégico, muito além de simples vendas de etanol brasileiro para a China. O Brasil tem condições de trabalhar na perspectiva de estabelecer uma parceria de longo prazo, tanto para redirecionar e consolidar seu plano de produção e utilização do etanol, quanto para influenciar o uso do etanol pela maior parte da humanidade. Todas as ações que tenham em vista esses objetivos estratégicos são fundamentais para consolidar a posição competitiva brasileira, num dos mercados mais promissores e limpos do futuro, tendo em vista o que foi estipulado no Protocolo de Kyoto.