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Paulo Francisco de Siqueira Costa

Secretário Executivo da IETHA - International Ethanol Trade Association

Op-AA-14

A estrutura que precede uma commodity

A International Ethanol Trade Association, IETHA, é uma associação técnica, que busca desenvolver os instrumentos necessários para transformar o álcool combustível em uma commodity internacional, que possa ser negociada com segurança, utilizando todos os meios de proteção de preços.

Buscamos estabelecer critérios claros para o apoio do comércio internacional do etanol, elaborando contratos-padrão, para negócios FOB e para transporte marítimo, padronizando especificações de qualidade para o etanol combustível e industrial, criando um certificado confiável de sustentabilidade e construindo a estrutura para o desenvolvimento do mercado sólido de futuros e opções.

Temos, dentro da associação, cinco grupos de trabalho e cada um deles com uma atividade específica. Alguns já estão com a tarefa praticamente concluída, outros em andamento e outros grupos, ainda em formação. No momento em que o trabalho dos cinco grupos estiver concluído, poderemos dizer, enfim, que teremos a base para a administração do etanol como uma commodity internacional.

O primeiro passo é a construção de um contrato padrão FOB, não só para o Brasil, mas que possa ser aplicado em qualquer parte do mundo, para, por exemplo, embarcar álcool industrial das Ilhas Maurício para a Europa, álcool combustível do Brasil para o Japão, ou da China para o Caribe. Este grupo de trabalho foi liderado pelo Dr. Plínio Nastari, e o assunto já está em fase de aprovação final.

Com relação às especificações de qualidade, outro grupo da Ietha, coordenado pelo Dr. José Felix da Silva, tem elaborado trabalhos, que estão sendo usados em escala internacional, para um grande projeto envolvendo Governos.

O que estamos fazendo é extremamente simples, pegando o que já está em uso, organizando e padronizando, de uma forma que possa ser utilizado como base, para construirmos esta pirâmide, e conseguirmos, assim, chegar à commodity. Também estamos trabalhando com o Inmetro, na criação de um certificado de sustentabilidade, em uma atitude proativa, visando criar um selo para as exportações do etanol. A ação foca, inicialmente, o Brasil, para depois aplicarmos em outros países, onde haja essa necessidade. Demos início a esta certificação no Brasil, por sermos hoje o maior exportador.

O certificado assegurará ao mercado que o etanol é produzido sob boas práticas de produção, de que não há trabalho escravo, que a queimada é limitada, que não há desmatamento, etc. O Inmetro criará as normas para que possamos ser certificados, e então trabalharmos com os exportadores para, assim, cumprirem as normas editadas. A área mais difícil de ser tratada é o Mercado de Futuros e Opções. Não temos ainda um grupo de trabalho neste assunto.

Chegamos à conclusão de que ainda não há um volume suficiente no mercado para dar liquidez para isso. Nova York já tentou montar na bolsa um contrato internacional, e não conseguiu. Em Chicago, há um contrato local de etanol, que tem uma certa liquidez, a BM&F fez um contrato brilhante no Brasil, para etanol brasileiro e ainda não conseguiu decolar. Isso tudo, porque ainda há uma série de restrições.


Montamos, neste caso, um grupo de estudo, e temos acompanhado o que se passa para, no momento adequado, sugerir a criação de um mercado internacional. Existem vários locais como candidatos: Londres, Nova York, Singapura e, mesmo em São Paulo, mas ainda não é o momento, segundo a leitura dos nossos associados.

Com relação ao crescimento ideal do setor e o tamanho do Mercado Mundial, quero convidá-los a refletir sobre algumas coisas que estão acontecendo em nosso dia-a-dia e que, às vezes, passam despercebidas. Alicerçarei a exposição em 3 gráficos, para podermos fazer comparações sobre exportações e importações de etanol. O gráfico Maiores Exportadores de Etanol destaca, no ano de 2006, o Brasil com 3,5 milhões de m³, a China com 1,0 milhão de m³, seguidos de França, África do Sul e Estados Unidos.

Pode parecer estranho, mas os EUA estão exportando etanol industrial, principalmente para o Japão. Assim como o Brasil, eles têm produtores capacitados e especializados em produzir etanol para bebidas, álcool farmacêutico e álcool neutro.

Todos esses países apresentados no gráfico não produzem somente etanol combustível. O tamanho atual deste mercado é de 5,5 milhões de m³. O gráfico Maiores Importadores de Etanol quantifica e detalha o movimento de importação, ocorrido no ano de 2006. O impacto político que houve, a partir das manifestações do presidente Bush, gerou nos Estados Unidos, no ano passado, uma demanda de 2,7 milhões de m3 de etanol, supridos, basicamente, com álcool brasileiro e chinês, exportados pelo Caribe e América Central, através do CBI - Caribbean Basin Initiative.

Em seguida, vem o Japão, que importa basicamente álcool industrial. O álcool combustível envolvido é pouquíssimo ou quase nada, um pequeno volume para fins experimentais. Já começa a ser surpreendente a participação de países da Europa, como Alemanha, Holanda, Reino Unido e Suécia. Alguns destes países iniciaram com ações isoladas, como o caso da Prefeitura de Estocolmo, que importou álcool para a mistura a ser aplicada nos ônibus, cuja ação participei pessoalmente, através da Cooperçúcar, em uma situação considerada inédita e que acabou crescendo e evoluindo, tornando-se representativa.

