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Alexandre Alonso Alves e Mauricio Antônio Lopes

Chefe-geral da Embrapa Agroenergia e o Pesquisador e ex-presidente da Embrapa, respectivamente

OpAA69

O setor sucroenergético na emergente bioeconomia
Há uma transformação ocorrendo na sociedade que promete afetar as nossas vidas de maneira cada vez mais acelerada. Trata-se do uso crescente de inovações de base biológica no que se convencionou chamar bioeconomia. Essa reinvenção da economia tradicional ocorre principalmente como resposta à crise climática e ao amplo reconhecimento da urgente necessidade de se promover uma transição do atual modelo de desenvolvimento baseado no uso de matérias-primas fósseis e não renováveis. Inovações de base biológica são capazes de transformar positivamente o ambiente em que vivemos, além de terem potencial formidável para o desenvolvimento social e econômico.
 
O avanço da bioeconomia tem especial significado para o Brasil, pois abre novas oportunidades para que o País explore vantagens competitivas do seu pujante sistema agroindustrial – e mais: amplie o uso sustentável da sua rica biodiversidade. Por isso o Brasil poderá ganhar crescente destaque em importantes cadeias de valor da bioeconomia, principalmente aquelas relacionadas à agricultura e à manufatura de alimentos e bebidas, além das cadeias de biocombustíveis e compostos químicos de origem renovável, todas com excelentes perspectivas de rápida transição a modelos sustentáveis.

Três grandes focos da transição bio-econômica em curso têm importância destacada para o Brasil:  a descarbonização dos sistemas de produção agropecuária, a substituição dos combustíveis fósseis por combustíveis de origem renovável e a substituição de produtos químicos e materiais não renováveis por bioprodutos.  Tais avanços são essenciais para habilitar o País a endereçar frontalmente os riscos decorrentes da crise climática, que ganham cada vez mais destaque na agenda global.  E à medida que a infraestrutura de pesquisa e inovação, o ambiente regulatório e os investimentos privados sejam estimulados, o País tenderá a galgar posição de grande destaque na agenda global pela descarbonização.
 
A agricultura brasileira já vem se destacando na resposta a essa realidade, com arranjos produtivos diversificados, de baixa emissão de carbono, capazes de economizar recursos naturais valiosos.  O investimento em um modelo de agricultura baseado em ciência nos permitiu elevar substancialmente a produtividade das lavouras, com expressiva redução na demanda por terras, enquanto o País alcançava a sua segurança alimentar e se projetava como grande exportador de alimentos.  

O País tem também uma história de excelência na produção e no uso de biocombustíveis e, mais recentemente, na produção de químicos verdes.  Tal posição de destaque somente foi possível graças a massivos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, em especial em áreas como biotecnologia e no que vem se convencionando chamar de bioinovação – vertente baseada no emprego/desenvolvimento de processos e produtos que utilizam organismos vivos, modificados ou não, e seus derivados, em atividades de interesse econômico.  Assim, a agricultura, que, em passado recente, deu grandes saltos através do melhoramento genético, de sementes e mudas de qualidade e construção da fertilidade dos solos, ganha novo ímpeto através da biotecnologia e da bioinovação. 
 
Tome-se, por exemplo, o setor sucroenergético do País, talvez um dos principais exemplos de biorrefinaria que temos atualmente. As agroindústrias de cana produzem, concomitantemente, alimentos (açúcar), biocombustíveis (etanol de primeira e segunda geração, biogás), bioenergia (bioeletricidade), além de matéria-prima para a produção de químicos-verdes drop-in. Isso foi possível graças à biotecnologia embarcada nos materiais genéticos adaptados às diferentes regiões de cultivo, às tecnologias embarcadas nos sistemas de plantio, esquemas de fertilização, métodos de controle de pragas e doenças, colheita etc.

Assim como no campo, nas indústrias, há também um número abundante de tecnologias em uso, desde os processos fermentativos e insumos industriais utilizados na produção do bioetanol até os processos químicos empregados na produção de químicos verdes drop-in como o polietileno e o EVA verdes.  O desenvolvimento tecnológico, tanto agrícola quanto industrial, foi um dos principais fatores que posicionaram o setor sucroenergético numa posição de vanguarda, permitindo ao País alcançar uma posição de destaque na agenda bioeconômica global. 

E as perspectivas para o futuro são igualmente auspiciosas, considerando o desenvolvimento tecnológico em áreas como a biotecnologia vegetal – incluindo, aqui, a revolucionária técnica de edição gênica reconhecida com o Prêmio Nobel de Química em 2020, a biotecnologia industrial, química de renováveis, dentre outras. Inovações nessas frentes permitirão que sigamos produzindo novas variedades cada vez mais produtivas, com características que fortaleçam a produtividade e a sustentabilidade da produção agrícola, com produção aprimorada de biocombustíveis e mais bioprodutos a partir da biomassa vegetal.
 
No setor sucroenergético, players importantes da ciência e da tecnologia nacional, como a Embrapa Agroenergia e o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), vêm trabalhando, por exemplo, no desenvolvimento de novas variedades, convencionais, geneticamente modificadas ou editadas, com maior teor de açúcar, maior digestibilidade da parede celular (melhorando a liberação de açúcares para produção de etanol 2G), além de tolerância a pragas importantes da cultura, como a broca e o bicudo. Estão sendo desenvolvidas também variedades mais tolerantes a vários estresses abióticos, como toxidez de alumínio (problema recorrente em vários solos nacionais), seca e herbicidas, que permitirão uma ampla expansão nas áreas de plantio da cultura. 

A Embrapa Agroenergia vem validando também uma estratégia conhecida como seleção genômica ampla, que faz uso de milhares de marcadores moleculares do tipo SNP (Single Nucleotide Polymorphism), a fim de permitir uma redução expressiva (40-60%) no ciclo de melhoramento da cana, que é tradicionalmente longo e complexo. Com isso, será possível se anteciparem ganhos e se desenvolverem materiais genéticos melhorados de forma muito mais dinâmica, propiciando aos nossos produtores e indústrias variedades mais produtivas, com características cada vez mais desejáveis e alinhadas às demandas da bioeconomia. 
 
Atentos ao potencial da biotecnologia industrial para a produção de biocombustíveis de segunda geração, a Embrapa Agroenergia e o CTC investem também no desenvolvimento de tecnologias enzimáticas para desconstrução da biomassa lignocelulósica, que ampliam a possibilidade de se expandir a produção de etanol.  Igual investimento na área de química de renováveis permitirá também que, em um futuro próximo, a indústria química possa ser descarbonizada a partir da biomassa. Uma usina que, hoje, produz açúcar, etanol, bioeletricidade e biogás a partir de cana-de-açúcar poderá, com a tecnologia adequada, produzir praticamente qualquer tipo de molécula e/ou produtos que, hoje, são produzidos usando matérias-primas não renováveis, em especial o petróleo.  

Como se vê, o Brasil tem experiência, capacidade e diversidade biológica inigualáveis para se destacar na nascente bioeconomia. Com mais investimento em pesquisa e inovação e no fortalecimento do ambiente regulatório e dos investimentos privados, o País poderá alcançar papel de grande destaque na busca por uma economia global descarbonizada e sustentável.