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Luiz Otávio Koblitz

Diretor Presidente da Areva-Koblitz

Op-AA-12

Energia renovável: a verdadeira vocação do Brasil

Não faz muito que a fumaça negra expelida pela chaminé das fábricas era tida como o principal vilão ambiental. Símbolo da evolução industrial, tolerávamos a fumaça que encobria o sol, as nuvens de fuligem que sujavam nossos telhados e as crises de tosse que afligiam as crianças, em troca de um benéfico desenvolvimento econômico.

A poluição era sempre analisada de forma local, havia cidades limpas, pouco ou muito poluídas. A intensidade da poluição era diretamente proporcional ao grau de industrialização e número de veículos. Hoje, a forma de enxergar a poluição e o impacto ambiental causado por ela é bem mais clara e abrangente. Se por um lado houve uma diminuição das emissões locais, devido ao avanço da tecnologia sobre indústrias e veículos, por outro lado, a descoberta do efeito estufa obrigou-nos, em curto espaço de tempo, a mudar radicalmente alguns procedimentos seculares na utilização de energia, produção de alimentos, descarte de resíduos e preservação de florestas.

A chaminé da fábrica deixou de ser o foco de atenção e passou a integrar um problema maior: o efeito estufa e o aquecimento global. Assim, o que era uma desconfiança – a de que o homem estaria, por meio da queima de combustíveis fósseis, fazendo mal ao meio ambiente – transformou-se numa verdade inconveniente. Seria, então, o momento de encontrar soluções que revertam o quadro existente.

Sabemos que grande parcela das emissões de gás carbônico (CO2) – responsável por 80% do efeito estufa – são provenientes da geração de energia elétrica, produzida a partir de combustíveis fósseis. Faz-se, portanto necessário substituir a fonte primária fóssil, por energia renovável. E, entre as renováveis, a biomassa tem um local de destaque no Brasil. Estamos falando, sobretudo, de biomassa residual já existente em indústrias de açúcar e álcool, papel e celulose, produção de madeira e beneficiamento de arroz.

O setor sucroalcooleiro é o campeão em potencialidade. Apenas 50% da energia solar sintetizada na cana-de-açúcar é atualmente aproveitada pelas indústrias. Um terço é convertido em açúcar ou álcool, o bagaço - que é o segundo terço - é utilizado para atender às necessidades térmicas e de acionamentos da própria fábrica, porém com desperdício de 50% de potencial energético. O último terço são as pontas e palhas da cana, que são queimadas no campo.

Agora a surpresa: com o aumento da pressão na geração de vapor e da eficiência das turbinas, a diminuição do consumo de vapor e a introdução de pontas e palhas, o setor sucroalcooleiro poderia fornecer – com as atuais 440 milhões de toneladas de cana – 10 mil MW médios, sendo esse montante mais de 20% de toda geração de energia no Brasil.

Além disso, essa geração poderia aumentar em 10%, com a utilização do gás metano proveniente da biodigestão da vinhaça, nas destilarias de álcool. Acrescente-se, ainda, a esses números, uma previsão de aumento de 60% na produção de cana-de-açúcar, em dez anos. Nas fábricas de papel e celulose, 50% da matéria-prima, chips de madeira – o que não é celulose – sai diluído em água, na forma de lixívia. Evaporado, esse subproduto resulta no licor negro, que contém biomassa e soda.

O licor negro é então queimado numa “caldeira de recuperação química”, onde produz vapor em alta pressão (além de recuperar a soda para ser reutilizada no processo), passa por turbinas a vapor, reduzindo a pressão e gerando a energia elétrica que alimenta os processos de produção. Essa atividade consegue se autoalimentar em termos de energia e, em alguns casos, fornecer excedentes ao sistema interligado. Essas fábricas, como complemento, também utilizam uma “caldeira de força”, que queima a casca da árvore, galhos e chips, não classificados para fabricação de celulose.

A indústria madeireira também é grande produtora de resíduos. Das árvores de reflorestamento tipo pinus, apenas 25% transforma-se em tábuas, enquanto as árvores nativas, oriundas de planos de manejo florestal, mais grossas, têm o dobro de rendimento. Todo esse resíduo pode ser queimado em caldeiras, produzindo vapor e, por meio de turbinas, gerar energia elétrica. Além disso, parte desse vapor pode ser extraído da turbina, em baixa pressão, para alimentar estufas de secagem de madeira.

O potencial de geração é de 1.000 MW médios, ou seja, 2% da atual geração brasileira. O Brasil produz todo o arroz que consome, ou seja, onze milhões de toneladas por ano. O ciclo agrícola é curto, dura cerca de três meses, mas o arroz é secado e guardado em casca, que é retirada apenas no beneficiamento final. Todavia, apenas 20% da casca é utilizada no processo de secagem, antes da armazenagem, o restante é depositado em áreas de sacrifício, gerando graves problemas ambientais, inclusive produção de metano livre, o segundo maior responsável pelo efeito estufa. A casca do arroz é um ótimo combustível e representa 22% do peso.

O aproveitamento desse potencial já foi iniciado com alguns produtores e quando estiver concluído, essa geração representará 200 MW médios, ou seja, 0,4% da energia hoje gerada no Brasil. Enfim, exemplos não faltam. A busca por energias renováveis é um dos caminhos mais lógicos para minimizar todo esse impacto ambiental. O homem precisa da energia e, de preferência, uma energia neutra, que desfaça o próprio mal que ele provocou.

Essa é uma característica da geração com biomassa. Fontes como cana, resíduos de madeira, casca de arroz e licor negro podem ser utilizadas para gerar energia local, reduzindo também os custos e poupando a natureza de seus malefícios. Com a necessidade imperiosa do meio ambiente mundial, de não mais se queimar combustíveis fósseis, além de estarmos vivendo uma crise latente no setor de geração de energia elétrica no Brasil, trabalhar com essas possibilidades é, na minha visão, o caminho certo a ser seguido.