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Luiz Pinguelli Rosa

Coordenador do Programa de Planejamento Energético da UF-RJ

Op-AA-11

Cenário para o etanol da cana no mundo

Vários fatores pressionam na direção da substituição progressiva de combustíveis fósseis no mundo:

1: A previsão de escassez futura do petróleo, cujas reservas são finitas, e cuja produção deverá decrescer, dentro de poucas décadas;
2: A volatilidade do seu preço por barril, que veio de US$ 10 em 1999, para US$ 20 em 2000, US$ 70 em 2006 e US$ 50 em 2007;
3: A insegurança global com as guerras locais e o terrorismo num mundo que se pensava seguro, após a Guerra Fria;
4: Os conflitos em áreas petrolíferas, como o Oriente Médio, que o poderio bélico norte-americano não controla, e
5: A mudança do clima da Terra, devido, principalmente, às emissões de dióxido de carbono (CO2) na queima de carvão, derivados de petróleo e gás natural.

Para construir cenários de produção e uso do álcool combustível no mundo nos próximos 10 ou 20 anos, bem como para a participação brasileira, vale a pena rever como evoluímos no Brasil, com erros e acertos. O programa do álcool veio da política do governo Geisel, para enfrentar os choques do petróleo de 1973 e 1979. O primeiro – com o embargo pela OPEP, elevou o preço do barril de US$ 2 para US$ 11.

Eu era pesquisador júnior no International Center for Theoretical Physics, em Trieste, e fiquei, por algum tempo, proibido de usar meu carro. No segundo choque, quando houve a guerra Irã-Iraque, o barril chegou a US$ 40, descendo, a seguir, a um patamar ainda alto. Este valor máximo corresponderia a US$ 100 hoje, o dobro do preço atual. Após o primeiro choque, o Brasil passou a usar o álcool anidro, como aditivo à gasolina, produzido em destilarias anexas às usinas de açúcar.

A construção de destilarias veio a calhar, pois havia uma crise no mercado mundial do açúcar. Após o segundo choque, foram construídas destilarias autônomas e passou-se a usar álcool hidratado puro em carros, cujos motores eram fabricados com modificações. O álcool recebeu incentivo, reduziram-se os impostos de carros a álcool e seu preço era menor que o da gasolina, embora o custo dele fosse maior. O preço da gasolina ao consumidor era elevado, para dar subsídios cruzados ao diesel e ao GLP, por uma política com preocupações sociais, que acho correta. Na segunda metade da década de 80, o preço do petróleo caiu e houve um anti-choque. As políticas de apoio a alternativas de energia foram abandonadas, inclusive a do álcool.

O resultado pode ser visto na figura 1, cujas curvas dão a produção e o consumo de álcool. As curvas cruzaram-se na segunda metade da década de 80. Previmos isto na Coppe, onde realizamos seminários e escrevemos artigos sobre o assunto. Fizeram teses de doutorado neste assunto, naquela época, dois professores atuais da COPPE, Mauricio Arouca, na Universidade de Paris, e Suzana Kahn Ribeiro, no Planejamento Energético da COPPE, autora de um livro sobre a tese.

Mas, nada foi feito. Resultou na falta do álcool, na virada de 1989 para 1990. A solução, colocando o cadeado na porta arrombada, foi substituir o álcool hidratado pela mistura ternária de álcool, gasolina e metanol, este importado.

O combustível nacional, para resolver o problema da importação de petróleo, levava, então, à importação do metanol. A resposta dos consumidores à falta de álcool e à falta de política energética foi sair dos carros a álcool, cujas vendas caíram, e voltar aos carros à gasolina. A venda dos carros a álcool chegou ao fundo do poço na segunda metade da década de 90.

A produção de carros a álcool, que pulara de 0,36% do total de veículos, incluindo os de ciclo diesel em 1979, para mais de 25% em 1980, chegando ao máximo de 76% em 1986 (cerca de 90% dos carros com motores de ciclo Otto), caiu a 0,06% em 1997. A produção de álcool automotivo de 1994 para cá é mostrada na figura 2. A de álcool hidratado ficou estagnada de 1994/95 até 1997/98, quando despencou até 2001/2002. Em contraponto, a do álcool anidro aumentou, pois é usado como aditivo à gasolina, cujo consumo subiu.


