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Augusto Jucá e Fábio Guerra

Oficial de Programa e Diretor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Op-AA-09

Somos os maiores do mundo! Uff! E agora?

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação Pública tem dados que demonstram, no ano de 2005, a produção, pelo Brasil, de 420 milhões toneladas métricas de cana-de-açúcar, 80% a mais do que o segundo maior produtor mundial, a Índia. Somos os maiores do mundo! Mas o melhor ainda pode estar por vir.

A partir das espécies do “capim alto”, do gênero Saccharum, pode ser obtido o combustível do futuro. Tudo indica que não será lógico ou economicamente possível à humanidade, nos próximos 100 anos, abrir mão de nenhum tipo de transporte individual e universal de médio e pequeno porte. Os volumes já investidos na infra-estrutura e o formato de nossas tecnologias impedem-nos.

Além das dificuldades de abandonar a infra-estrutura existente, tem-se que, para a demanda mundial, as limitações físicas das alternativas tecnológicas (células combustíveis, motores a hidrogênio, fotovoltaicos de alta eficiência e outros) impedem esta escala. Combustíveis em estado líquido, com concentração energética adequada e preferencialmente “limpos”, são os queridinhos dos próximos 100 anos.

O passado não dita necessariamente o futuro, mas lança suas bases. E nesta questão, em particular, duas outras vertentes se dão às mãos para formatar o que vem por aí. Sempre teremos petróleo para usos finos e específicos, mas o consumo nas escalas atuais sofrerá instabilidades crescentes, seja na segurança do fornecimento, ou no preço.

Pesa ainda sobre a cabeça dos governantes, a espada de Damocles das mudanças climáticas globais: a incômoda evidência dos fenômenos meteorológicos extremos, que crescem em intensidade, freqüência e abrangência. Depois dos furacões de 2000 a 2005, o crescente custo dos seguros é o reflexo mais visível de que mudanças climáticas de longo prazo são fato real na formação de preços.

Na economia nervosa e interligada do futuro, os operadores terão que levar em conta que cada litro de combustível fóssil terá um custo maior, por causar desertificação, perda de terras agricultáveis ou tormentas extremas do outro lado do mundo. Ou seja, cada tonelada de CO2 que o etanol evita, pode receber um bônus extra pela redução de custos, em variáveis econômicas que são externas ao seu sistema de produção.

As externalidades econômicas ou ambientais podem ser traduzidas para efeitos do comércio e dos preços, basta que os acordos comerciais reflitam aquilo que o funcionamento físico-químico da natureza já determina. O Protocolo de Quioto é um pequeno exemplo de como estas “trocas” tendem a ser operacionalizadas nas economias.

Outra variável que afeta localmente o setor sucroalcooleiro no Brasil é a chamada sustentabilidade social, cuja importância cresce e influencia a rentabilidade das cotações - seja nas ações ou nos produtos diferenciados. Os tempos futuros serão marcados pelos combustíveis corretos - social e ambientalmente. Para o “homo-automobilis” é menos arriscado diversificar o combustível dos carros, que tentar eliminar o próprio conceito do carro.

Quioto é apenas um passo inicial. Não é otimista pensar que outros acordos globais de redução de gases de efeito estufa virão e que os atuais compromissos serão expandidos, firmando o mercado de carbono. Quioto não é bem uma gafieira, mas, por várias razões, os que estão de fora precisam entrar e os que estão dentro não têm jeito de sair.

Com a tonelada equivalente de carbono evitada sendo comercializada na faixa de 8 a 14 euros, até os que comercializam petróleo querem entrar. Nos países com compromisso de redução pelo Protocolo de Quioto, a gasolina substituída por etanol importado do Brasil pode ser considerada redução adicional e válida. Está formado o paraíso de toda a indústria canavieira: japoneses e europeus - ávidos por cumprir suas cotas de redução de gases de efeito estufa - compram a energia limpa e liquidamente exportável do etanol das eficientes usinas brasileiras, para misturar à gasolina.

A demanda aquecida destrava o nó dos investimentos e viabiliza a expansão da produção. Mas, em nosso presente, também podem ser encontrados os brotos de um pesadelo em berço esplêndido: apesar de reservas de água, sol e solo, o Brasil pode ser superado na sua vantagem tecnológica de usinas de etanol de grande porte, devido aos poucos investimentos em tecnologia industrial e agrícola.

Não devemos esquecer que estes nossos futuros consumidores, aliados aos seus governos, já buscam outras soluções, encharcando o problema com grande quantidade de dinheiro e inteligência, até que surja um salto tecnológico que caiba nos climas temperados. Se não fizermos o mesmo, perdemos a vez e a vantagem inicial.

Outro risco é que, por falta de incentivos econômicos, nossa pecuária não alcance uma maior eficiência (quilos de carne por hectare) e, ao invés de podermos transformar pastos de baixa produtividade em lavouras de combustível, isto venha a ser feito sacrificando-se a sustentabilidade dos nossos biomas, ainda não explorados economicamente.

Ou ainda, por falta de responsabilidade social na sua produção, o etanol brasileiro passa sofrer restrições comerciais. É limpo no ambiente, mas deve ser limpo também no social. Nesta rota, recomenda-se que estejam presentes dois dos oito objetivos do Milênio, globalmente acordados pelas nações na ONU: a sustentabilidade ambiental e a redução da pobreza.

A opção estratégica e inteligente é implementar esta nova indústria de biocombustíveis com estes condicionantes, uma vez que nela podemos exercer a opção de distribuir riqueza e harmonizar desenvolvimento com sustentabilidade ambiental. A transformação agrícola-industrial, que ocorreu no programa do álcool no Brasil, foi subsidiada e partiu da mesma aversão à dependência de um barril de petróleo, na época a 40 dólares.

Com um percurso de erros, acertos e consumidores traídos, as instabilidades atuais do petróleo dão-nos o gostinho de país vencedor: “tá vendo como estávamos certos? Apostamos no álcool e aí está o flex, que confirma tudo!” Ops, será que um engano virou um acerto? Na verdade, não importa. O que importa é saber que não se pode baixar a guarda.

A promessa crível de uma nova commodity universal e de uma posição de liderança no mercado de combustíveis líquidos internacional exige empresários e parcerias de governo audaciosos e atentos. Exige dos produtores a observância de elementos que vão além de preço e garantia e que nortearão as escolhas dos consumidores sofisticados do futuro: responsabilidade ambiental e social, tanto global, quanto local.