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Manoel Vicente Fernandes Bertone

Especialista em agronegócio da Deloitte

Op-AA-47

Previsibilidade e gestão de riscos
A evolução dos preços do açúcar e do etanol, fundamentada na queda internacional dos estoques de açúcar, indica que, após vários anos de grandes dificuldades, começamos a viver dias melhores na indústria sucroenergética. Esse fato leva a crer que os investimentos no setor serão ampliados. A busca por eficiência e competividade estará no foco dos empreendedores, e os processos de gestão corporativa não poderão deixar de contemplar a análise e a gestão de riscos assumidos ao se incrementarem investimentos num setor que passa por desafios significativos.
 
Assim como qualquer empresa, os riscos devem ser monitorados por meio de sistemas de controle. No entanto não me refiro apenas aos processos administrativos, financeiros, fiscais, de controladoria, de administração de recursos humanos e de controle de ativos, assim como de planejamento estratégico. No caso do setor sucroenergético, refiro-me à necessidade de gerenciar, também, outros riscos, como os de natureza operacional e de negócios.
 
Ainda vivemos os reflexos da crise financeira internacional associados a um momento em que o apoio ao crescimento do etanol na matriz energética nacional foi descontinuado, e, além disso e de forma concomitante, ocorreram situações climáticas e operacionais desfavoráveis. A intensificação do processo de mecanização agrícola num momento de dificuldade financeira impactou fortemente a produtividade, cuja recuperação exigiu elevados investimentos.

O setor havia acreditado em perspectivas excepcionalmente favoráveis, fez elevados investimentos e, quando houve uma reversão dessas expectativas, viu-se envolvido por uma crise cujo tempo de duração não se esperava ser tão longo. Houve, então, uma associação de riscos de planejamento estratégico, risco cambial e de disponibilidade de crédito e riscos climáticos. A administração dos preços da gasolina e do diesel, a eliminação da Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico) e a diminuição da mistura de etanol na gasolina, por exemplo, acabaram tendo forte impacto na atividade.

Além desses, os riscos associados à insegurança jurídica quanto a aspectos ambientais, trabalhistas e de segurança no trabalho pesam significativamente sobre o setor que, devido à complexidade de suas operações, acaba incorrendo em custos adicionais de conformidade. Mesmo em um cenário tão complexo de administração de riscos, muitos grupos empresariais conseguiram alcançar o equilíbrio, o que significa que conseguiram administrar suas operações de modo a minimizá-los.

O conhecimento dos casos de sucesso e a sistematização de suas decisões são importantes para a construção de modelos de gestão eficiente. A importância da operação agrícola no setor sucroenergético é muito grande. O adequado conhecimento e o monitoramento dos principais indicadores de performance operacional podem minimizar riscos mediante ações preventivas.

É necessário conduzir uma série de perguntas para se obter a clara compreensão dos riscos que tornam o setor vulnerável, que podem ser feitas conforme os exemplos a seguir: Qual o risco de queda no fornecimento de matéria-prima devido à concentração de fornecimento de determinado parceiro ou fornecedor? Qual o risco que se corre se uma determinada variedade de cana for atingida por uma doença ou praga? Qual o risco climático em determinada região? Os preços do petróleo e nossa taxa de câmbio permitirão que o etanol permaneça importante em nossa matriz energética?

Que curvas de sensibilidade podemos traçar a respeito? Seria aplicável diversificarmos nossa produção? Produzir em nossas plantas apenas etanol é razoável? Devemos nos transformar em unidades produtoras realmente flex, produzindo açúcar, etanol anidro e hidratado, energia do bagaço, etanol de segunda geração, etanol para a indústria química, açúcar orgânico, leveduras, etanol de milho, proteínas para alimentação animal (DDG – no caso do etanol de milho), bagaço peletizado para exportação? Que planos podemos traçar visando a essa diversificação e que mix de produtos adotar? O etanol de segunda geração é prioritário em relação à energia elétrica gerada pelo mesmo bagaço? Quanto tempo seria razoável durar nossa safra diante de nossas condições climáticas e pluviométricas? Quais os riscos de excedermos esse período considerado ideal? 

 
E a lista de perguntas possíveis não para nesses pontos. A irrigação de lavouras faz sentido, considerado o caso particular de cada unidade? Até que ponto é razoável estendermos a longevidade de nosso canavial, considerando produtividade, tipo de solo e condições climáticas típicas de nossa região? É razoável pensarmos que pode ser implementada uma política energética contemplando apenas um tipo de etanol? Quais os riscos que essa prática poderia nos trazer? É o momento de pensarmos em aquisições? O momento para consolidações de unidades retornou?

