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Rosymar Coutinho de Lucas e Maria de Lourdes T. M. Polizeli

Respectivamente, Prof do Inst de Ciências Biológicas da UF-Juiz de Fora e a Coord do Lab de Microbiologia e Biologia da USP-RP

OpAA69

O mercado da biomassa lignocelulósica
Nas últimas décadas, muito se tem discutido sobre a utilização sustentável da biodiversidade. Os indicadores sobre as alterações pelas quais a Terra está passando não são os melhores. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), divulgado em agosto, demonstra claramente os efeitos catastróficos do aquecimento global em todas as regiões, devido às altas taxas de liberação dos gases de efeito estufa para o meio ambiente por causas antrópicas.

O aumento da produção de dióxido de carbono deve-se, em sua maioria, à exploração desenfreada de combustíveis fósseis, níveis que, se não controlados, colocam o aquecimento global do planeta muito perto do limite máximo de 1,5 °C estabelecido no Acordo de Paris, discutido na COP21 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015), do qual o Brasil faz parte.
 
Diante desse cenário, o Brasil vem angariando esforços para mitigar os efeitos deletérios da exploração da biodiversidade. Em 2017, tivemos a criação da nova Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei 13.576, cujo objetivo maior é o aumento da participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira, levando à descarbonização dos transportes, contribuindo para a minimização dos impactos das emissões dos gases do efeito estufa, fazendo com que o Brasil caminhe lado a lado com os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável. Dentre eles, a energia limpa e acessível, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), para que se alcancem até 2030, além do cumprimento do Acordo de Paris.

Baseado nessas prerrogativas é que o mercado da biomassa lignocelulósica surge como uma rica alternativa renovável na substituição dos combustíveis fósseis. Matéria-prima vasta, que abarca desde plantas altamente energéticas até os resíduos industriais descartados, que, até então, possuíam pouca utilidade.

Dotada de uma alta complexidade molecular, a conversão de biomassa em biocombustíveis não é simples, mas exige bioquímica complexa, com o envolvimento de uma das principais biomoléculas existentes, as Enzimas. Etapa considerada pelas indústrias como um dos principais gargalos desse bioprocesso. É a biomassa lignocelulósica sendo convertida no ouro das próximas gerações, a energia verde.

As enzimas têm sido utilizadas em processos fermentativos desde épocas mais remotas. Majoritariamente, as de aplicação industrial são produzidas por microrganismos, como bactérias e fungos, sendo que esses últimos destacam-se por sua capacidade de secretar proteínas (enzimas) para o meio em que estão sobrevivendo, ao contrário da maioria dos outros organismos, que mantêm os seus compostos metabólicos dentro das células. 

Mediante a sua grande capacidade de catálise e seletividade, a aplicação de enzimas vem expandindo, abrangendo outros setores industriais, como aqueles voltados para panificação, laticínios, curtumes, biopolímeros, detergentes, indústrias de bebidas, têxtil, papeleira, branqueamento da polpa de celulose, cosméticos, farmacêuticas, alimentação de animais monogástricos e ruminantes,  síntese orgânica, reciclagem de resíduos, entre outros. 

Dados do mercado global estimam que, até 2024, as enzimas vão movimentar US$ 10.519 milhões, com taxa de crescimento anual (Compound Annual Growth Rate, CAGR)  de 5,7% para o período de 2018 a 2024. Assim, a busca por catalisadores orgânicos mais eficientes para bioprocessos específicos é um mercado cada vez mais promissor.
 
É dessa maneira visionária que o Laboratório de Microbiologia e Biologia Celular  (LMBC) do Departamento de Biologia da USP-Ribeirão Preto vem desenvolvendo projetos na interface da pesquisa básica e aplicada. O LMBC vem atuando no contexto de prospectar, a partir da natureza, novas linhagens fúngicas, com capacidade de produção de enzimas com características propícias a múltiplos usos industriais. São investigadas propriedades como resistência às altas temperaturas, pH, solventes, íons metálicos, inibidores, ou outras condições  que podem afetar a estabilidade, níveis enzimáticos e a utilização em escala industrial.
  
Seguindo essa temática, nossa equipe vem atuando intensivamente, utilizando-se de metodologias inovadoras, envolvendo biologia molecular, bioquímica e microbiologia. Atuam no desenvolvimento de plataformas microbianas para a produção de consórcios enzimáticos em sistemas de bancada laboratorial ou escalonada, com foco em múltiplas aplicações voltadas para bioenergia, como bioetanol, biodiesel, gás hidrogênio e metano.  

Esses longos anos de esforços no desenvolvimento de novas tecnologias renderam ao LMBC a descoberta de uma gama de novas enzimas com potencial industrial, centenas de publicações em periódicos indexados e de circulação internacional, divulgação em eventos científicos, colaborações internacionais, formação de recursos humanos, patentes e parcerias com empresas, lembrando que foram frutos de um maciço financiamento por parte dos órgãos de fomento estaduais e federal, além do setor privado.

Por outro lado, nos últimos anos, esse laboratório, bem como a maioria da ciência do Brasil, vem enfrentando uma realidade de escassez de investimento em pessoal qualificado, na manutenção do espaço físico e equipamentos, na compra de reagentes, o que pode comprometer a manutenção da excelência desse precioso trabalho. 

É consenso, ainda, que existe também uma grande lacuna que separa o meio acadêmico do mercado corporativo. A aprovação de projetos em parceria entre empresas/universidades e o depósito de patentes é cercada de entraves burocráticos, que dificultam e atrasam todos os trâmites para a liberação de um produto final, prejudicando a inserção das universidades nesse mercado tão competitivo da ciência aplicada. 

O LMBC sabe do seu papel no desenvolvimento da ciência brasileira e tem a certeza de que a tecnologia que desenvolve pode produzir muito mais do que biocombustíveis por intermédio de suas enzimas de alta eficiência: promover políticas de desenvolvimento sustentável com o aproveitamento de resíduos industriais (reciclagem do lixo industrial e urbano), a diminuição da emissão de gases do efeito estufa, a minimização dos impactos das mudanças climáticas e a promoção de uma melhor qualidade de vida para todas as espécies do planeta Terra.