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Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência

Op-AA-50

Etanol e gasolina: um pacto para o abastecimento
Impulsionado pela inflação ascendente e descontrolada, o Governo Federal, em franca decadência, transformou o controle de preços dos derivados de petróleo em ferramenta de política macroeconômica.
 
A manutenção dos preços dos combustíveis abaixo dos preços de referência do mercado por um longo período produziu distorções gravíssimas. A manobra não foi capaz de reduzir os índices de inflação e coloca o setor sucroalcooleiro em uma de suas maiores crises, com elevado grau de endividamento, redução de sua capacidade de produção e investimento e provoca uma crise de desabastecimento.

Em um momento em que as vendas de veículos movidos a biocombustível já superam em mais de 80% das vendas totais, a frota vai crescendo e se consolidando. Não há etanol suficiente para atender à demanda, e, para evitar o desabastecimento, o setor sucroalcooleiro é obrigado a importar grandes quantidades de etanol para complementar a demanda. A falta de produto é eminente na entressafra, e a confiança do consumidor vai se reduzindo a passos largos.
 
Não resta outra alternativa a não ser fazer a escolha de qual produto terá a sua produção reduzida, pois a manutenção de preços artificiais dos combustíveis força a indústria a reduzir a sua produção e a aumentar seus custos, com a queda da produtividade. Como consequência direta, o consumidor deixa de comprar os veículos novos movidos ao combustível vegetal, e a demanda reduz-se drasticamente.
 
Dezenas de destilarias que foram construídas para atender a essa demanda crescente convertem-se em fábricas de açúcar e a produção de etanol desacelera drasticamente.
 
Bons preços do açúcar fazem crer que a decisão correta foi tomada, afinal o mercado de hidratado é secundário, importante é atender à demanda de açúcar, que está longe do alcance das medidas intervencionistas do governo, investir em infraestrutura e aproveitar os bons preços. O mercado se encarrega de ajustar as demandas.
 
Após esse intenso movimento, o mercado de açúcar começa a dar sinais de saturação, e, ao final de uma década, os preços não cobrem mais os custos de produção. A frota movida a etanol está sucateada depois de uma década de vendas marginais. A gasolina segue soberana, fortalecendo a Petrobras, até chegamos ao ápice dessa história com o mercado de açúcar em depressão, e uma produção de etanol que não encontra mais compradores, formando um dos maiores estoques de etanol até então já vistos.

Essa história não é ficção, ela é uma fotografia recente do setor sucroalcooleiro, que começou no final da década de 1980, atravessou os anos 1990 e terminou em 2.000, com um estoque de etanol suficiente para 5 meses de abastecimento na entrada de uma nova safra.
 
Convertemos as nossas destilarias em fábricas de açúcar, abandonando o etanol hidratado à sua própria sorte, e as regras do “mercado”. Nos tornamos passivos nessa história. As consequências para o setor foram enormes, e ainda lutamos para nos recuperar até hoje. O cenário se repete, e precisamos aprender com os erros do passado para não repetirmos no futuro a ideia da soberania dos mercados.

Temos que ser agentes transformadores, protagonistas de uma história de sucesso, que ainda nos reserva um futuro brilhante. O cenário mudou. O mundo dos anos 1980 e 1990 não existe mais. O conceito de energia e suas diversificadas fontes é muito diferente. Produzimos alimentos, combustível e energia, tripé de qualquer nação desenvolvida.
 
O que no curto prazo parece uma ameaça poderá tornar-se uma grande oportunidade. A matriz de transporte mundial é líquida, e assim deverá permanecer por muitas décadas, antes de ser substituída. Bilhares de dólares estão investidos em ativos destinados a produzir, movimentar, armazenar e distribuir esses combustíveis ao redor do mundo.
 
As novas tecnologias virão, dentro de seus períodos de maturação. O nosso problema é de curto e de médio prazo. Precisamos pensar nas soluções para abastecermos o nosso País, que tem dimensões continentais, demandantes de um planejamento integrado para suprir uma cadeia de tamanha complexidade.
 
