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Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas

Op-AA-18

Estamos diante de uma oportunidade raríssima: liderar um projeto mundial

Este momento é fundamental para a tomada de visão em direção a decisões para o agronegócio sucroalcooleiro brasileiro e global. Tenho viajado bastante pelo mundo, defendendo a necessidade da criação do mercado de etanol, com a certeza de que ele será criado, porque, de acordo com a Agência Mundial de Energia, a demanda por combustíveis líquidos crescerá 55%, nos próximos 30 anos, e, seguramente, o petróleo não terá condição de atendê-la com preços compatíveis.

Há uma expectativa, realmente formidável para os biocombustíveis, dentre os quais, o etanol tem um papel relevante. Mas, o mercado ainda não existe. No período que estive no governo, antes e depois, fiz viagens freqüentes a diversos países, tentando abrir o mercado. Chegamos a constituir com o governo japonês um acordo de estudo sobre o assunto, que deu origem ao acordo da Petrobras com a Mitsui.

Trabalhamos também, muito fortemente, as oportunidades que existem entre Brasil e Estados Unidos, mas mercado mesmo, nada. Depois de várias visitas ao Japão, ouvi de um ministro japonês uma frase definitiva, em relação a esse assunto. Ele falou: “não vamos nunca substituir a nossa dependência de gasolina da OPEP por álcool do Brasil.

Enquanto não houver segurança de abastecimento, de álcool, mais países produzindo e a possibilidade de operação em Bolsa em todo o mundo, não temos confiança em criar a dependência do etanol brasileiro.” A partir disso, passei a trabalhar, insistentemente, nessa temática. Hoje, na Fundação Getulio Vargas, acabamos de vencer uma concorrência internacional, organizada pela OEA e pelo BID, para divulgarmos o etanol nos países do Caribe.

Já estamos fazendo projetos para três países e existem outros dez interessados. Hoje, estou absolutamente convencido de que o mercado só será criado, de maneira consistente, quando mais países estiverem produzindo, para que haja uma commodity referida no mundo todo, com todos os mecanismos de certificação, qualidade, padronização, etc.

Outros temas fundamentais para que o mercado seja criado, como a mistura compulsória, como uma estratégia global que até hoje não existe, que tem que nascer de uma estratégia nacional, que também não existe, e tudo isso, passa pela eliminação dos mitos que cercam hoje a questão do etanol.

Mais países produzindo abrirão, para o Brasil, um cenário muito maior do que a exportação de etanol. Abre a condição para se exportar usinas inteiras, com tecnologia, conhecimento, know-how, motor flex, logística, pesquisa e experimentação e tudo que aprendemos nos 30 anos de etanol no Brasil. Podemos vender com grande competência para todo o mundo tropical, de forma a mudar a geopolítica mundial.

Esse é o tema mais importante na questão da agroenergia. Qualquer país pode produzir comida, inclusive, em estufa. Já agroenergia e biocombustível, não. Só se houver muito sol, o que acontece entre os dois trópicos, na América Latina, em toda a África e na Ásia mais pobre - que serão os produtores da commodity mais importante do século XXI: a energia, seja biocombustível, bioeletricidade, pellets de bagaço; e o que for para aquecer os países desenvolvidos, ao norte do Trópico de Câncer.

Eu tenho paixão por este tema. Lembro-me que participei de uma reunião de advogados ambientalistas, em Nova York, para falar sobre o etanol. Fui informado que eles eram contra o etanol. Fui preocupado, porque falo inglês igual ao Tarzan. Preparei-me muito bem e fiz uma palestra muito técnica, mas estava preocupado e resolvi abrir o jogo.

Falei que havia sido informado que eles eram advogados ambientalistas, contrários ao etanol, porque achavam que íamos derrubar a Amazônia, provocar a falta de comida, e essas coisas que dizem sempre. Então, contei uma historinha para empatar o jogo e melhorar a situação: “O Papa e o advogado estavam em um automóvel viajando pela estrada, sofreram um acidente e morreram. Os dois foram para o céu e, chegando lá, o advogado, mais esperto, passou na frente.

São Pedro estava esperando e disse: ‘Doutor, bem-vindo, aquele palácio com piscina aquecida, quadra de tênis, anjinho para catar bolinha, uma cozinheira baiana que é um espetáculo, música, uma maravilha, tudo reservado para o senhor. Nós o aguardávamos. Seja bem-vindo ao céu’. O advogado foi para o palácio e o Papa veio em seguida. São Pedro então falou: ‘Papa, aquela casinha lá é para você’, e o Papa perguntou: ‘O advogado ganha um palácio daqueles, eu sou o Papa e você vai me dar uma casinha?’. São Pedro respondeu: ‘De Papa o céu está cheio, mas advogado é o primeiro que chega’”.

