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Raul Gabriel Beer

Consultor Independente e Conselheiro em Administração de Empresas

Op-AA-20

Mais fusões e aquisições no setor sucroalcooleiro?

Comprar 100% ou mesmo uma participação minoritária em uma usina de açúcar e álcool, no início de 2008, era muito difícil. Os preços esperados pelos acionistas dessas empresas eram afetados por expectativas criadas pelas diversas aquisições que ocorreram, principalmente, a partir de 2006, como vemos no quadro em destaque. Também foram afetados pelas cotações praticadas em bolsa, muitas vezes irreais.

Tão irreais que, por vezes, um investidor minoritário, talvez um professor aposentado de uma escola primária de algum país da América do Norte, representado pelo seu fundo de pensão, era capaz de pagar mais pelas ações de uma empresa brasileira, do que um investidor estratégico. Este investidor estratégico, que começou pagando preços baixos pelas empresas, mas que chegou a dobrá-los, pagando R$ 200 ou US$ 110 por tonelada de cana moída, em 2007/08, conhece bem o setor e, muitas vezes, tem sinergias que lhe permitem reduzir os custos ou aumentar o crescimento potencial da empresa a ser adquirida.

Apesar disso, e diferentemente do nosso professor primário, com frequência, esse investidor achava que preços ainda mais altos não se justificariam, em função do retorno que seria razoável esperar no longo prazo. Isto aconteceu, mas não foi exclusividade do setor de açúcar e álcool, nem da agroindústria brasileira. Outros setores e outros países viveram situações semelhantes, causadas por um excesso de liquidez global e por um otimismo baseado em crenças pouco defensáveis do ponto de vista econômico.


Essas crenças projetavam que o crescimento recente poderia ser perpetuado, com as consequências correspondentes na disponibilidade e nos preços das commodities. Isto levou a preços de ações elevadíssimos, indicativos de múltiplos de receita ou de Ebitda (aproximação da geração de caixa da empresa) excessivamente elevados, ou a indicadores também muito elevados para outros setores, como níveis sem precedentes de R$ por aluno na educação, R$ por usuário na telefonia ou internet, R$ por tonelada na siderurgia e mineração, múltiplos de VGV na incorporação imobiliária e assim por diante. Como resultado disso, muitas empresas do setor sucroalcooleiro embarcaram em projetos greenfield, ou seja, em vez de comprar operações existentes, que se beneficiariam por serem consolidadas num negócio de maior escala, melhor tecnologia e logística, acabaram desenvolvendo projetos novos.

Projetos de longa maturação, que os obrigaram a compromenter-se a comprar plantas a preços também inflacionados e com prazos de entrega fortemente dilatados - em função da forte demanda; terra e insumos, também a preços altos, que refletiam a forte demanda não só para plantação de cana, como também de outras commodities.

E, principalmente, se endividando no curto, médio e longo prazos, para financiar esses investimentos, com uma expectativa de que o fluxo de caixa da operação fosse suficiente para pagar os juros e o principal acordados. A mesma expectativa aplicada ao utilizar recursos do capital de giro das companhias ou ao captar empréstimos “ponte” para iniciar os investimentos rapidamente.

A ideia era devolver os recursos ao capital de giro da empresa ou aos credores, com a liberação do financiamento de longo prazo pelos agentes financeiros, nos prazos e nos custos imaginados originalmente. O mundo mudou e de forma muito repentina. Muitas empresas, já comprometidas com os investimentos a preços elevados, viram seus retornos potenciais reduzidos. Pior do que isso, viram o crédito desaparecer, comprometendo os investimentos e o capital de giro da operação.

Os preços das ações caíram de forma drástica e não só no setor sucroalcooleiro, passando, talvez, de uma valorização excessiva para uma subavaliação que, se aplicada a 100% do capital, torná-los-iam alvos muito interessantes de aquisição. Algumas possíveis aquisições, hoje, dependem do interesse dos acionistas controladores de aceitarem preços bem inferiores aos que eles recusaram há pouco tempo, para realizar parte do seu patrimônio ou para apenas diluir a sua participação acionária e evitar as dificuldades trazidas pela crise de liquidez.

Quatro empresas entraram recentemente em processo de recuperação judicial. Este processo visa renegociar as dívidas, repartindo os custos e prejuízos da situação entre as partes envolvidas – essencialmente acionistas, fornecedores, instituições financeiras e outros credores (incluindo o fisco) e, em alguns casos, empregados. Ele privilegia a manutenção do negócio vivo, em detrimento da execução de garantias que, em muitos casos, perderam o valor ou a liquidez. Isto pode levar a situações de venda de participações acionárias ou de alguns ativos da operação, só que agora numa situação “forçada”. Em suma, por um motivo ou por outro, é razoável esperar-se que haja novas operações de aquisição no futuro próximo.

Operações estas que terão motivações e dinâmicas diferentes das que observamos nos últimos anos – em alguns casos como forma de viabilizar a sobrevivência financeira da empresa, em outros como forma de assegurar que a empresa tenha custos agrícolas, de logística e industriais compatíveis com a nova realidade competitiva do mercado. Por último, mas não menos importante, teremos aquisições motivadas por uma percepção de que pode estar havendo um over-shooting, ou seja, os preços praticados hoje podem refletir mais uma vez numa extrapolação indevida de uma situação atípica e que não deve se perpetuar. Só que desta vez para baixo.

Algumas empresas nacionais e multinacionais, assim como alguns fundos de Private Equity, estão capitalizados e ainda muito interessados em investir no setor, apesar dos preços atuais do petróleo, do açúcar e do etanol. Os processos de negociação, vistos recentemente, mostram isso. A questão é apenas encontrar o preço correto para os negócios, que reflita uma perspectiva realista de geração de caixa e de risco associado ao investimento. E esse preço certamente não será o praticado ou pretendido em fins de 2007 e até meados de 2008, mas provavelmente não será também o vigente nas bolsas de valores atualmente.