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Pedro Robério de Melo Nogueira

Presidente do Sindaçúcar-Alagoas

Op-AA-42

É hora de renascer

Como estamos na estação da primavera, a expectativa do ressurgir, do renascer, integra essa época de restauração das flores e da fauna. Chegando à atividade econômica de produção de energia e combustível a partir da biomassa no Brasil, não estamos só esperando ou desejando, estamos necessitando de que a primavera, sempre existente, seja o palco para recuperarmos as folhas caídas, as flores despetaladas e até as árvores derrubadas dessa viçosa floresta que se configura o setor sucroenergético nacional.

É hora de renascer, ainda que tardia, pois, como afirmou Pablo Neruda: “Podes cortar todas as flores, mas não podes impedir a Primavera de aparecer”. Precisamos fazê-lo, pelo bem da racionalidade, da lógica e da nossa realidade. A perplexidade geral sobre a desestruturação em marcha da produção de etanol no Brasil nos obriga a clamar por um plano de ressurgimento imediato.

Contudo, considerando a extensão e profundidade dos problemas decorrentes desse processo, faz-se necessária uma reflexão sobre o que deve ressurgir e para onde devemos trilhar, de forma a seletivar objetiva e adequadamente as ações que se impõem para a continuidade reclamada, por ser necessária e verossímil, por tudo que já foi feito e pelo grande horizonte que se tem à frente na produção sucroenergética nacional.

No debate dos últimos anos, nas inúmeras opiniões e observações de formadores de opinião pública, de agentes públicos, de analistas, de parlamentares, nos eventos e nas conferências, e de integrantes da extensa cadeia produtiva desse segmento econômico, ficaram evidenciados os efeitos danosos do artifício na contenção inflacionária através do congelamento do preço dos combustíveis e do subsídio ao preço da gasolina com a eliminação da CIDE sobre os combustíveis.

Não foi menos destacado o significado e a importância do desenvolvimento da produção de energia e de combustível a partir da biomassa em nosso país, considerando que fomos o pioneiro no planeta nessa iniciativa, que o desenvolvemos nesses 40 anos explicitando os acertos e os erros de políticas públicas nesse trajeto, assim como o esforço empresarial comprovado na busca e no aumento de produtividade, na redução de custos por adoção de avanços tecnológicos e na melhoria das práticas na relação trabalhista.

São inquestionáveis os fundamentos e as externalidades positivas para o País decorrentes da produção de etanol e de energia da cana-de-açúcar, expressos na ocupação de 1 milhão de empregos diretos, na manutenção de uma cadeia produtiva com mais de 65 mil fornecedores independentes de canas, centenas de indústrias de pequeno, médio e grande porte fornecedoras de insumos diretos e de equipamentos, atividade presente em centenas de municípios, possibilitando um alto nível de interiorização, participação expressiva em quase 16% na matriz energética nacional, movimentação financeira em toda a cadeia ao redor de US$ 100 bilhões, redutor importante do gasto com divisas na importação de gasolina, fator de estabilização social em vários estados produtores; pela circulação de renda que proporciona e pelos milhares de empregos que absorve, garantidor de um posicionamento do Brasil na vanguarda do uso de energia renovável e de contribuição para subtração das emissões de CO2 no planeta.

De outro lado, é lamentável constatar a assimetria desse potencial do setor com o processo de desestruturação imposto ao setor como consequência da descontinuidade de políticas públicas e de ações governamentais erráticas que substituíram os estímulos e a convocação para produzir, do início dos anos 2000, por desestímulos, descrenças e desmonte forçado da atividade produtiva.

Não é crível supor que o fechamento de quase 70 unidades industriais, cerca de 61 unidades em recuperação judicial, 5 unidades em falência, uma dívida líquida setorial bem superior ao seu faturamento, perda de postos de trabalho progressiva, desativação do polo industrial de bens de capital, perda extraordinária de renda circulante nos municípios produtores de cana sejam atribuídos a questões de má gerência de algumas das empresas.

