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Luiz Gylvan Meira Filho

Professor do Instituto de Estudos Avançados da USP

Op-AA-18

A mudança do clima já foi detectada e de forma inequívoca

Tenho trabalhado na área de mudanças climáticas e gases de efeito estufa e quero enfocar esses aspectos e impactos sobre o setor sucroalcooleiro. O fato é que o clima está mudando devido à ação do homem. A forma, como se sabe, é extremamente simples. Segundo a física, certos gases, como o CO2, o Metano, o N2O e os compostos de flúor absorvem a radiação infravermelha.

Quem trabalha no campo, especialmente em lugares frios, sabe que uma noite de inverno com céu limpo é muito fria, porque a superfície perde energia por radiação infravermelha. Se tiver alguma coisa que segure, não esfria tanto. O efeito estufa é só isso. Esse efeito é pequeno e essa é a razão pela qual ele ainda não havia sido detectado. A mudança do clima não pode ser notada.

O que observamos é o clima, que mistura a mudança do clima com a variabilidade natural, efeito de vulcão, de El Niño. Todas essas coisas estão sobrepostas e têm uma certa magnitude. Foi preciso esperar que o clima mudasse mais do que a variabilidade natural para que o IPCC, no ano passado, declarasse que a mudança de clima já foi detectada e de forma inequívoca.

A humanidade vê-se diante da necessidade da seguinte decisão: podemos dizer que não vamos fazer nada e aceitar os danos que ocorrerão uns 30, 40 anos depois das emissões. Isso é uma possibilidade; é a opção pela inação. A outra é dizer que vamos nos adaptar. Em alguns casos, isso será possível. O setor agrícola pode desenvolver algumas variedades melhor adaptadas a um clima um pouco diferente. Em alguns casos, não será possível.

A savanização das bordas da Amazônia, por exemplo, não tem solução. É dano mesmo. E a outra opção é evitar que o clima mude, o que significa diminuir as emissões. Gosto muito da analogia hidráulica para falar sobre esse assunto: um tanque com uma torneira aberta e um ralo embaixo. Se eu não quiser que a água suba mais, devo fechar a torneira para entrar a mesma quantidade que sai. A analogia é que o nível da água no tanque corresponde à quantidade de gás carbônico na atmosfera.

Essa é a conservação de massa, pela analogia hidráulica. O tamanho do ralo é conhecido. Saem da atmosfera, fundamentalmente para os oceanos, 2,2 bilhões de toneladas de carbono de CO2 por ano, que se transformam em carbonato de calcário e sai do sistema. Considerando que as emissões globais, em 1990, eram de 8,6 bilhões de toneladas de carbono por ano, o único jeito de fazer com que o CO2 na atmosfera estabilize e pare de subir é cortar cerca de 60% das emissões mundiais.

Isso inclui certos países crescendo a taxas de 10% ao ano e esse problema é um dos grandes desafios políticos do mundo, neste século. Queira ou não, o setor sucroalcooleiro está no meio do redemoinho e pode ser uma parte da solução do problema. Não há a menor possibilidade dos biocombustíveis sozinhos resolverem a questão. Por outro lado, não há a menor possibilidade de se encontrar uma solução sem os biocombustíveis. Existe a energia nuclear, que tem os seus problemas e limitações de escala.

Existe também a possibilidade de se enterrar o CO2. A Petrobras está trabalhando no assunto. Trata-se da captura e do armazenamento de gás carbônico em postos de petróleo. Há diversas outras coisas que precisam ser feitas. Uma delas é o uso de biocombustível em grande escala no mundo inteiro. E por todas as razões que já foram mencionadas, o setor sucroalcooleiro e o Brasil podem ajudar a liderar esse processo. Não é uma tarefa fácil.

A questão de, por exemplo, exportar essa tecnologia ou auxiliar os nossos vizinhos africanos, exigirá um trabalho de desenvolvimento, em uma escala sem precedentes. A palavra desenvolvimento, dentro das Nações Unidas, surgiu com a criação da própria ONU e é associada à questão das ex-colônias européias que, corretamente, disseram: “não é só uma questão de ficarmos independentes, nós queremos o desenvolvimento”.  

Essa palavra significa muita coisa nos aspectos social, político e econômico; e, durante muitos anos, as atividades de desenvolvimento coordenadas pelas Nações Unidas, por meio do PNUD - o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, tiveram bastante sucesso em organizar estruturas de governo e infra-estrutura básica nos países.

Mas, é um movimento que perdeu o fôlego. Houve uma esperança, em 1992, na Conferência do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em que essa preocupação com os temas ambientais globais, de alguma forma, com muita inteligência e criatividade, pudesse ajudar a promover uma nova onda de desenvolvimento em vários países.

O tempo passou e as coisas não se mostraram tão simples quanto se imaginou na conferência do Rio de Janeiro. Mas, o que vem acontecendo hoje, no interior de São Paulo, mostra que, talvez, eles tivessem razão e, realmente, uma preocupação com o tema global, como a mudança de clima, pode servir de mola propulsora para um novo ciclo de desenvolvimento.