Eles não acharam tanta graça, mas eu empatei o jogo. Fiz uma palestra para desmistificar o etanol e o que se fala sobre a Amazônia. Tive ajuda do Caio e do Marcos Jank. Esgotei o temário todo e fui aplaudido de pé. O Presidente da Associação dos Advogados foi até a mesa e disse que eu os havia convencido. Achei que ninguém teria perguntas a fazer, mas eis que uma mocinha se levantou-se e disse ter uma amiga no Brasil que lhe falara que, de madrugada, o carro a álcool não pegava.

Expliquei tecnicamente que isso acontecia há 30 anos. Ela retrucou dizendo que o álcool corroia o motor. Novamente, disse que isso era coisa do passado e que alguns componentes foram trocados. Na terceira vez que ela falou da tal amiga, a platéia deu uma risadinha e senti firmeza para brincar e disse: “Antes que você continue, posso dar dois conselhos? Primeiro, mude de amiga no Brasil, pois deve fazer uns 30 anos que ela não lê o jornal.

Segundo, tenho 65 anos de idade e faz, pelo menos, 50 que todo domingo, sem falta, eu tomo um copinho de etanol, com açúcar, limão e gelo, o que chamamos de caipirinha, no Brasil. O que você vê aqui? Um modelo velho, superado, antigo para chuchu, com a lataria toda estragada, mas o motor está em ordem, bom e sem aditivo, por enquanto. Quero lhe fazer uma proposta: durante 6 meses, tome, todo domingo, um copo de gasolina, e, se não fundir o seu motor, eu encerro esse assunto”.

A conversa acabou. Dentro de 4 anos, o bagaço de cana, no Brasil, produzirá eletricidade equivalente a uma Itaipu. Isso dá uma dimensão da importância desse produto no futuro em curtíssimo prazo, na matriz energética brasileira, que é um modelo para o mundo inteiro. Na matriz energética do estado de São Paulo, 17% já vem da cana-de-açúcar, o que é um dado fundamental, tendo em vista o futuro que vem vindo.

Vamos dobrar a produção de etanol por hectare e usar, com as novas tecnologias, bagaço e folhas de cana para a mesma finalidade. Para acompanhar o progresso desejável para geração de pleno emprego, precisamos produzir uma Itaipu a cada 4 anos, o que é um desafio realmente portentoso e que não sei se estamos estrategicamente preparados para isso.


Com relação aos Contratos de Etanol da BM&F, gostaria de ressaltar dois temas. O primeiro é a questão da garantia, da segurança que se tem, trabalhando com o mercado futuro, no processo de entrega física do produto - o que não é muito comum na BM&F, por causa da aderência entre o preço de mercado e o preço dos contratos.

Outro ponto que considero fundamental é que a Petrobras está com uma linha claramente definida de qualificação e padronização para transformar esse produto em uma commodity mundialmente comercializada. Precisamos trabalhar cada vez, com mais vigor, para que a referência seja a BM&F, por isso me encanta saber que os contratos são em metros cúbicos ou litros e não em galões, que é uma medida completamente “desgalonada” para o negócio do etanol.

Quanto ao trabalho de padronização e certificação desenvolvido pelo Inmetro, quero observar o cuidado com o qual estes temas têm sido conduzidos. São assuntos diferentes e importantes. Na Padronização, temos que definir, em termos globais, que o etanol não é tão complicado quanto o biodiesel que conhecemos.

A certificação é mais complexa, porque tem que ser tratada em parceria com o setor privado, e é assim que o Inmetro está fazendo, atendendo ao interesse global, mas com ênfase no nosso interesse, e não ao interesse global, com ênfase no interesse do comprador. Não podemos ter uma certificação que considere, sobretudo, a questão da sustentabilidade e que impeça de plantar cana no Brasil. Acredito que estamos trilhando um bom caminho.

Com relação ao aquecimento global, algumas pessoas acreditam que é uma questão inequívoca. E é mesmo. Basta olhar a televisão todos os dias para observarmos isso. Parece-me que também existem dois pontos relevantes sobre esse assunto. O primeiro é que o biocombustível, particularmente o etanol, representará uma parte da solução. Ninguém tem a pretensão de fazer dos biocombustíveis uma solução, uma panacéia do aquecimento global.

