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Gustavo Costa

Gerente da Filial de Santos da Hamburg Süd/Aliança

Op-AA-03

Comércio exterior versus a indústria de transportes marítimos

O Comércio Exterior Brasileiro tem aumentado em volume e em valor nos últimos anos e em 2004 bateu todos os índices históricos, mas embora os resultados obtidos sejam impressionantes quando comparados com nossa própria atuação em anos anteriores, a participação do Brasil no Comércio Exterior Mundial é de 1,3% como exportador, na 16º posição e de 0,8% como importador, ocupando a 20º posição.

O crescimento do comércio exterior brasileiro possui relação direta ao bom desempenho das economias mundiais e do aumento dos preços internacionais dos produtos de nossa pauta de exportação. Muito embora estes dois fatores possam ser considerados como inerciais, os verdadeiros resultados estão relacionados à política de expansão comercial conduzida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com o desenvolvimento de novos mercados e consolidação dos atuais, além de reforçar a cultura exportadora em vários segmentos industriais e comerciais brasileiros.

O crescimento do PIB mundial gera um aumento no comércio exterior que historicamente é o dobro do crescimento. Ou seja, se o PIB mundial crescer 4% o comércio exterior crescerá 8%. Dependendo do crescimento em algumas rotas comerciais, as cadeias logísticas relacionadas podem ter uma demanda muito maior que suas capacidades, dificultando ou inviabilizando o crescimento. Estamos chamando este fato de apagão logístico. Dentro das cadeias logísticas do comércio exterior o modal marítimo sofre um aumento imediato de demanda, o que atinge em cheio o Brasil, pois 96% das exportações e importações brasileiras são feitas por via marítima.

Indústria de transportes marítimos: Precisaremos ser um pouco acadêmicos para transmitir com mais clareza este pensamento.

A indústria de transporte marítimo é caracterizada pelo tipo de carga transportada: carga geral ou granéis - sólidos, gases ou líquidos. O estado físico da carga tem implicação importante para seu transporte, pois vai requerer condições específicas e limitantes de acondicionamento e transporte. Para atender à logística destes diferentes mercados, a indústria de transporte marítimo é dividida em duas categorias de serviços: liner - ou regulares, normalmente containerizado, e tramps - ou de afretamentos.

Os serviços liners possuem rotas fixas com programação de escalas, normalmente, semanais, possibilitando a sua inserção em cadeias logísticas que demandem alta confiabilidade, com regularidade e estabilidade. Esta característica do serviço liner só foi obtida após a melhoria dos portos brasileiros, que diminuiu o nível de incerteza nas operações portuárias, envolvendo espera para atracação e produtividade. Já os tramps não possuem rota fixa nem programação pois os navios são afretados por número de viagens - voyage charter, ou por um período de tempo - time charter.

Oferta e demanda: Existem vários fatores influenciando a demanda na indústria de transporte marítimo, dentre os quais destaca-se o crescimento econômico mundial. Normalmente a demanda por transportes é expressa em termos de momento de transporte (tonelagem x distância).  O momento aumenta caso a distância entre a origem e o destino da carga aumente, ou caso a quantidade de carga (tonelagem) aumente para uma distância fixa.

Observando o desenvolvimento econômico durante 2003/2004, nota-se que houve um aumento na tonelagem transportada, derivada da maior atividade econômica, e um aumento nas distâncias dos fluxos comerciais, devido ao crescimento dos países asiáticos, notadamente da China. Analisando-se alguns dos itens da oferta, observamos que a frota atual já está em seu limite de produtividade e em alguns países a produtividade diminuiu devido ao colapso da infra-estrutura portuária que não suportou um aumento na demanda (portos, estradas e ferrovias).

Na busca de melhor aproveitamento da frota, alguns armadores deslocaram os navios para tráfegos que possuem maior produtividade, em detrimento de outros, causando uma diminuição imediata da capacidade de transporte nos países com portos improdutivos. O aumento da frota está sendo feito, porém os estaleiros já possuem encomendas até 2008, sendo que para alguns tipos de navios o prazo de entrega passa de 2009, pois não existe mais capacidade de construção nos estaleiros.