Devido aos carros flex-fuel, que permitem o uso de gasolina e álcool hidratado em qualquer proporção, este voltou a subir após 2001. Somando o anidro e o hidratado, o total de álcool ultrapassou 15 bilhões (15 B) de litros em 1998, caindo depois até 10 B de litros em 2001 e voltou a subir.

Foi de 16 B de litros, em 2006. Portanto, houve uma retomada da indústria do álcool, cujo custo caiu de quase US$ 20/GJ (gigajoule), há 30 anos, para US$ 6/GJ, o que corresponde a pouco mais US$ 40/barril de petróleo, logo, dispensa subsídios.

O rendimento da produção de cana subiu de 45,8 t/ha em 1975, para 74 t/ha em 2006, enquanto a produção cresceu de cerca de 89 milhões de toneladas (89 Mt), para 458 Mt, nesse período, ocupando cerca de 6 milhões de hectares (6 Mha). O soja ocupa 23 Mha e o milho 8,7 Mha. 55% da cana destina-se ao álcool e 45% ao açúcar. Logo, é possível expandir a produção de álcool.       

No quadro internacional, os EUA ultrapassaram o Brasil no consumo de álcool automotivo, com 17 B de litros, dos quais importam 3 B de litros, sendo 1,7 B de álcool brasileiro. Mas, o percentual do álcool nos EUA é baixíssimo, pois seu consumo de gasolina é da ordem de 10 milhões de barris/dia. A expectativa, após o recente discurso do presidente Bush, é aumentar este percentual para 20%, algo como 140 B de litros de álcool por ano, considerando 1,3 litro de álcool, para cada litro de gasolina.

Pode o Brasil suprir este mercado? Dada a crescente atenção à mudança do clima da Terra, expressa pelo relatório divulgado agora em Paris, e dado que os EUA ficaram isolados, por não ratificarem o Protocolo de Kyoto, espera-se que usem o álcool de cana. Consome-se 1 GJ de combustível fóssil, para produzir 1,3 GJ de álcool de milho, usado nos EUA, enquanto esta relação é de 1 para 8 GJ de álcool de cana, que dispõe de bagaço em excesso para a destilação e auto produção elétrica. A captura de CO2 do ar, no crescimento da cana, iguala sua emissão na combustão do álcool, diferentemente do caso do milho.

Não é razoável que o Brasil supra todo esse mercado, mas pode atender significativa parte dele. Segundo o IBGE, temos 152 milhões de ha (152 Mha) de área agricultável, da qual são utilizados 62 Mha e há 177 Mha de pastagens. Excluídos os 440 Mha de florestas nativas, dispõem-se de 90 Mha para expandir a agricultura, sem desmatamento e sem considerar a conversão de pastagens degradadas.

Obviamente, apenas uma parte destas áreas é adequada à cana e é econômica e socialmente viável para a agricultura, voltada aos biocombustíveis, como álcool e biodiesel, ambos em crescimento no mercado interno. Devemos, ainda, levar em conta a expansão de outras culturas, especialmente para alimentos. Não se deve dormir nos louros, mas considerar as inovações tecnológicas, que incluem aumento de produtividade, novas variedades de cana, obtenção de álcool por eletrólise de caules e folhas e a racionalização do uso da energia.  

Como exemplos, cito: substituir gasolina por etanol e diesel por biodiesel; usar óleos vegetais para fazer diesel, como o Hbio da Petrobras; desenvolver biorefinarias; aumentar o uso de motores Diesel, com rendimento de até 35%, contra 20% do ciclo Otto, e que podem usar álcool com aditivos; consorciar com o gás natural e o biogás, conforme estudos do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da COPPE; substituir veículos de motor à explosão por híbridos com tração elétrica; e, depois, substituir os motores à explosão, nos híbridos, por pilhas a combustível (Marcelo Regatieri fez doutorado sobre essa rota tecnológica no Planejamento Energético da COPPE), que também podem usar etanol.