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Celso Torquato Junqueira Franco

Presidente da UDOP

Op-AA-43

E agora?

Após a crise de energia de 2001, o Governo Federal iniciou um programa de diversificação da matriz de geração de energia elétrica no Brasil, incentivando investimentos privados em novas fontes de energia, principalmente eólica, biomassa e PCH’s (Pequenas Centrais Hidrelétricas), com o objetivo de ampliar a capacidade de geração, até então predominantemente por Grandes Centrais Hidrelétricas. Paralelamente, criou-se um parque de geração térmica para uso exclusivamente emergencial, queimando combustível fóssil.

O período seco mais prolongado que ocorreu em 2001 alertou as autoridades quanto ao risco de abastecimento de energia elétrica do País com modelo totalmente dependente da água. Também foi identificado que o sistema de transmissão nacional não era suficiente para transportar eventual energia excedente gerada das regiões Norte e Nordeste para a região Sudeste.

Em 2002, estabeleceu-se uma política de diversificação de fontes de energia com o programa Proinfa, em que se pretendia distribuir a geração com novas fontes, como biomassa, eólica e PCH’s a fio d’água, sem reservatório. Até então, o Brasil teve a política de geração elétrica amparada nas grandes Centrais Hidrelétricas, que se tratava de grandes investimentos com período de implantação que ultrapassava 5 anos, demandando, portanto, uma antecipação na decisão de implantação de qualquer nova usina, amparado em um planejamento de longo prazo, que garantia não só a demanda, mas também um excesso de capacidade e, principalmente, uma reserva de energia nos reservatórios, suficiente para 6 meses de consumo.

A capacidade maior que a demanda, com um sistema de geração de baixo custo, após realizados os investimentos, proporcionava ao sistema uma oferta de energia segura e barata, que somente era viável com investimentos públicos, mas proporcionava ao Brasil uma excelente competitividade, principalmente nas indústrias de alto consumo de energia elétrica, somente viável pelos subsídios dos investimentos públicos. Esse modelo com forte presença do Estado limitava o desenvolvimento do Brasil, portanto se necessitava de mudanças, que foram iniciadas durante os anos 1990, com o modelo de privatizações e novos contratos de energia.

Nesse período, também já nos deparávamos com os novos questionamentos ambientais causados pelas áreas alagadas dos reservatórios das hidrelétricas, resultando em impacto significativo no modelo, pois os novos projetos, com reservatórios menores, não contemplavam mais a capacidade de reserva de água, podendo gerar energia a plena capacidade apenas no período das chuvas, e, ainda assim, quando normais. Portanto nosso sistema, já altamente dependente das chuvas, ficou ainda mais vulnerável, pois, agora, sequer tinham reservas adicionais para as costumeiras anormalidades pluviométricas, necessitando, então, de um sistema de segurança complementar, criado com as Centrais Termelétricas, para uso emergencial, utilizando combustível fóssil.

Com o retorno da normalidade das chuvas em 2003, o Governo postergou o início de operação dos projetos do Proinfa e reduziu drasticamente os incentivos para novos projetos, estabelecendo um preço teto para a energia que não remunerava os investimentos. Essas medidas praticamente colocaram um fim ao Proinfa, que sequer atingiu 33% de seu objetivo inicial.

Uma nova política de atração de investimentos em geração distribuída veio a partir de 1989, com leilões reversos, em que o governo estabeleceu preços teto para início, e os interessados disputavam os volumes com lances sempre para baixo, reduzindo, assim, o preço da energia. Esse modelo vem apresentando duas grandes falhas: primeiro, o volume de oferta, geralmente, é baixo, algumas vezes até menor que a demanda total de contratação; segundo, que também influencia no primeiro, o preço teto muito baixo, não atraindo o interesse dos investidores. O resultado geralmente apresenta um volume contratado menor que a demanda, agravando o problema no futuro.

Caso tivéssemos os reservatórios com 100% de reserva, o que seria normal nesta época do ano – final de verão –, teríamos reserva para atender a apenas 3 meses de consumo, ou seja, metade da reserva que tínhamos 12 anos atrás. Com o nível atual, menor que 20%, sequer temos reserva para um mês, já no final do período de chuvas mais intensas. E agora?

