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Mônika Bergamaschi

Secretária da Agricultura do Estado de São Paulo

Op-AA-42

Crise é oportunidade?

Com apenas 3% do território brasileiro, o estado de São Paulo ocupa lugar de destaque no agronegócio do País e do mundo. A área agrícola, de 21,4 milhões de hectares, é formada por um mosaico de mais de 325 mil propriedades rurais, com tamanho médio de 63 hectares. Delas brotam riquezas e empregos que asseguram ao setor agropecuário o primeiro lugar em importância econômica e na geração de empregos no estado.

Ao contrário do que muitos imaginam, tem aumentado a porcentagem de cobertura vegetal em áreas de preservação permanente, em inconteste demonstração de que os produtores paulistas estão atentos à necessidade de aliar a intensificação da produção à conservação dos recursos naturais. São Paulo é líder nacional na produção de cana, açúcar, etanol, bioeletricidade, laranja, suco de laranja, frutas, flores, borracha natural, ovos e cogumelos.

Terceiro em café e quarto em carne de frango, para citar alguns. Pelo perfil agroindustrial que possui, respondeu por 21% das exportações do agronegócio brasileiro em 2013.  A cultura da cana-de-açúcar representa 44% do valor bruto da produção agropecuária do estado. São 5,4 milhões de hectares, área que representa 57% dos 9,6 milhões de hectares atualmente plantados com cana no Brasil. São Paulo é também pioneiro em pesquisa e desenvolvimento tecnológico nessa área.

O Centro de Cana do Instituto Agronômico, vinculado à Agência Paulista de Tecnologias dos Agronegócios, órgão da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento, com sede em Ribeirão Preto, tem feito um trabalho extraordinário. Nas últimas duas décadas, foram lançadas 21 novas variedades de cana, para produção de açúcar, etanol e para forragem.

Na corrente de desenvolvimento do potencial do etanol de segunda geração, o Centro espera lançar, em três anos, uma variedade de cana energia. Na área de Solos e Nutrição de Plantas, o foco é a decomposição da palha de cana que permanece no solo após a colheita. A estimativa é que cerca de 60% sejam decompostos a cada ano, e que, portanto, parte disso poderia ser retirada para a produção de etanol.

Há ainda estudos sobre o efeito da palha na fertilidade, no acúmulo de carbono e na conservação do solo. Para dar apoio ao robusto programa de melhoramento genético, o centro sedia uma das três coleções mundiais de cana. As outras duas estão na Índia e nos Estados Unidos. A incansável busca por produtividade, sanidade e tecnologias de propagação levaram à construção da biofábrica de mudas, com capacidade para ofertar, anualmente, 4 milhões de mudas livres de doenças e ao desenvolvimento da muda pré-brotada (MPB), um divisor de águas diante da necessidade de repensar o plantio de cana.

Todo esse investimento e dedicação fazem muito sentido. O estado possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 55% de participação de energias limpas. O governo paulista assumiu, voluntariamente, em 2012, o compromisso de elevar essa porcentagem para 69% até 2020. O etanol e a bioeletricidade terão papel fundamental no alcance dessa meta.

São inegáveis os ganhos ambientais com o uso do etanol. A tecnologia flex-fuel trouxe tranquilidade para os consumidores. Atento às externalidades positivas do biocombustível, e à importância socioeconômica e ambiental do setor sucroenergético para São Paulo, o governador Geraldo Alckmin, em 2003, reduziu para 12% o ICMS do combustível na bomba, diretamente para o consumidor.

Essa medida foi, e continua sendo, um grande incentivo, que tem emprestado competitividade ao etanol nesse período de desastrosas intervenções federais no preço da gasolina. Importantes ganhos poderiam ser contabilizados para o setor se a medida fosse adotada por outros estados da federação. A cogeração de energia elétrica também se configura como um potencial negócio para as usinas de açúcar e etanol, além de ser uma importante fonte de energia limpa e renovável para a matriz energética paulista e brasileira.

Por essas razões, incentivos para a aquisição de equipamentos de cogeração também foram concedidos pelo governo paulista. No entanto mudanças estruturais no modelo dos leilões de energia atualmente praticados e avanços nas interligações entre as unidades geradoras e as redes de distribuição são necessários e urgentes para viabilizar novos investimentos.

As usinas signatárias do Protocolo Agroambiental, firmado entre o governo do estado e o setor, em 2007, processam mais de 340 milhões de toneladas de cana, e o bagaço é queimado nas caldeiras, produzindo 14.371 GWh. Desse total, 8.341 GWh são exportados pelas usinas para as concessionárias de energia. Isso corresponde a 22% do consumo residencial paulista anual.

Mas o potencial para gerar energia é muito maior, desde a ampliação da colheita mecanizada de cana crua. Ainda conta a favor a mitigação da emissão de carbono pela geração de energia, reduzindo a necessidade de o sistema elétrico nacional recorrer a outras fontes para suprir a demanda, especialmente oriundas de termelétricas sujas, movidas por fontes fósseis.

É natural, portanto, que o setor aguarde ansioso por políticas públicas consistentes no âmbito federal, para investir na ampliação da cogeração de energia elétrica. Mas, mesmo sendo importantíssimo para a economia sustentável, e possuidor de um imenso potencial, o setor sucroenergético sofre desde 2008. Diversos fatores, como a elevação dos custos de produção, o endividamento, a baixa produtividade, os efeitos adversos do clima e a falta de competitividade com a gasolina, dificultam o enfrentamento de uma das maiores crises que atravessa.

Dezenas de usinas foram desativadas no País, e outras tantas enfrentam seríssimas dificuldades. O desemprego é inevitável, e os reflexos negativos nas indústrias de base, no comércio e nos serviços são significativos. A reeleição do Governo Federal não trouxe nenhum alento ao setor, inúmeras as demonstrações de descaso com as dificuldades no passado recente.

Até mesmo as expectativas dos mais otimistas caíram por terra diante do anúncio do tão aguardado reajuste de preços dos combustíveis. 3% para a gasolina tardaram e é insuficiente. Mais do mesmo. Onde está o compromisso com a recomposição da CIDE, o planejamento, a definição sobre a porcentagem de mistura do etanol anidro à gasolina, a demonstração de boa vontade para o equacionamento da dívida do setor?

A esperança continua depositada na expectativa de que o Governo Federal desperte e corrija os equívocos cometidos nos últimos anos. Que se comprometa com políticas transparentes e adequadas nas áreas de combustíveis e que assuma um posicionamento claro sobre o papel da agroenergia na matriz energética do País. Afinal, a recuperação e o desenvolvimento do setor, que já provou seu potencial ao longo da história, dependem disso. Passou da hora.