Obviamente não, mas, sem dúvida, ser uma parte da solução já é um grande estímulo. Gostaria que todos os setores envolvidos dessem uma atenção especial ao tema do MDL. O que o álcool representa, em termos de redução de emissões, vis-à-vis as emissões a mais, por causa de transporte, dentre outros? Qual é o saldo que o álcool representa e quanto disso pode ser rebatido para cana-de-açúcar, de tal forma que o fornecedor de cana também participe desse processo?

Esse é um tema que precisamos conversar juntos - os fornecedores, os usineiros e as academias, para encontrar a solução dessa equação. É preciso colocar um pouco de dinheiro nisso, fazer as contas, para trabalhar na direção do processo que pode ser um fator de liberação para cadeia produtiva, como um todo, e que está avançando muito positivamente.

Quando se fala em profissionalização do setor, há de se destacar os trabalhos articulados, como o da Brenco, em que se percebe a clara estratégia de dimensão mundial que possui, colocando como direção das suas operações o tripé custo-confiabilidade-sustentabilidade, que é, de fato, o tripé da sobrevivência econômica.

Estive em um congresso interessante, em São Petersburgo, e assisti à uma palestra de dois cientistas da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, em que expunham que, na economia globalizada, as pessoas que detêm o conhecimento têm, no conhecimento que possuem, sua fonte de sobrevivência. Quanto mais eles conhecem mais que os outros, mais se tornam indispensáveis e, portanto, vivem melhor, vendem o seu conhecimento melhor.

Nesse modelo de economia globalizada, as empresas correm o risco de ter estrelas que sabem tudo sobre pouco, e não contam tudo sob pena de perderem seu privilégio do conhecimento. Então, diziam eles que, em um futuro de curtíssimo prazo, um dos funcionários mais importantes do empresariado mundial será o psicólogo, que vai conseguir arrancar, de cada um, o máximo que eles sabem para que a empresa ganhe o máximo possível.

Quando meu pai ficou bem velhinho, começou a falar barbaridades e a gente falava que ele estava perdendo o controle, então ele disse: “Não, meu filho, agora estou em uma idade que falo só o que eu quero, quem quiser escute, quem não quiser, não escute”. Eu ainda não cheguei lá, mas, hoje em dia, falo com transparência.

Toda vez que via uma notícia no jornal sobre política econômica e que tinha um comentário positivo sobre bancos, não queria nem ler a notícia. Eu era contra por definição. Sempre que a Petrobras falava alguma coisa sobre álcool, eu ficava contra. Eu não gostava da Petrobras, achava que tinha atrapalhado o Proálcool, por isso tinha muita raiva. Não estamos advogando o fim do petróleo. O que vai haver é um petróleo muito caro e a questão ambiental que ele provoca, ou seja, alternativas serão muito bem-vindas.

Sempre achei que no dia em que as empresas de petróleo convencerem-se de que seu império não durará muito tempo e quanto mais rápido associarem-se aos biocombustíveis, mais rápido faremos a parceria do império, coordenado no Brasil pela Petrobras. E é o que está acontecendo hoje. A Petrobras interessa-se pelo assunto, é uma parceira. E essas foram diretrizes que tracei quando estava no Governo, como Ministro da Agricultura. A Petrobras incorporou essas diretrizes em uma parceria que acho muito importante.

O Plano Açúcar, há 30 anos, tinha um projeto chamado “Produção de Cana e Alimentos”, que era gigantesco, um grande projeto nacional, que produzia abobrinha e feijão no meio da cana. Tem um memorial ótimo sobre esse assunto na UFSCar, no campus de São Carlos, que eu sugiro que vocês consultem. Não sei se vale a pena premiar a ineficiência de 70% do açúcar, ao invés de 98%, e plantar outra cultura no meio. É preciso olhar isso do ponto de vista da agronomia e fazer as contas.

Temos o CTC, a Embrapa e o Instituto Agronômico em Ribeirão Preto - uma Estação Experimental formidável, com gente que estuda a tecnologia de cana há décadas. Então façamos essa parceria, conversando com quem já trabalha nesse assunto. Tenho um pouco de medo de que a Petrobras queira plantar cana e biodiesel, e ficar com aquela conversa da formiguinha com o elefante.

Estou começando a gostar da Petrobras, mas é um otimismo moderado. Acredito que não é papel da Petrobras plantar biodiesel, mas vamos conversar, vamos fazer negócios juntos. Minha preocupação recorrente é a de que, por exemplo, a Petrobras tenha uma diretriz, o Inmetro tenha outra, a Brenco e a BM&F também; mas não conversem entre si.



