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Martinho Seiiti Ono

Diretor da SCA Etanol do Brasil

Op-AA-51

Até quando conviveremos com as incertezas?
O modelo de comercialização do etanol no mercado brasileiro não evoluiu. Porém outras commodities, como grãos, petróleo, metais, carnes, etc., apresentam oportunidades de negócios que permitem suas precificações com meses de antecedência e asseguram ao produtor maior previsibilidade de produção e fixação de preços.  
 
Em outros segmentos, a evolução tecnológica do mundo virtual já apresenta diversos aplicativos que permitem comercializar produtos e serviços durante 24 horas, inclusive nos feriados e finais de semana, sem a dependência humana, facilitando a tomada de decisão. Hoje, os serviços on-line para compras de passagens aéreas, reservas em hotéis e os mais recentes serviços de transporte são a nova tendência do comércio. A modernidade se faz presente em quase todas as atividades do agronegócio, mas, no mercado de etanol, continua o conservadorismo resistente a mudanças, que faz com que as vendas sigam o mesmo modelo de décadas passadas.   
 
Além da falta de previsibilidade de preços, o etanol continua sem espaço definido na matriz enérgica do Ciclo Otto, produzindo bastantes incertezas sobre o futuro do biocombustível. A safra normalmente encerra-se em novembro, necessitando de níveis de estoque suficientes para atendimento da demanda até o final de março. Nesse período, há expectativa de vendas com preços que justifiquem o custo financeiro do carregamento, mas não é incomum o recebimento de resultados pouco satisfatórios.
 
Da cana se produzem basicamente três produtos em maior escala: etanol, açúcar e energia elétrica. Por que o etanol, vendido somente baseado em indicadores de preços médios já realizados, não pode ser vendido como a energia elétrica em leilões e o açúcar no mercado futuro? Partindo desse princípio, não há razões para que as usinas e destilarias não permitam precificar o etanol com antecedência, pois já possuem experiência nesse modelo de negócio. 
 
Já as distribuidoras, especialmente as maiores, estão habituadas a essa dinâmica no mundo do petróleo e seus derivados. Recentemente, com a limitação de bombeio da Petrobras, as importações de gasolina e óleo diesel cresceram substancialmente, mesmo expondo as distribuidoras aos riscos do mercado futuro, comparadas ao preço praticado pela Petrobras no mercado brasileiro. Então, a quem cabe a iniciativa e a responsabilidade da mudança no setor alcooleiro?
 
A implantação da Resolução 67, pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, trouxe maior previsibilidade ao produtor em termos de volume de demanda, uma vez que as unidades produtoras são responsáveis por atender, através de contratos, 90% da necessidade de etanol anidro das distribuidoras. O problema consiste no preço, que é conhecido apenas no momento em que o produto é entregue para as distribuidoras. Resumindo, temos, hoje, um mercado de etanol anidro contratado, mas com preço futuro totalmente incerto. Enquanto não houver demanda definida e previsibilidade de preço para a segurança da margem de rentabilidade, o etanol, especialmente o hidratado, que é vendido diretamente nas bombas, continuará sendo um produto de ofertas imprevisíveis. No gráfico 1, é possível ver as oscilações de volumes que o hidratado apresentou nos últimos 6 anos:

No período em que o preço da gasolina ficou inalterado no Brasil, entre 2009 e 2014, a demanda de etanol hidratado reduziu sensivelmente, e os investimentos em novos projetos (greenfields) paralisaram por completo.

Somente em 2015, quando o Governo Federal elevou o preço da gasolina com a volta de cobrança da Cide, o mercado de hidratado reagiu, atingindo recorde de vendas de quase 18 bilhões de litros e crescimento de 37% em relação ao ano anterior, com a mesma capacidade industrial instalada, demonstrando que o setor responde com rapidez quando se valoriza e remunera o etanol. 

Com o fim do crédito presumido de R$ 120/m³ em dezembro de 2016, sem nenhuma contrapartida na gasolina, o etanol hidratado voltou a perder competitividade. Na safra 2017/2018, certamente haverá restrição de oferta, principalmente em função da melhor remuneração prevista do açúcar. O Brasil apresenta enorme infraestrutura na revenda de combustíveis. 
 
Os mais de 30 mil postos de gasolina espalhados pelo País possuem equipamentos instalados para vendas de etanol. Paralelamente, as montadoras vendem quase 90% dos automóveis flex-fuel, ou seja, carros que poderiam estar usando ainda mais o biocombustível. 
O gráfico 2 mostra a quantidade de carros flex vendidos no Brasil desde 2003. No final de 2016, a frota brasileira de Ciclo Otto com motores flex-fuel totalizava 26,2 milhões, o que corresponde a 71,5% do total. 
 
 Em relação ao consumo, existe um enorme potencial que, devido a questões tributárias e logísticas, não é aproveitado. Se pegarmos como exemplo o mercado paulista, observamos um consumo per capita de etanol hidratado 75 litros por mês (estado com ICMS de 12% no etanol hidratado e 25% na gasolina), enquanto a média dos demais estados brasileiros é de 27 litros/mês (regiões com ICMS médio de 23% no hidratado e 29% na gasolina). Essa diferença de consumo corresponde a um incremento potencial de quase 11 bilhões de litros de hidratado, equivalente a 136 milhões de toneladas de cana.

Além de não aproveitar todo esse potencial, o Brasil preferiu importar gasolina, despejando milhões de CO2 no meio ambiente, prejudicando a saúde da população e afetando negativamente nossa balança comercial. No ambiente confuso dos últimos anos, em que a energia renovável foi pouco valorizada, surgiu uma esperança. O novo Ministério de Minas e Energia, nos primeiros meses de governo e comandado pelo jovem Fernando Coelho, abriu um diálogo franco e transparente com o setor sucroenergético, discutindo um programa de médio e longo prazo para as energias renováveis.

Como primeira ação, substituiu os profissionais da área de energias renováveis do ministério. Agora, há pessoas com maior receptividade e acessibilidade que permitem diálogos e discussões sobre as melhores alternativas para um futuro promissor e sustentável da energia renovável.
 
O recente lançamento do programa RenovaBio, na presença do citado Ministro e do Presidente Michel Temer, demonstrou o compromisso desse governo para com a definição de metas dos biocombustíveis na matriz energética até 2030, a fim de criar “novas regras de comercialização”, estimular o desenvolvimento de novos biocombustíveis e atender aos compromissos assumidos na COP21, com o intuito de reduzir em 43% as emissões de GEE e aumentar em até 45% a participação da energia renovável na matriz energética brasileira, abrindo novas perspectivas de investimentos no Brasil.

Especificamente sobre as “novas regras de comercialização”, esperamos que o novo programa de energias renováveis contemple claramente o tamanho do mercado de etanol carburante e que os preços sejam praticados em novos modelos de negócios como as outras commodities, assegurando melhor remuneração e fixação, baseada em mercados futuros.