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Paulo César Fernandes da Cunha

Diretor Presidente da NC Energia

Op-AA-10

A face contemporânea da bioeletricidade

As abruptas transformações pelas quais a humanidade periodicamente foi submetida, quase sempre, estiveram associadas a importantes transições nos padrões energéticos vigentes. Quer no deslocamento ou substituição das fontes, quer pelas revoluções experimentadas nos seus usos finais. Foi assim, ainda na pré-história, com a descoberta do fogo.

Depois, com a utilização da tração animal e a força dos ventos, para impelir os deslocamentos. Em seguida, o carvão e a máquina a vapor propiciaram a primeira revolução industrial. A energia elétrica transformou o mundo moderno, tornando-o mais próximo do que hoje conhecemos. Posteriormente, com o petróleo e o gás natural, a indústria da energia ganhou a escala e a importância geopolítica atuais.

No presente, anuncia-se o que poderá ser a próxima onda. Ela atende por bioenergia e se posiciona no estado-da-arte da tecnologia. Diferentemente da utilização energética da biomassa nativa, que desafortunadamente exauriu as florestas ao redor do mundo, a moderna indústria da bioenergia desenvolve-se calçada em maciços esforços de pesquisa. Também se caracteriza pela busca da sustentabilidade ecológica dos processos.

Assim, tendo em vista os indispensáveis cuidados com a segurança alimentar e contando com a vantagem de uma favorável performance quanto ao balanço de carbono na atmosfera, a agroindústria pode ocupar a vanguarda na produção de energéticos. Tanto nos combustíveis líquidos para os modais de transporte, quanto na geração de energia elétrica, a partir dos resíduos da biomassa.

Essa última, a bioeletricidade, vem ratificando a sua vocação para contribuir na expansão da oferta distribuída de energia. Ultrapassando o estágio de atividade incipiente ou marginal, passou a ocupar seu lugar entre as alternativas efetivamente consideradas para referida expansão. A indústria sucroalcooleira desponta como uma das mais competitivas na utilização de seus resíduos para a geração de energia elétrica.

Isso não configura nenhuma novidade, sendo antes a confirmação de um potencial há muito alegado pelo setor. O que ora se verifica é que nunca as condições para o desenvolvimento da energia oriunda da biomassa, bem como sua efetiva agregação à matriz energética, estiveram tão presentes no mundo e particularmente no Brasil. O avanço das áreas plantadas é notável.

O desenvolvimento tecnológico na extração de açúcar e álcool, bem como a elevação das pressões do vapor nos processos, viabilizaram ganhos de produtividade, capazes de proporcionar excedentes de cogeração em escalas inusitadas. A questão da sazonalidade na geração de energia vem sendo enfrentada pelo aprimoramento no manejo e acondicionamento do bagaço.

Conquistou-se o alongamento progressivo dos períodos de produção de energia elétrica, que passaram a transcender as próprias safras. Em paralelo, vêm se diversificando as alternativas para a apropriação econômica da bioeletricidade. Programas de incentivo como o Proinfra, criados por decisão governamental, com vistas ao fomento, convivem e passam a concorrer com opções de mercado, igualmente capazes de alavancar a expansão desse segmento.

A participação nos leilões de energia promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica, ANEEL, demonstra, particularmente para novos empreendimentos, a competitividade da bioeletricidade, que tem sido favorecida pelas vantagens comparativas, com relação aos custos operacionais. A possibilidade de comercialização com consumidores livres incentivados já é uma realidade, em que pese o retardo na conclusão do Regulamento respectivo.

Essa alternativa, assim como a venda a outros geradores, torna-se sobremaneira facilitada, se produtores de bioeletricidade puderem participar de portifólios de contratos, tais como os proporcionados pelas comercializadoras. A venda de bioeletricidade às distribuidoras de energia elétrica está prevista na legislação, bastando, para tanto, que essas promovam chamadas públicas para a aquisição de geração distribuída nas condições regulamentadas. Além do mencionado, permanece oportuno o auto-atendimento, com o qual os grupos detentores de bioeletricidade podem se satisfazer.

Tendo em vista a cesta de oportunidades à disposição de um produtor de bioeletricidade, tanto para a alocação de excedentes disponíveis, quanto para o financiamento de novos aproveitamentos, impõe-se manejá-la adequadamente, de modo a maximizar a extração de valor desses portifólios. Para tanto, importa o cada vez mais necessário conhecimento especializado da indústria da energia.

Solucionar esse problema de otimização é exatamente o campo de atuação das empresas comercializadoras. Elas detêm o conhecimento, o ferramental e a experiência, necessários ao gerenciamento dos riscos e à alocação ótima da bioeletricidade. Quando, quanto e por quanto alocar a bioeletricidade em cada nicho: essas são as perguntas a serem respondidas.

As comercializadoras intermediam as transações com consumidores finais e estruturam operações capazes de viabilizar a bancabilidade de projetos. Promovem e participam de leilões, nos quais se torna possível acessar tanto o livre mercado de energia, quanto os mercados regulados: ACL e ACR, no jargão do setor elétrico.

Ainda há muito que avançar para que a bioeletricidade possa prestar a sua indispensável colaboração para o atendimento energético da sociedade. Sempre baseada em fundamentos de economicidade e sustentabilidade socioambientais. A própria Regulamentação da indústria da energia necessita superar alguns preconceitos atávicos e sinalizar mais fortemente para a consolidação dessa importante modalidade de energia. A largada, porém, já foi dada e o caminho da bioeletricidade é inexorável.