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José Pessoa de Queiroz Bisneto

Presidente do Sindalcool - MS

Op-AA-08

Novos rumos

O Brasil inteiro acompanhou, com apreensão, a subida do preço do litro do álcool na última entressafra. O temor de que o programa flex-fuel fosse mais um entre tantos projetos que fracassaram, colocou em tela de juízo a capacidade e o amadurecimento do setor sucroalcooleiro, para enfrentar crises deste tipo. A elevação contínua do preço na bomba, estourando em algumas regiões a casa de dois reais, tem algumas causas sobre as quais quero refletir.

1. O programa flex-fuel, desenvolvido pelas montadoras, foi encampado pelos consumidores muito rapidamente, o que provocou um excesso de demanda e uma mudança no mix de produção. Para se ter uma idéia, em 2004, a região Centro-Sul moeu 329 milhões de toneladas de cana, produzindo 13,6 bilhões de litros de álcool e 22,1 milhões de toneladas de açúcar.

Em 2005, a moagem de cana quase alcançou 337 milhões de toneladas, produzindo 14,3 bilhões de litros de álcool e 22,01 toneladas de açúcar. Apesar do aumento da produção, não foi possível atender a demanda. Nem os produtores estavam suficientemente organizados para um aumento ainda maior da produção, nem o governo tinha uma estratégia definida, caso acontecesse o que acabou acontecendo: o aumento no preço do litro do álcool na bomba.

2. Tratar a novidade não é uma tarefa fácil, reconheço. Muitos fatores influenciam o mercado, inclusive questões de ordem psicológica, o que é muito comum em cenários de descontrole econômico. O Brasil, felizmente, por conta de uma política severa de ajuste fiscal, está numa situação estável e confortável no governo do presidente Lula. Depois de um período difícil para a agricultura, 2006 já aponta com taxas de até 4% de crescimento. Mas, passada a primeira experiência, não se poderá mais usar o argumento da novidade na próxima entressafra.

3. E é exatamente neste ponto onde quero chegar. É fundamental que o governo tenha um estoque regulador confiável, adquirindo álcool durante a safra e estabelecendo um preço mínimo de compra. Assim será possível evitar a reação de indignação legítima dos consumidores, diante de um aumento considerado abusivo. O estoque do governo será colocado à venda sempre que sejam alcançados os níveis de preço estabelecidos na política de regulação.

Para alcançar esse estágio, devemos, em primeiro lugar, melhorar o planejamento do setor. Isto se faria através da determinação dos volumes de produção necessários e desejados de álcool, comparada com a  capacidade real de produção e a criação de mecanismos de gestão, que possibilitem o cumprimento das metas estabelecidas.

Depois disso, ficariam definidas as responsabilidades de cada agente desse mercado (produtores, governo, distribuição e varejo) e o modo de financiamento dos estoques. Ao propor um estoque regulador, como em outras culturas, não enxergo a interferência do governo nos negócios privados. Pelo contrário. Vejo um elemento de participação positiva do Estado nos pólos estratégicos de desenvolvimento da nação.

Penso que o governo não se preocupou na crise passada, por acreditar que o mercado resolveria a questão por si mesmo. Isto não é verdade. Alguns setores dinâmicos da economia dependem de uma política mais clara e garantidora da produção e da comercialização. Algumas vozes costumam se posicionar radicalmente contra essa política de formação de estoque regulador, alegando que o governo não deve gastar recursos públicos com o setor sucroalcooleiro.

Mas, é importante lembrar que, ao contrário do que alguns desinformados falam, esta política seria uma geradora de lucros para os cofres públicos. Ao comprar álcool nos preços mínimos e vendendo o estoque formado, nos preços máximos, conforme sugerido acima, o governo geraria receitas extras para investimentos sociais.

Da mesma forma que os governos, em suas diferentes instâncias, não gostam de abrir mão de suas receitas, através dos impostos, o produtor do campo também não quer arcar sozinho com todas as conseqüências negativas para sua imagem diante da sociedade. Recentemente, o governo federal anunciou um conjunto de ações para apoiar o setor agrícola.

As medidas contemplaram a liberação de R$ 1,2 bilhão para incentivar a comercialização dos produtos agropecuários e a prorrogação de dívidas do setor agrícola, que totalizam R$ 7,7 bilhões. A ajuda veio em boa hora, mas não para todos os setores. Não sei porquê o setor sucroalcooleiro tem sido considerado um filho sem pai por todos os governos. Ora está vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio, ora ao Ministério da Agricultura.

Já esteve até no Ministério do Interior e agora, vejam só, estão querendo vinculá-lo ao Ministério das Minas e Energia. Por isso, é necessário iniciar um diálogo mais profundo e permanente, para mostrar que existe sintonia na ação entre o governo federal e o setor sucroalcooleiro. A contribuição do nosso setor para o desenvolvimento e a soberania do Brasil é real e histórica. O estoque regulador é uma iniciativa que pode representar o primeiro grande passo para colocar a crise da última entressafra em seu devido lugar: na memória.