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Marcelo Pierossi e Francisco Linero

Especialistas de Tecnologia Agrícola do CTC

Op-AA-40

Bioenergia: queremos enfrentar a Noruega ou a Venezuela?

2014 é o ano da Copa do Mundo no Brasil. Dentro de alguns dias, teremos, em nosso País, o maior torneio de futebol do planeta, acontecimento que, desde 1950, não ocorre em nosso território. Acreditamos que temos os melhores jogadores do mundo e que nossa seleção, se bem escolhida, escalada e treinada, seja imbatível.

Mas, saindo das chamadas quatro linhas e indo para o campo da energia elétrica renovável, como estamos? Quando o assunto é energia elétrica renovável, atualmente, dentre os grandes produtores e consumidores desse recurso (acima de 80 TWh/ano), somos derrotados apenas pela Noruega, que possui uma matriz elétrica mais limpa do que a nossa, com 96,5% de renováveis contra 87,1% da brasileira, segundo informações disponibilizadas pelo Banco Mundial em 2011.

O mais preocupante é que outros países vêm se aproximando do nosso, ou melhor, nós mesmos estamos relaxando e, ano a ano, observamos nosso índice ser reduzido em função de uma maior participação das usinas térmicas a gás, a óleo e até a carvão. Atualmente, a Venezuela é a terceira da lista.

Temos abundância de recursos renováveis que poderiam elevar nosso índice para enfrentar, em igualdade de condições, a Noruega ou qualquer outro país. Atualmente, o setor sucroenergético disponibiliza para a rede apenas cerca de 3% do total da energia elétrica consumida no País.

Isso porque apenas cerca de 30% das usinas e destilarias produzem e comercializam energia elétrica excedente. Utilizando tecnologias convencionais e apenas o bagaço, que resulta após o processamento da cana, teríamos condição de chegar a quase 9% do consumo nacional de energia elétrica e desligar muitas das térmicas fósseis atualmente em operação.

E mais, temos um outro jogador no banco que ainda não foi ao embate. A palha de cana, que, com a eliminação da queimada que antecedia o corte e a crescente utilização da colheita mecânica, acaba sendo deixada nos canaviais sem qualquer uso econômico.

É bem verdade que, em algumas regiões, a manutenção da palha sobre o solo ajuda a manter umidade e nutrientes benéficos à planta cana-de-açúcar, mas as quantidades são enormes, e a manutenção de apenas uma parcela do total de palha disponível já seria suficiente para os benefícios agronômicos. A palha representa 1/3 do total da energia da planta cana-de-açúcar.


Uma terça parte dessa energia está na sacarose, que é convertida em etanol ou açúcar, e a outra terça parte está contida no bagaço de cana, que é utilizado internamente nas usinas para geração de energia térmica, mecânica e elétrica no processo de fabricação e ainda é suficiente para gerar os excedentes de energia elétrica aqui comentados.

Apenas na região Centro-Sul do Brasil, considerando-se o esmagamento de 600 milhões de toneladas de cana, teríamos disponíveis no solo, após a colheita, cerca de 35 milhões de toneladas de palha (já descontada a parcela que fica no campo).

Todo esse material, se recolhido adequadamente e processado, poderia gerar outros 24 TWh de energia elétrica por ano, ou aproximadamente 5% do consumo nacional. A capacidade anual prevista para a hidroelétrica de Belo Monte é de 40 TWh.

Toda essa palha representa, em peso, mais do que toda a cana da Austrália, portanto o seu aproveitamento deve ser encarado como uma nova colheita. Os números são significativos. Prover os canaviais de equipamentos adequados para colher e transportar a palha, removendo a quantidade correta, sem causar impactos à sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar, e instalar, nas unidades industriais, os sistemas que processem essa enorme quantidade de palha, coordenando uma cadeia produtiva com viabilidade econômica, é imprescindível para bons resultados.


Aqui, o jogo não é para amadores. Olhar para a palha de cana apenas como um simples reserva para entrar no segundo tempo poderá fazer com que fiquemos bem atrás no placar e pagar um preço muito alto para apenas assistir ao jogo. Da mesma forma, a indústria também deve se preparar para esse novo material. Equipamentos específicos para o processamento dessa grande quantidade de material devem ser previstos, assim como seus impactos em equipamentos existentes.

Ao contrário do bagaço de cana, que sempre foi considerado um resíduo do processo disponibilizado a custo zero, a palha, para ser trazida à usina, acarretará custos adicionais.

O processo de enfardamento da palha no campo e o seu processamento na indústria nos mostram ser mais econômicos quando as quantidades são significativas, e, consequentemente, as distâncias de transporte são longas.

Da mesma forma, a adoção de equipamentos de alta eficiência é muito importante para garantir custos adequados de produção.

Novas e promissoras tecnologias, como o etanol de segunda geração, certamente, também vão necessitar de palha adicional para ganho de escala de produção.

Assim, temos condições, no que se refere à produção de energia elétrica renovável, de também sermos os primeiros do mundo em um curto intervalo de tempo. O setor sucroalcooleiro tem condições de colocar uma grande quantidade das térmicas a gás no banco de reservas. Pode parecer absurdo deixar no banco um jogador tão caro e com tanto potencial, mas a população certamente se beneficiaria, tanto monetária como ambientalmente.