Não é desprezível considerar a significativa mobilização da sociedade civil organizada de entidades representativas do setor sucroenergético, da indústria nacional, da agricultura, dos trabalhadores e do poder público, através do Congresso Nacional, clamando atenção governamental para esse desmonte perigoso, que, não só vem desarrumando um pedaço importante da atividade econômica nacional, como vem destituindo a posição de vanguarda do Brasil na questão da produção de energia limpa e renovável.

Construímos um programa vigoroso de produção e de consumo de energia e combustíveis complementares e alternativos que precisa dar tranquilidade, estabilidade e motivação aos milhares de consumidores que continuam aguardando essa estável diretiva. É hora de restaurar confianças, estimular investimentos mediante a fixação de um mandato regulatório estável e de longo prazo, que permita aos empreendedores do setor prosseguir realizando o que já demonstraram ser capazes de fazer nesses 40 anos.

Não é preciso renascer, porque as atividades não foram interrompidas plenamente, em que pesem as mutilações expostas aos produtores, de grande profundidade. Contudo há que haver uma reordenação de ações para a continuidade renovada e sustentada. Essas ações não podem visar a aspectos empresariais localizados, pois, para estar inserido num contexto de política pública, deve ter alcance setorial amplo, ainda que estabeleça referências de eficiência e produtividade progressivas, levando em conta a profundidade do desmonte imposto de forma exógena a um grande número de empresas espalhadas em todo o País.

Torna-se impossível e injusto nivelar por baixo essas ações em relação ao estágio empresarial atual, sob pena de apequená-lo a objetivos empresariais e não setoriais, para justificar a adoção de políticas públicas e ações governamentais. Sendo assim, a retomada vigorosa e com desenvolvimento progressivo e sem volatilidade deve, de início, abranger o seguinte:

 

  • Há que se considerar que o etanol hidratado produzido de forma privada não pode, na conjuntura empresarial atual, suportar dependência a congelamentos de preços públicos de combustíveis, enquanto não se retome o programa empresarial de aumento de produtividade e a implantação de melhorias de eficiência nos motores flex, que atualmente consomem etanol hidratado.
  • Retomar o mecanismo fiscal-tributário que estabeleça, de forma estável e permanente, a competividade econômico-energética do etanol hidratado frente à gasolina, significando uma sinalização sobre a permanência desse combustível em nossa matriz energética.
  • Coordenar a União para harmonização das alíquotas do ICMS incidentes sobre o etanol hidratado, equalizando-as, entre os diversos estados produtores, no menor nível que assegure competitividade plena com o preço final da gasolina.
  • Readequar imediatamente o endividamento das empresas com o seu fluxo de caixa atual, uma vez que as dívidas das empresas cresceram de forma alarmante, decorrentes do congelamento de preços do etanol hidratado e da assimetria desse preço com os custos operacionais que mantiveram a sua curva ascendente nos principais fatores de produção. Essa readequação proporcionará um espaço importante para novos endividamentos destinados a investimentos em ampliação, modernização e racionalização de processos produtivos agrícolas e industriais, que foram impactados nesses seis anos de crise.
  • Acelerar as definições do marco regulatório que define os incentivos fiscais no programa Inovar-Auto, com vistas a melhorar a eficiência dos motores flex movidos a etanol hidratado e a melhorar a sua competição com o uso da gasolina.
  • Estabelecer para as usinas tradicionais um sistema de contratação de energia elétrica, a partir de leilões diferenciados por fonte e regiões produtoras, situação em que ficarão evidenciadas as externalidades positivas dessa geração de energia, no que diz respeito a questões ambientais e de distribuição.

Por fim, para retomarmos a dinâmica já conhecida e comprovada no passado do setor sucroenergético, não podemos deixar de ter esperança para sermos motivados. E, voltando ao conceito da primavera de ressurgir, repito a afirmação de Cecília Meireles: "A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la".