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Pedro Robério de Melo Nogueira

Presidente do Sindaçúcar-Alagoas

Op-AA-50

A estrutura de um pacto
Pensar numa estruturação para o setor sucroenergético nacional num cenário estável e por um longo prazo requer, obrigatoriamente, aprofundar-se na reflexão sobre o momento recente desse segmento econômico e em quais premissas devem ser fundamentadas as ações.
 
Uma das reflexões de partida requer revisitar as dimensões econômicas e sociais da atividade com o olhar contemporâneo da contribuição que pode ser extraída para o meio ambiente e para a redução do aquecimento global.

Desse modo, refletindo-se o alcance econômico e social do setor, ratifica-se, de pronto, que a sua dimensão continua a apresentar contornos relevantes no que se refere à geração global de renda e sua capilarização em vários estados e células municipais do nosso país, contribuição marcante na geração de divisas, economia de divisas na importação de derivados de petróleo, por sinal muito expressiva quanto referenciada ao agronegócio, sendo, ainda, locomotiva de uma das mais densas cadeias produtivas do nosso mapa da produção nacional, composta por milhares de pequenas empresas metalúrgicas, de prestação de serviço de várias naturezas.

É imprescindível registrar, pela relevância, o grande contingente de postos de trabalho diretos, na casa de 1 milhão, que, integrado aos empregos indiretos nessa cadeia produtiva, assume cerca de 3 milhões de empregos e se constitui setor produtivo que mais emprega formalmente no País, qualificado, ainda, pela sua distribuição locacional no interior do País, fator que o promove como vetor de grande importância social, inclusive pelos seus 70 mil produtores independentes de canas.

Com essa demonstração, se justifica debruçar-se com o objetivo de uma necessária estruturação para o setor sucroenergético, como “setor de atividade econômica” e não como empresas isoladas, que talvez pudessem se orientar apenas pelas leis de mercado no curto prazo. Não é trivial um setor produtivo de ponta como o sucroenegético ter quase 1/3 de suas empresas paralisadas em pouco mais de meia década. Cabe a gestores públicos, empresários, produtores e trabalhadores e a sociedade refletirem sobre as diversos aspectos desse desmonte. Não cabe assistirem a tudo isso apenas com resignação.
 
Para não restringir  essa reflexão apenas pelo retrovisor, devemos voltar o olhar para frente e para o futuro, passando pelos clamores contemporâneos que podem ser oferecidos por esse setor, além da imprescindível renda e emprego oferecidas e que estão sendo, aceleradamente, subtraídas. Com esse foco de futuro, não podemos deixar de considerar a contribuição que a atividade sucroenegética pode oferecer para o ajuste climático do planeta, no momento, representado pelo Acordo de Paris, como sequência da COP 21, e quantificado nas metas assumidas pelo governo brasileiro no mencionado Acordo.
 
Portanto, refletindo-se nesse contexto, nada pode diminuir a importância, a relevância e a urgência de que seja estabelecido um vigoroso programa de estruturação para esse setor, ancorado em premissas e em números realistas e numa cadência evolutiva racional, posto que devemos nos debruçar sobre o que pode ser recuperado do recente desmonte setorial, originado de forma predominante de fora para dentro da porteira. Nessa abrangência de análise, fica muito evidente a necessidade de que seja estabelecido um ambiente onde todos os agentes públicos e privados envolvidos possam estruturar o caminho de desenvolvimento para o setor sucroenegético nas suas vertentes de produção de alimento, combustível renovável e energia. 
 
Dada a grandeza e a urgência da questão, essa oportunidade não pode passar desapercebida, tampouco transferida para outra ocasião, pois o momento é de reconstrução nacional no aspecto mais amplo. Para a discussão e o estabelecimento de bases estruturantes para o estável e progressivo desenvolvimento do setor sucroenegético, torna-se imperativo que sejam enfrentados e abordados todos os ângulos dessa questão, visando à remoção de preconceitos, desconhecimentos e desatualizações e introduzidas as verdades atuais, expectativas concretas, paradigma adequado à realidade e à consciência da necessidade inadiável de fazer.