O Brasil não é o único País no mundo que tem etanol como combustível e não como aditivo. Ele é o único que pode fazer isso, por ter uma agricultura tropical, com terras, água, insolação e tecnologia necessárias a suprir esse mercado de forma competitiva e em larga escala.
 
A frota de veículos flex é o grande ativo do setor, e a sua manutenção vai nos permitir retomar a produção de etanol a qualquer instante. Há uma demanda crescente não atendida capaz de consumir uma grande quantidade de matéria-prima. Essa frota flex é o ponto comum entre o setor privado (produtores de etanol) e o modelo estatal (refinarias da Petrobras), na disputa pelo mercado. Devemos aproveitar essa oportunidade em um momento que a Petrobras anuncia mudanças na gestão da Empresa, baseada na profissionalização, meritocracia e independência do Governo Central, que tantos males causou aos dois setores.
 
Devemos aproveitar esse momento e escrevermos uma nova página do mercado de combustíveis. Somos um país continental, que poderá traduzir-se numa vantagem comparativa para desenharmos uma política regional. Somos produtores de dois combustíveis que se complementam. Tanto usinas quanto refinarias já estão instaladas, então devemos buscar a otimização dos custos de produção e logísticos, dentro de uma matriz única, que equalize e diferencie os preços, como uma forma de indução do consumidor.
 
Um país com vocação para o agronegócio, que investiu em uma matriz de energia sustentável, não pode ser refém de uma política de combustíveis desnorteada, que, no passado recente, foi responsável pelo fechamento de dezenas de unidades de produção de açúcar e etanol no País, deixando pelo caminho ganhos substanciais que poderiam ser revertidos para toda a sociedade.
 
É certo que o País voltará a crescer e não poderemos prescindir de nenhuma fonte de combustível e energia. É preciso de muita racionalidade nesse processo, não temos todo o petróleo que necessitamos, não temos as refinarias que precisaríamos ter. O déficit de refino do País está igualmente distribuído entre óleo diesel e gasolina. Os investimentos na produção de etanol e gasolina devem ser certeiros e pensados de forma conjunta com a visão de complementariedade.
 
A correlação de preços entre gasolina e etanol é mínima, e ela só acontece de forma artificial nas bombas de combustível. Os preços do etanol têm um teto, definido pela gasolina. As matérias-primas petróleo/cana-de-açúcar não tem nenhuma correlação. É preciso criar uma modelo inteligente, que garanta a competividade na bomba e no campo ao mesmo tempo para o etanol e que respeite a formação de preços dos mercados, caso contrário a nossa oferta aparecerá somente em janelas de oportunidades, que muitas vezes podem ser menores de que um ciclo de produção.
 
Precisamos de mecanismos que estimulem a produção e garantam a rentabilidade para que continuemos a ofertar produto de forma crescente consistente, respeitando as regras de mercado, com um mínimo de intervenção. Não é tarefa simples, mas temos capacidade de criarmos esses mecanismos, se pensarmos em longo prazo.

Alguns desses mecanismos já existem, tais como a CIDE variável, funcionando como um amortecedor dos preços de petróleo, ou os mecanismos de vendas de créditos (RIN´s norte-americanos), que poderiam ser comercializados em um mercado secundário, atraindo outros agentes de mercado à cadeia de combustíveis.
 
Não temos a receita pronta, mas temos a experiência do passado e vontade de reescrevermos esse capítulo, não da forma mais fácil, que seria, mais uma vez, abandonarmos o etanol hidratado, e nos conformarmos que, momentaneamente, não faz sentido econômico, devido aos altos preços do açúcar, e sim criarmos condições para que o açúcar e também o etanol contribuam para a rentabilidade da usina e planejarmos uma produção consistente e crescente.

Esse é o desejo de todos os agentes da cadeia, para que não tenhamos que escrever o segundo capítulo do fim do etanol hidratado.