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Alessandro Gardemann

Diretor da Geo Energética

Op-AA-67

O enorme potencial dos resíduos da cana
O setor de cana-de-açúcar no Brasil tem a maior capacidade de produção de biomassa competitiva no mundo, com 650 MM de toneladas de cana, sendo responsável por praticamente 50% da exportação mundial de açúcar, com a substituição de 50% da gasolina no ciclo Otto por etanol e 13 GW instalados de cogeração no centro de carga consumidora. 
 
Ainda assim, temos um grande potencial a ser explorado com os resíduos ainda não utilizados para geração de energia, como a vinhaça, a torta de filtro e a palha, através da biodigestão.
 
Biodigestão não é um tema novo para o setor, com belíssimos projetos pioneiros desenvolvidos nas décadas de 1980 e 1990. Biodigestores de vinhaça já foram instalados nas usinas São Luís e São Martinho, por exemplo, tanto para uso em veículos pesados adaptados para gás, como em secadores ou queima em caldeira.
 
A evolução do “mundo do gás”, impulsionado por soluções tecnológicas desenvolvidas para o gás natural fóssil, tais como motogeradores e turbinas aeroderivados de alta eficiência para geração de energia elétrica, motores para veículos pesados dedicados a gás, tecnologia para transporte e abastecimento de gás natural comprimido (GNC) e liquefeito (GNL), abriu novas fronteiras 
 
para o uso eficiente e com qualidade do biogás, viabilizando economicamente projetos com a monetização correta desse gás. Não podemos precificar a biomassa sem valor agregado, algo tão nobre como uma molécula de metano renovável, que, além de ser armazenável e despachável, pode substituir o diesel, ou mesmo ser insumo para gasoquímica. 
 
Por exemplo, no caso dos motorregeradores e das turbinas a gás, sistemas que, há 30 anos, tinham 20% de eficiência elétrica tiveram um desenvolvimento extraordinário e hoje podem, em ciclo simples, ter eficiência elétrica entre 40% e até 50%, comparando com 25-28% num sistema de ciclo Rankine de alta pressão em condensação. Para o mesmo volume de biogás produzido, podemos ter praticamente o dobro de energia elétrica, viabilizando o investimento em plantas de biogás eficientes, que consigam garantir a qualidade e a disponibilidade que o setor energético requisita.
 
Em relação ao processo de biodigestão, um importante desenvolvimento foi a integração dos resíduos sólidos no processo de biodigestão, tais como a palha e a torta de filtro, que podem ser estocados em forma de silagem, sem risco de queima, gerando biogás 12 meses por ano e resolvendo três problemas da biodigestão quando se utiliza somente a vinhaça: a sazonalidade, as paradas durante a safra e as variações de qualidade da vinhaça devido à mudança de mix de açúcar e etanol. Biodigestão é um sistema natural, com grande tempo de retenção e com inércia, mas a continuidade é essencial para a estabilidade e eficiência do processo. Estimamos que a falta de continuidade pode reduzir sua eficácia em mais de 30%. 
 
A biodigestão de vinhaça pode produzir 15 kWh por tonelada de cana; a torta pode aumentar esse potencial em 50%, para 23 kWh, e a palha pode adicionar, no mínimo, outros 15 kWh, com somente 15% do volume disponível. Esses “resíduos” podem produzir 15 litros de diesel equivalentes por tonelada de cana, com oferta anual e despacháveis, podendo substituir todo o consumo interno da usina e, ainda, exportar quase 70% do volume. A oferta de gás “intermitente”, principalmente em regiões sem acesso à infraestrutura de gasodutos, pode dificultar a sua monetização a preço de seus eventuais substitutos, tais como o diesel ou mesmo o GLP.
 
Com o processo de biodigestão, temos, além do ganho energético expressivo, a produção de adubo orgânico de alta qualidade, com a neutralização do PH da vinhaça e a estabilização da relação carbono nitrogênio para a torta de filtro, somente com a conversão do carbono volátil, ou aquele emitido de maneira involuntária quando da aplicação in natura no campo ou durante o processo de compostagem. No caso da palha, 60% do volume biodigerido retorna ao campo em forma de composto orgânico de alta qualidade, com a manutenção de todos os seus nutrientes. 
 
A Geo Energética desenvolveu, nos últimos 15 anos, a tecnologia para codigestão da torta de filtro, palha e vinhaça, com uma planta pioneira em operação desde 2012, no Paraná, junto à Usina Coopcana, com 4 MWs de capacidade instalada. Em 2018, colocou em operação uma unidade de purificação de biogás para produção de biometano para uso como combustível veicular, em parceria com a Acesa.  
 
Sua joint venture com a Raízen, Raízen Geo Biogás, inaugurou, no final de 2020, uma das maiores plantas de produção de biogás no mundo, com 21 MWs de potência instalada, e produção de mais de 130 mil MWh por ano. Ela tem 75% da energia contratada no primeiro leilão de energia do sistema regulado nacional do qual o biogás pôde competir como fonte em 2016. O grupo Cocal também está implementando um projeto pioneiro, com entrada em operação em maio de 2021, em parceria com a Geo Energética, utilizando torta, palha e vinhaça para a produção de biogás, energia elétrica, biometano para substituição de diesel em caminhões e tratores e, pela primeira vez no Brasil, em parceria com a concessionária de gás canalizado Gás Brasiliano, vai abastecer um gasoduto isolado, que vai levar gás renovável para os municípios de Narandiba, Pirapozinho e Presidente Prudente, no estado de São Paulo.
 
O ambiente regulatório para o biogás está pronto, o RenovaBio, os avanços na modernização do setor elétrico e da Nova Lei do Gás vão estimular os investimentos no setor, oferecendo soluções que podem reduzir os custos de produção agroindustrial, aumentar a receita por tonelada de cana e reduzir as emissões do etanol, com menor uso de combustíveis fósseis e aumento de eficiência.