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Evaristo Eduardo de Miranda

Chefe Geral da Embrapa Monitoramento por Satélite

Op-AA-09

Retração, permanência e expansão entre 1988 e 2003

A região nordeste de São Paulo concentra parcela significativa do agronegócio brasileiro. Seu PIB, superior a 25 bilhões de dólares, é maior que o do Uruguai e sua renda per capita é o dobro da Argentina. São 125 municípios, em 51.725 km2, cerca de 21% da área do Estado. A Embrapa Monitoramento por Satélite estruturou um sistema de gestão territorial do agronegócio para a região, com ênfase na dinâmica espacial da cana-de-açúcar.

A gestão territorial é utilizada para espacializar dados e simular cenários evolutivos para o agronegócio e seus impactos, em função de possíveis políticas públicas para agricultura e meio ambiente (www.cnpm.embrapa.br). Foi mapeado o uso das terras em 1988 e 2003, com imagens de satélites e trabalhos de campo, e obtidos dados agro-sócioeconômicos e ambientais para cada uso agrícola.

Em 15 anos, destacou-se a expansão da cana sobre pastagens e culturas anuais (Figura 1), tendência que persiste. Em 1988, ela ocupava 1.085.668 ha. Em 2003, já eram 2.293.301 ha. Um salto de 21% para 44% da região, número que atinge 51%, se contabilizadas as áreas em reforma. Vários fatores explicam esse crescimento: preços favoráveis, demanda nacional e internacional por açúcar, surgimento de veículos bicombustíveis, mas também especificidades da canavicultura.

Retração, permanência e expansão: O sistema de gestão territorial mostrou o que ocorreu com cada hectare de cana entre 1988 e 2003, e quantificou as áreas de permanência, retração e expansão. A cana permaneceu em 989.523 ha. A retração ocorreu em 96.145 ha, onde 40.113 ha foram ocupados por fruticultura, 14.729 ha por pastagens e 11.058 ha por culturas anuais.


Os outros 30.254 ha foram ocupados por café, seringueira e silvicultura, pela recomposição da mata ciliar e por outros usos (barragens, urbanização etc.). A expansão foi de 1.303.778 ha sobre 596.345 ha de culturas anuais, 474.743 ha de pastagens e 157.680 ha de fruticultura. Com os indicadores de cada uso, fez-se uma avaliação dos impactos dessa dinâmica. Como exemplo, apresenta-se apenas a evolução da renda bruta, emprego e impostos diretos.

Renda Bruta: Nas áreas onde houve retração da cana, o uso atual gera cerca de R$ 222.918.553,00 de renda bruta, contra um potencial, no caso da cana, de R$ 219.102.995,00, ou seja, um ganho apurado da ordem de R$ 3.815.558,00. Mas, razões agronômicas e ambientais também explicam essas mudanças e justificam a racionalidade dessa evolução espacial. A área de expansão da cana-de-açúcar gerou uma renda bruta de cerca de R$ 3.542.909.554,00, contra R$ 2.073.667.021,00, caso fossem mantidos os usos anteriores: um ganho de R$ 1.469.242.533,00, com a média, de R$ 1.160,00 por hectare. Com as compensações positivas e negativas na área ocupada pela cana-de-açúcar houve um ganho de renda bruta de R$ 1.473.058.091,00, em relação a 1988.

Emprego direto: Onde houve retração da cana, o uso atual gera cerca de 10.825 empregos diretos, contra 5.483, caso a cana tivesse sido mantida: um ganho da ordem de 5.342 empregos diretos. A qualificação dos empregos e o perfil de renda gerado não são os mesmos e os dados não contabilizam empregos locais gerados pela cana nas usinas e os indiretos na cadeia produtiva. A área de expansão da cana gerou um potencial de empregos diretos de 88.668, contra 115.484, ou seja, uma perda da ordem de 26.817. Com esse quadro de alterações, houve uma perda líquida de 21.475 empregos diretos na área de cultivo, sem contabilizar os indiretos e induzidos.

Impostos diretos: Onde houve retração da cana, o uso atual gera cerca de R$ 6.681.781,00 de impostos diretos, contra R$ 7.887.551,00, caso a cana tivesse sido mantida: uma perda de arrecadação tributária direta da ordem de R$ 1.205.770,00.

A área de expansão da cana gera impostos diretos de R$ 127.542.211,00, contra R$ 65.634.884,00, caso fossem os usos anteriores: um ganho de cerca de R$ 61.907.327,00. A cana favorece a arrecadação local de impostos e não a sua concentração em distantes pólos processadores de produtos agrícolas. Globalmente, com esse quadro de alterações nas áreas de cultivo, houve um ganho líquido na arrecadação tributária de R$ 60.701.557,00.

Territórios sustentáveis? Face às variabilidades climáticas, a cana apresenta uma sensibilidade muito menor. A mesma seca ocasiona perdas significativas em culturas anuais e traduz-se apenas por algum atraso no ciclo vegetativo da cana. A ocorrência de novas pragas, como a ferrugem na soja e o greening na citricultura, tem aumentado os custos de produção e diminuído a margem operacional dos produtores.

A mobilização anual dos solos, com a aração e de toda cadeia de insumos, obrigatória nas culturas anuais, é bem mais reduzida na cana, um cultivo plurianual. Devido ao caráter volumoso e pesado da produção, as usinas operam com canaviais situados, em média, a menos de 50 km de distância. Nas outras atividades agrícolas, o processamento da produção pode estar a centenas de quilômetros de distância.

Uma das conseqüências da logística canavieira é a geração de renda, impostos e postos de trabalho na vizinhança, em locais e municípios onde está implantada. Apoiado por sistemas de gestão territorial, um novo padrão espacial e tecnológico de implantação de usinas e cultivos poderia contribuir para um progressivo reordenamento espacial de fornecedores, uma recuperação vigorosa das matas ciliares, uma redução de queimadas, erosão e uso de agroquímicos. O desafio do agronegócio é o de demonstrar sua capacidade de gerar territórios sustentáveis e acabar com falsos mitos e dilemas sobre a cana-de-açúcar.