Considerando a idade média da frota de navios, 25% dos graneleiros e 50% dos de carga geral, estão acima dos 20 anos. De modo geral, a oferta de transporte marítimo não está adequada à demanda e deve permanecer assim até o final de 2006 caso as taxas de crescimento do PIB mundial fiquem positivas durante 2005. Em 2005, os navios em construção serão entregues e haverá uma pequena diminuição da diferença entre a oferta e a demanda.

A adequação da oferta por parte dos armadores que operam em serviço liner é bastante diferente daqueles dos serviço tramp, já que possuem rotas fixas normalmente com escalas semanais, em cada porto. A existência de serviços semanais obriga o armador a calcular o tamanho do navio de acordo com a capacidade de transporte que pretende disponibilizar no mercado e a calcular a quantidade de navios, dividindo-se o tempo total da viagem por sete, ou seja, um serviço com viagem redonda de 35 dias terá 5 navios.

Um aumento na demanda é, portanto, respondido com um aumento do tamanho dos navios e não por um aumento da quantidade de navios na rota. Nos fluxos comerciais que possuem portos com condições operacionais de receber navios maiores, esta solução é fácil de ser implementada, porém, nos portos com restrições, principalmente de calado, o problema complica.

O serviço liner containerizado possui poucos armadores, com uma concentração da oferta de transporte nos 25 maiores, que controlam 80% da capacidade mundial em TEUS - ao redor de 6 milhões. TEU é uma unidade de medida equivalente a um container de 20 pés. Eles possuem mais de 75% da frota mundial, transportam mais de 80% de todos os containers movimentados no planeta, sendo que as 5 maiores concentram 35% desta capacidade e as 12 principais cooperam nas três maiores alianças Leste-Oeste, empregando 70% da capacidade de transporte mundial de containers refletindo a importância do comércio com a Ásia.

Estes armadores respondem atualmente pelo maior número de encomendas de navios full containers de grande porte (very large container ship – VLCS) acima de 7.500 TEUS. Refletindo a necessidade de aumento da oferta de transporte com uma maior capacidade dos navios, a frota de VLCS, atualmente em 45 navios, será aumentada em 167, até 2009. O programa de produção nos estaleiros é: Coréia 110, Japão 30, Dinamarca 14, Taiwan 5 e China 8, com custo unitário médio de US$ 100 milhões.

Conclusões: A realidade brasileira é ao mesmo tempo fascinante e assustadora. Fascinante porque não existem dúvidas quanto ao desenvolvimento de nosso comércio exterior, principalmente, no agronegócio. Assustadora porque quanto mais crescermos no comércio exterior, maiores serão os problemas em nossas interfaces logísticas.
 
Os portos são pólos concentradores de redes logísticas, compostas por malhas rodoviárias, ferroviárias e de armazenagem. Logo, investimentos realizados na interface portuária requerem a contrapartida de investimentos em sua acessibilidade rodo-ferroviária e de armazenagem do pré-embarque. Temo que já tenhamos perdido a “janela de tempo” para executar as melhorias necessárias nestas interfaces.

Santos, o maior porto da América Latina, está com seu calado comprometido, após dois anos sem dragagem e sua acessibilidade está sofrível. Disputa a atenção dos investimentos em infra-estrutura com o Porto de São Sebastião, que está dentro da mesma área de influência, porém, sem acessibilidade rodoviária e ferroviária, impossível de ser criada.

A falta de infra-estrutura poderia ser resolvida pela iniciativa privada, caso existissem as condições legais para dar estabilidade ao retorno econômico dos projetos, e caso a obtenção de licenças ambientais fossem agilizados. Olhando o problema com uma visão sistêmica, vejo com pesar que todo o ganho de eficiência que temos na indústria e no agronegócio, refletido em competividade no comércio exterior, possa ser perdido na precariedade da infra-estrutura logística.

Caso não existam concorrentes para nossos produtos, não perceberemos que falta esta infra-estrutura faz e os custos derivados de nossas ineficiências serão repassados ao mercado. Porém, se tivermos concorrentes externos, veremos nossa participação no Comércio Exterior cair dos atuais 1,3%, para números estatisticamente nulos.