Há que se percorrerem questões sem subjetividades, sem o que as conclusões serão falsas ou incompletas. Os números estão dados. As soluções e encaminhamentos terão de ser ações de Estado e não carta de intenções e discurso agradável aos ouvidos dos agentes privados envolvidos, pois, provavelmente, as soluções extrapolarão o tempo de um governo. Não haverá avanços se não forem tratadas e esclarecidas as seguintes questões:

• Fixação do conceito de ”sustentabilidade” do setor como decorrência natural da produção de combustível renovável e limpo em larga escala e de energia igualmente renovável, fatores que manterão ou farão crescer a nossa matriz energética limpa e renovável em níveis acima dos atuais 17%, bem acima da média mundial;

• Preenchimento dos espaços de produção, em base sustentada, que possibilite a predominância, no médio e no longo prazo, da utilização de etanol em nossa frota de veículos;

• Valoração das externalidades positivas do uso do etanol e da energia elétrica da biomassa canavieira, abrindo espaço natural para a adoção de tributação ambiental sobre combustíveis fósseis, bem como estabelecimento da valoração adequada para a energia elétrica cogerada por esse sistema produtivo;

• Enfrentamento da falácia sobre baixa produtividade na produção de etanol, demonstrando o potencial para a retomada desse processo, como consequência do restabelecimento de margens de preço e de estabilização da competitividade com o combustível fóssil. Quem já assegurou em décadas passadas crescimentos de produtividade de mais de 5% ao ano, não observada em nenhuma outra atividade agroindustrial, possui condições de retomá-las, sobretudo, atualmente, com a adoção de novas variedades genéticas de cana-de-açúcar, intensificação da fertirrigação, principalmente no Nordeste, consolidação dos processos de mecanização agrícola e otimização nos processos industriais com novas tecnologias disponíveis, inclusive um melhor direcionamento tecnológico dos projetos de etanol 2G;

• Desenvolvimento tecnológico dos veículos flex com vistas a melhorar o rendimento do consumo de etanol por km rodado;

• Inserir como programa tecnológico a utilização do etanol como forma de obtenção de hidrogênio nos futuros veículos elétricos a partir de células de combustíveis;

• Assegurar as condições regulatórias para que o setor possa ser um protagonista efetivo para o cumprimento das metas de melhoria de nossa matriz energética renovável, quer seja no ideal aumento da oferta de etanol para 50 bilhões de litros em 2030 e no aumento para 23% na oferta de energia elétrica renovável no mesmo período, para atingimento dos compromissos depositados pelo Brasil na ONU como parte do Acordo de Paris, consequência da COP 21.

É fundamental ter em vista que essa necessária estruturação para o médio e o longo prazo vem sendo requeridas de há muito e, pela sua natureza, exigem uma cadência de implantação realista, mas que, na largada, possam indicar aos empresários e investidores esse novo rumo e, com isso, estancar esse processo penoso e irracional de destruição de um setor com a magnitude e importância estratégica conhecida e demonstrada e exposta por vários agentes econômicos e formadores de opinião. 
 
O debate amplo e aberto sobre a necessária adoção de estratégias, políticas públicas e medidas de longo prazo aplicáveis à estabilidade e ao desenvolvimento do setor de forma sustentável e abrangente a todos, desde a cadeia produtiva até a sociedade como um todo, sempre foi uma tônica permanente, quer seja na disposição de diálogo com o poder público, com a comunidade científica, com os agentes transversais envolvidos e com o Parlamento. Mas há de haver uma determinação para se ancorar no encaminhamento dessa estruturação setorial que se apresenta como muito importante, haja vista as perdas sociais, econômicas e ambientais que já se acumulam em toda a cadeia produtiva nesses últimos anos.
 
Não assiste razoabilidade em, passivamente, relegar as externalidades positivas do sucroenegético, em não implementar ações estruturantes de longo prazo, ações de Estado que possibilitem ao longo de tempo determinado, fixar-se o etanol como combustível renovável e a energia elétrica da biomassa da cana-de-açúcar como integrantes da política de sustentabilidade do Brasil e não alternativamente de governos da ocasião.
 
Que se fixem metas ascendentes de produtividade e competitividade possíveis, que se evite a volatilidade da oferta e da demanda, ajustando-a progressivamente à expansão do mercado projetada em bases consistentes. 
 
As metas da COP 21, por serem uma atitude de Estado no Acordo de Paris, podem ser o referencial dessa discussão. Evitemos perder mais postos de trabalho adicionais aos mais de 80 mil já subtraídos; transformemos o nosso país em produtor de combustíveis limpos e não importador de combustíveis fósseis; usemos a distribuição natural de renda e a fixação da grande população, cerca de 75 mil atuais pequenos e médios produtores de cana; estimulemos  e não reduzamos a expressiva circulação de renda em milhares de municípios hospedeiros da produção de cana-de-açúcar; mostremos ao mundo o nosso vigor na contribuição para a redução de gases do efeito estufa e pronunciemos com clareza e determinação o nosso compromisso e a nossa cumplicidade privada e governamental com esse programa, sem mais proselitismo fácil e de ocasião e sem abdicar das ações estruturantes necessárias compromissadas por todos os envolvidos.
 
Existe disponível inteligência, racionalidade, comprometimento, motivação, abertura para o debate. Abramos espaço para a ação consequente para deixarmos o legado de uma estruturação definitiva e não experimental para o setor sucroenergético nacional.