Como estamos quanto aos riscos fiscais e tributários no caso de aquisições? Há oportunidades a esse respeito? E agora, neste momento ainda de grande fragilidade, como investir se a indústria de base se encontra tão frágil? Que direção devemos tomar em nossos negócios considerando variáveis tão importantes e difíceis? Os acionistas, por meio dos Conselhos de Administração, têm controle sobre a natureza dos riscos assumidos pela direção da empresa? 

 
O agronegócio está habituado a conviver com vários riscos, embora, muitas vezes, o faça sem o monitoramento adequado, simplesmente os aceitando e, posteriormente, pagando pelas ocorrências. Num momento em que se repensam investimentos e que se busca “reinventar” a atividade, há que se considerar os riscos e, mais do que simplesmente aceitá-los, passar a gerenciá-los, conhecendo-os e procurando minimizá-los. O claro conhecimento dos riscos e a sistematização de sua análise, nos níveis adequados de governança corporativa, são essenciais à prevenção.

Mesmo no caso dos riscos nos quais a organização não tem influência direta, como câmbio e taxas de juros, é conveniente que ocorra um monitoramento sistemático e se definam políticas que os minimizem. No setor agrícola, temos grandes oportunidades. Tecnologias já disponíveis ainda não puderam ser plenamente adotadas, dadas as limitações de investimentos: agricultura de precisão, compatibilização adequada das lavouras às práticas de mecanização, uso de drones, busca pela produtividade agrícola de três dígitos, adoção de mudas pré-brotadas ao menos nos viveiros, diversificação de variedades plantadas visando à diminuição de vulnerabilidades e aumento de produtividade.

Quanto tudo isso custa? Para onde vamos? Considerando casos isolados de adoção de novas tecnologias, o futuro já se faz presente! Riscos de produção agrícola são gerenciados com procedimentos adequados à situação dos ambientes de produção. Boas práticas agrícolas minimizam riscos de produção, mas sabemos que “risco zero” é impossível na agricultura. Quanto ao risco de preços, há eficientes mecanismos de proteção no mercado por meio de derivativos que devem ser bem dimensionados e aprovados pelos mais elevados escalões de governança corporativa.

A utilização dos instrumentos financeiros adequados a cada operação pode minimizar significativamente esse tipo de risco. Financiar operações de longo prazo com fontes de curto prazo embute riscos muito elevados, assim como financiar operações de comércio com instrumentos descasados da moeda e prazos utilizados na operação comercial podem ser fatais. A alta administração das empresas deve se certificar de que os principais riscos são conhecidos e estão monitorados, procurando-se evitar que mecanismos de proteção sejam utilizados com fins especulativos.

 
Passamos a viver um novo tempo, o da esperança fundamentada na percepção sobre o mercado futuro. Embora com enorme importância econômica e social, e ainda que o setor seja fator de geração de desenvolvimento regional, geração de emprego e renda e que contribua enormemente para a segurança e soberania nacionais produzindo alimentos e energia, sabemos que nem sempre despertará na sociedade o interesse necessário à formulação de políticas que lhe fortaleçam.

Apesar dos benefícios indiretos que o setor traz consigo, comumente chamados de “externalidades positivas” (benefícios à saúde humana e do planeta, principalmente), será sempre muito difícil precificá-los e, mais difícil ainda, receber por eles. O momento exige determinação, empenho e, principalmente, a consciência de que todos teremos ainda muitas dificuldades a vencer. E não se poderão negligenciar aspectos importantes.

Dentre eles, a possibilidade de desenvolvermos parcerias estratégicas que nos coloquem novamente no caminho do crescimento sustentável, financiado principalmente por meio de capital próprio e do resultado das operações. A indústria sucroenergética deve se ver, e ser vista pela sociedade, em toda a sua enorme amplitude: como produtora de alimentos, de energia elétrica, de combustível, de componentes químicos; e da utilização plena do bagaço da cana (energia elétrica ou etanol de segunda geração) e de seus resíduos, como a vinhaça. E deve ter sua importância multiplicada, se considerada a indústria de base que complementa a cadeia produtiva, base da economia de importantes regiões brasileiras. A consciência dessa visão ampla, e dos benefícios indiretos que o setor traz à sociedade, pode nos levar a um maior protagonismo na economia nacional.