Pediram-me para comentar sobre alguns outros aspectos do que deveria ser feito em outros países, para que pudesse se aproveitar a experiência daqui, incluindo a parte de alimentos. A única sugestão útil que consegui formular é a de que, rapidamente, por meio do governo, esse assunto seja levado ou se peça ajuda ao sistema das Nações Unidas, que tem um conjunto de agências especializadas e corpos técnicos habilitados para tratar, não só de agricultura, mas de desenvolvimento social, aspectos econômicos, dentre outros assuntos.

Equacionar os aspectos econômicos dessa expansão da produção de etanol para outros países talvez seja a parte mais importante. Aprendi com o professor da FGV, Luiz Carlos Bresser Pereira, que “o mercado sozinho não vai resolver esse problema de mudança de clima”. O livre mercado é a melhor forma de fazer com que as coisas ajustem-se dentro da economia. Mas, nesse caso, a introdução de biocombustíveis renováveis não ocorrerá somente com o mercado completamente livre.

O segredo é que os governos, em suas amplas esferas - como no caso do Protocolo de Kyoto, orientem as coisas para o lado certo. No caso da mudança de clima, teoricamente, como diz o senhor Nicholas Stern, no Relatório Stern do Reino Unido, a maneira mais fácil, simples e correta de fazer isso, seria por meio de tributos - em inglês, um carbon tax.

Ou seja, coloca-se um imposto sobre o carbono liberado, que altera a estrutura do preço e faz com que quilowatt/hora gerado do carvão mal queimado passe a custar mais caro do que o quilolowatt/hora gerado por um combustível renovável. É difícil imaginar um imposto sobre carbono, na esfera internacional. Só existem duas formas de tratar o problema: uma, por meio de tributos - que podem ser impostos ou subsídios e são, na realidade, impostos negativos; a outra, que chama atenção de todo mundo, são os créditos de carbono.

O crédito de carbono é o resultado da aplicação copiada de um sistema, que em inglês chama-se Cap and Trade e que foi introduzido, com sucesso, nos Estados Unidos, para diminuir as emissões de dióxido de enxofre. A teoria diz que se pode emitir quanto quiser, mas é preciso ter posse de um certificado expedido pelo regulador.

Caso a empresa seja apanhada emitindo sem o certificado, receberá uma multa que custará muito mais caro do que ter evitado a emissão. Ao longo dos anos, são expedidas um número decrescente de permissões de emissão, que podem ser comercializadas. Fica por conta do empreendedor decidir qual é o mais barato: reduzir as emissões ou comprar certificados do vizinho que, por uma razão qualquer, pode ter um custo marginal de redução de emissões menor do que o seu e prefere lhe vender.

Essa é a teoria que está por detrás do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kyoto, que é uma variante desse sistema. O MDL é muito pequeno para acomodar as reduções desejadas pelo mundo. Para se ter uma idéia, o Protocolo de Kyoto fala em reduções de 5% dos países industrializados, ou seja, 4% das emissões globais, quando precisaríamos de uma redução de 60%, até 2050.

Apesar da inexperiência ou da falta de capacidade de adivinhar o futuro de todos os envolvidos, o MDL tem sido útil, mas a experiência tem trazido à superfície alguns pecados, talvez até de origem. Um deles é o fato de que a redução das emissões é medida em relação a uma linha de base hipotética e as discussões sobre qual seria esta linha, na prática, têm criado um cartório de subjetividade internacional que, em particular, tem evitado, até hoje, que haja projetos de MDL pela produção de etanol, no Brasil.

Conseguem-se alguns créditos com a geração de energia elétrica, mas outro problema corrente é que, na prática, os reguladores têm procurado incluir, nas exigências para a concessão dos créditos, considerações que são de outra natureza e têm a ver com sustentabilidade social, efeitos ambientais locais, dentre outros. O sistema está ficando complicado demais.

Tempos atrás, em uma conversa, eu prometi ao Ministro Roberto Rodrigues que daria uma olhada no problema, para verificar, se é que é possível, como escapar completamente de toda essa complexidade e fazer contas simples, separando as considerações sociais, locais, etc, do problema do carbono e, de alguma forma, atribuir ao uso do etanol para a geração de energia o real efeito que ele tem sobre a mudança de clima.

Conversando também com o Dr. Isaías Macedo, da Unicamp, que faz todas essas contas sobre o balanço de carbono, a conclusão é que se levarmos em conta a contribuição para as usinas que têm caldeira de alta pressão, geram energia elétrica, a jogam na rede e, com isso, deslocam a geração térmica de eletricidade no Brasil. Na realidade, isso equivale a uma emissão negativa. É um desafio muito grande e este grupo precisará ajudar a exercer liderança nessa área, senão ninguém mais o fará.