Esse Fórum mostra, mais uma vez, a importância da definição de uma estratégia nacional de biocombustível, que nos permita liderar uma estratégia global para a criação de mercados de etanol com produção econômica. Quanto etanol o Brasil quer produzir? Ninguém sabe; existem diferentes números. Temos que estabelecer uma meta.

A Petrobras tem a visão clara de quanto pretende exportar por ano. A Brenco tem a visão de 10% da produção no Brasil. Mas e os outros? Como isso está sendo trabalhado e articulado? Quanto para o mercado interno? Quanto para o mercado externo? Ouvi do Dr. Carlos Genésio da Fonseca uma proposta genial, de que a indústria automobilística passe a exportar apenas carros flex, para se criar uma demanda, ainda que escondida.

São temas dessa natureza que precisamos estabelecer, definir um sistema de produção, já que cada instituição tem um modelo de produção agrícola diferente, que é a base do processo. Estamos vivendo um momento de crise no setor, mas todas as usinas são novas. Existe algum erro nesse processo que precisamos resolver. Temos que discutir claramente a questão de quem paga sobre a estocagem, a quem interessa essa estratégia, porque o produtor não pode jogar álcool fora para fazer caixa em um tempo indevido.  

Vejo a Petrobras estudando tecnologias na área de etanol celulósico, o que é excelente, mas eu criei na Embrapa um Centro de Agroenergia para fazer isso. Também existe na Esalq um Centro de Biocombustíveis para tratar desse assunto. A Petrobras está conversando com a Embrapa e com a Esalq? Esses centros precisam andar juntos.

Presido o Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e estamos trabalhando na fase final da criação da primeira SPE, uma Sociedade de Proposta Específica para Agroenergia. Precisamos que todos os interessados estejam conosco para investir o mesmo dinheiro no mesmo projeto, senão ficamos em um país pobre, dividindo recursos.

A área de Recursos Humanos é importantíssima, não existem agrônomos nem engenheiros químicos disponíveis para usinas de álcool, o que é um problema. Montei na FGV o primeiro mestrado stricto sensu em Agroenergia do mundo, um negócio inédito, de uma parceria entre a FGV (responsável pela gestão), a Esalq (responsável pela tecnologia) e a Embrapa (responsável pela área de ciências).

Três instituições desse peso, juntas, em um mestrado que é, hoje, considerado o melhor mestrado da FGV. Acredito que precisamos colocar mais gente para formar um chapéu pensador desse processo no Brasil, que pensem em todas as variáveis e olhem adequadamente o conjunto de uma estratégia nacional. A comunicação é um outro problema.

A Unica está fazendo um projeto espetacular de comunicação, informando o mercado, e que tem que se expandir para o mundo. Fui a uma palestra para investidores estrangeiros em biocombustível, em Foz do Iguaçu, convencê-los de que não iremos derrubar a Amazônia e não vai faltar comida. Aliás, essa é uma conversa que eu tenho que colocar na testa, porque todo dia tem alguém me perguntando sobre esse assunto.

A questão da tributação ainda não está resolvida. Falaram-me que, pelo menos um terço dos carros flex, no Brasil, nunca colocou um litro de álcool no tanque, porque, em certos estados, o imposto é tão alto que não viabiliza a competição com a gasolina. Esses são temas que implicam em uma importante estratégia e eu tenho proposto, insistentemente, que se crie uma Secretaria Executiva de Biocombustíveis, em que Petrobras, ANP, Embrapa, Enemet, Inmetro, ANA e os 11 Ministérios cuidem de etanol no Brasil, e que conversem para que se tenha uma estratégia nacional.

Sugeri no Fórum do ano passado, e torno a sugerir, que se trabalhe para a formação de uma Secretaria de Agroenergia, que seria, certamente, mais importante do que um Ministério da Pesca. Precisamos ter uma estratégia. Estamos diante de uma oportunidade raríssima do país liderar um projeto mundial que mude a matriz energética e a geopolítica mundial, trazendo riquezas para os países pobres. Isso é fantástico, não é um romance, é mudar a realidade, mas se não temos a nossa própria estratégia, como vamos liderar uma estratégia global?

Tudo é relativo na vida, o importante é que o motor funcione bem. Lembro-me que quando tinha 12 anos, fiquei nervosíssimo, porque meu pai tinha feito 40 anos. Eu achei que ia ficar órfão, que meu pai estava velho demais e ia morrer. Agora tenho um filho de 40 anos, que é um moleque ainda. Precisamos pensar que ainda há muito por caminhar. Temos hoje, nas mãos, uma jóia de excelência, o biocombustível, e não podemos perder a oportunidade de montar o cavalo que vem passando aí na curva, enquanto a gente está jogando truco.