Na tabela Exportações Brasileiras de Etanol, pode ser avaliada a história recente desta operação. Analisando o volume exportado entre 1989 e 2003, podemos verificar que nossas exportações anuais não passavam de 750 mil m³, envolvendo uma série de produtos, como álcool industrial, álcool para bebida, álcool farmacêutico, entre outras aplicações, mas nada de álcool combustível.


Esta é uma opção recente, de cerca de três anos atrás. Toda essa euforia desmedida que estamos vivendo é uma situação que se iniciou agora, a partir de 2004, como vemos na tabela. Em 2004, foram exportados 2,3 milhões de m³, em 2005, 2,6 milhões de m³, e em 2006, 3,4 milhões de m³. Quero destacar como é jovem o assunto.

Quando eu estava revisando a versão finalizada do contrato FOB, elaborado pelo grupo do Dr. Plinio Nastari, para fazer um paralelo e ter como parâmetro de comparação, procurei um contrato internacional para produtos de ração, soja, farelo e óleo, conhecido como GAFTA – The Grain & Feed Trade Association, que é um dos contratos mais reconhecidos no mundo. Ao examinar o site da GAFTA, vi que ela foi instituída em 1878, ou seja, estamos falando de produtos, contratos e estrutura com mais de um século. Estamos começando no mundo do etanol, que é um admirável mundo novo, para todos que estão envolvidos. Todos os agentes participantes desta febre têm que ter consciência que os passos devem ser dados um pouco mais lentos, para dar tempo das estruturas serem montadas.

Vamos pegar os principais itens da pauta de exportação brasileira da agricultura ou da agroindústria, como soja, farelo de soja, óleo de soja, suco de laranja, milho e açúcar. O que acontece com esses produtos? O Brasil exporta o residual. Então, se o Brasil produzir 20 ou 30 milhões de toneladas de açúcar, e o consumo do mercado doméstico for de 10 milhões de toneladas?

 

Terá um crescimento vegetativo e olhe lá, se tiver. Então, o que passar de 10 milhões, terá que ser exportado, não tem onde guardar e tem que sair. A mesma coisa acontece com soja, com farelo, com óleo e aí por diante. No caso do etanol, o grande dilema que vivemos, todos nós que estamos participando desse mercado, industriais, comerciantes, traders, é: o etanol tem um mercado interno.

Hoje, a frota de veículos flexíveis no Brasil já é suficiente para absorver 100% da produção brasileira de etanol. Isso aí é uma questão só de preço. Estive recentemente no Rio Grande do Sul e encontrei o álcool a R$ 1,90 o litro. É claro, ninguém estava usando álcool lá. Mas, coloque o etanol a R$ 1,40 o litro e todo mundo usará.


Toda a frota de flex vai optar por esta escolha. Lá e no resto do Brasil. Essa é uma questão que temos que refletir. A questão da garantia de volumes é um dilema, e é o ponto que mais sufoca e limita o raciocínio do nosso exportador, o produtor. Outra reflexão é sobre o crescimento do mercado interno, a alteração geográfica das áreas de produção, em relação às exportações.

Estamos vendo a produção movendo-se em direção ao Centro-Oeste, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, de forma que o mercado interno tem mais condições de ser abastecido do que a exportação. O problema crucial que temos no mercado de etanol para exportação é a infra-estrutura. Quando eu falo desse problema como o grande limitador da expansão do mercado internacional, não estou falando dos buracos da estrada do Mato Grosso, mas sim, de um problema global de infra-estrutura, para a expansão muito rápida desse mercado, que tem início na armazenagem.

O ano passado, gerenciei uma unidade de desidratação de álcool em El Salvador. Por várias vezes, ficamos com o navio parado em Nova York, pagando diárias, porque não tinha espaço de tancagem para descarregar os navios, esperando os tanques esvaziarem, porque não havia trem, nem caminhão para tirar o etanol.

Então, o problema de infra-estrutura é geral, o problema de transporte marítimo é enorme, além do que, o álcool é facilmente contaminável. Não há número de navios suficientes para transportar todo esse volume que se pretende produzir.

Enquanto não tivermos, no Brasil, um transporte por dutos, não conseguiremos dar um grande salto no volume de exportação. Temos problemas no transporte interno, na armazenagem dos portos, no berço de atracação e esses não são problemas que se resolvem da noite para o dia. Isso leva anos para ser resolvido. Os problemas começam desde a aprovação de licenças ambientais, até a construção de píeres, negociação com portos, etc. Os três grandes destinos para o etanol brasileiro são Estados Unidos, União Européia e Japão. Os Estados Unidos, na minha opinião, continuarão sendo um importador de etanol, porém priorizando o produto do Caribe e da América Central.

Alguns países da União Européia, como Alemanha, Holanda, Suécia, Países Escandinavos, quebrarão as regras e as barreiras não-tarifárias que a União Européia impõe e continuarão levando o que precisam, para atingir seus objetivos próprios. O último grande mercado do futuro é o Japão. Em novembro de 2001, eu estive lá e eles - Honda, Toyota, Nissan, Mitsui, Mitsubishi, os grandes traders e o governo japonês, diziam: “Dê-nos uma garantia de três milhões de m³ por ano, em um contrato de 20 anos e amanhã nós baixamos uma legislação mandatória para trazer esse etanol para cá”. Estamos em condições de fazer isso? O mundo está em condições de fazer isso? De imediato, acredito que ainda não.