Nós, que tínhamos energia barata sobrando, criamos um modelo de modicidade tarifária, a partir de 2009, que preconizava adquirir energia com preço cada vez menor, não fomos capazes de entender as limitações de cada fonte, impedindo a competitividade e a oferta de energia para atender às necessidades, nos vemos com energia a preços crescentes (involuntariamente), sem previsibilidade de custo e, o que é pior, sem garantia de oferta. A energia mais cara é aquela que não temos!

Estamos assistindo à estagnação dos investimentos e da economia por total insegurança do futuro próximo, dos dias seguintes. Os governantes não são responsáveis pela falta de chuvas. Esse é um fator indesejável, mas natural. Assim como outros países que têm outras limitações de recursos naturais afetadas pelo clima, demandam planejamento, decisão e ação das autoridades públicas.

Nesses casos, temos duas opções: primeira, fazer investimentos que garantam o funcionamento pleno, sejam quais forem as adversidades climáticas, que exigem um custo de investimento adicional com outro sistema alternativo redundante, em regime de back-up, neste caso, suportado integralmente por recursos públicos, pois não garantem qualquer retorno ao investidor, provedor do serviço; segunda, adequar o consumo quando adversidades acontecerem, com total controle e comando pelo Estado, com política clara em relação às taxas e restrições de oferta, de maneira a reduzir o impacto para a economia e a sociedade durante o período de escassez de recursos.

O que não podemos é conviver com a incerteza e a insegurança quando toda a sociedade pressente o problema, e os governantes sequer aceitam a existência desse problema. Se não temos problemas, não temos necessidade de agir, corrigir rotas, disciplinar regras, preparar a comunidade, conscientizar para o consumo seletivo. Essa é a situação... A indústria de bens de capital, totalmente nacional, sangra por falta de pedidos de equipamentos, com demissões de pessoal mês a mês, e vê seu patrimônio e know-how sendo rapidamente corroído.

As usinas de açúcar e etanol já produzem a cana de que precisam para otimizar o uso de seus derivados, bagaço e palha, para aumentar a receita, garantir competitividade e, assim, evitar a paralização da atividade, que seria tão danosa à sociedade e ao País.  Os investidores da indústria consumidora de energia estão paralisando suas atividades e/ou migrando seus investimentos para outros países, em busca de segurança de continuidade da atividade.

A sociedade está perdendo expectativa de um futuro melhor, com a retração da atividade econômica, perda de emprego, queda na remuneração e aumento do custo de vida, sentindo na pele a perda do poder de compra. O que fazer? O Brasil, felizmente, tem solução, basta vontade política para implementá-las. Obviamente, no caso da energia, o processo é inverso. A tendência é que o próximo MWh tenha um custo mais alto que o último, prevalecendo as condições tributárias e de financiamento dos investimentos, em que podem ser criados modelos de grande impacto no custo final da energia.

Também precisamos aprimorar o modelo de incentivo das fontes que gerem menores perdas, menores impactos ambientais e menores investimentos correlatos, tal como transmissão. Nesse caso, as melhores soluções são da geração distribuída, próximas ao consumidor, com capacidade de geração, principalmente, no período seco, sendo complementar ao predominante sistema hídrico.

Temos como exemplo a biomassa da cana-de-açúcar, com capacidade de gerar 20% de toda a energia elétrica consumida no País, equivalente a toda a energia térmica emergencial atualmente em plena carga, gerando, hoje, apenas 1,5%, ou seja, 8% do potencial. Poderíamos suprir somente com o potencial da biomassa da cana-de-açúcar toda a energia consumida atualmente no País, aproveitando apenas os combustíveis já produzidos, desligando as poluentes e caras térmicas a óleo, proporcionando segurança ao sistema, desonerando em cerca de R$ 60 bilhões (custo da operação das térmicas nos últimos 3 anos), com investimentos que não ultrapassam R$ 50 bilhões. Precisamos, urgentemente, alocar os parcos recursos públicos e privados, enquanto existem, em infraestrutura que alavanquem a economia brasileira, gerando empregos, renda, impostos e investimentos, enquanto ainda existirem também nossos empreendedores, capazes de acreditar neste país.

Tudo ainda parece simples, viável e recuperável... Pior será quando faltar a energia que nos move, amparada nas crenças e valores cultivados pelas gerações passadas, que nos ensinaram a lutar para vencer obstáculos, desbravar as diversidades com a coragem e a determinação dos que lutam por causas maiores que seus interesses pessoais. Não vamos deixar a chama de esperança se apagar. Precisamos salvar as futuras gerações de brasileiros, que venham a ter orgulho de sua terra e de sua gente.