Me chame no WhatsApp Agora!

Plinio Mário Nastari

Presidente da Datagro Publicações

Op-AA-19

Este setor já sofreu crises piores...

Não devemos minimizar o impacto e os efeitos da atual crise mundial de liquidez. O setor sucroalcooleiro brasileiro tem um estoque de dívida elevado. O endividamento é, em grande parte, de curto prazo, e a falta de liquidez tem impedido a renovação de linhas de financiamento nas mesmas bases em que vinham sendo contratadas e renovadas, no que tange a custo e volume de garantias.

O setor sofre com o elevado custo do crédito, que passou de 6% a 8% ao ano, para uma faixa entre 21 e 25% ao ano, em reais, superior à capacidade de geração de resultados na atividade de produção de açúcar e álcool. Aliás, dificilmente deve existir alguma atividade econômica, com esta escala e grau de competição entre agentes ofertadores, capaz de suportar e remunerar custo de capital nestes níveis.

Os efeitos desta crise não serão pequenos. Antes dela, a concentração do setor já tinha mudado: na safra 2008/09 estiveram em operação, no Brasil, 400 plantas processadoras de cana-de-açúcar e produtoras de açúcar e álcool. Estratificadas em grupos com mais de um milhão de toneladas de cana processada por safra, observamos que não é tão grande o número de grupos produtores com esta escala de produção, que pode ser considerada hoje relativamente pequena.

São apenas 79 grupos de produtores com escala igual ou superior a 1 milhão de toneladas de cana processada por safra, mas que correspondem a 70% da moagem total. Existem outras 80 usinas com escala inferior a 1 milhão de toneladas de cana moída, e que correspondem a 30% da moagem total. Estes números revelam um grau de concentração do qual poucos haviam se dado conta.

Quando se considera que o maior grupo produtor – a Cosan – detém cerca de 8% da moagem do país, e que o segundo colocado detém pouco mais de 3%, tem-se a impressão de que a concentração é pequena, comparada a outros setores importantes, onde o primeiro colocado responde por uma fatia de mercado de 30% ou 40%, e assim por diante. A atual crise deve, no entanto, aumentar ainda mais a concentração.

Outros efeitos da crise devem estar ligados a esforços mais intensos na direção de redução de custos, maior mecanização de atividades agrícolas no plantio e na colheita, e maior integração de atividades entre unidades produtoras, através do modelo de agrupamentos. Um maior realismo deverá ser observado no mercado de trabalho, com uma reversão da tendência anterior de supervalorização da mão-de-obra especializada, em que gerentes industriais e agrícolas passaram a ser disputados a tapas entre novos entrantes e grupos tradicionais dentro do setor.

No entanto, é preciso reconhecer que enquanto setores importantes da economia estão enfrentando queda de preços simultaneamente a uma queda de demanda, no caso do setor de açúcar e álcool a realidade é bem diferente. Esta combinação de preço e demanda em queda tem se mostrado quase mortal para setores importantes como mineração, siderurgia, papel e celulose, automobilístico, e muitos outros.

Ao contrário do que se observa como regra geral nestes setores de base, a demanda por sacarose continua em alta. A demanda por açúcar para exportação continua crescendo, alimentada pelo fato de termos entrado em um período de, no mínimo, dois anos de déficit no mercado mundial. No ano comercial de 2008/09, que no mundo transcorre de outubro a setembro, a expectativa é de que o déficit seja de 3,8 milhões de toneladas de açúcar.

No ano seguinte, de 2009/10, a se iniciar em outubro de 2009, as previsões apontam para um déficit entre 5 e 5,5 milhões de toneladas. Além do açúcar para o mercado externo, a demanda por álcool no mercado interno deverá crescer na safra 2009/10, estimados 2,1 bilhões de litros, o que será mais do que suficiente para compensar uma provável redução das exportações de álcool, estimada em 1,4 bilhão de litros.

Esta demanda marginal já leva em conta uma esperada redução no volume de vendas de carros, em 2009, de 21% sobre o ano anterior. A esperada redução nas exportações de álcool deve ocorrer por conta da queda no preço da gasolina no mercado mundial, e pela alteração da regra de importação de álcool anidro pelos Estados Unidos, no regime de drawback, que viabilizou a entrada de mais de 1,5 bilhão de litros de etanol anidro brasileiro, exportados diretamente aos Estados Unidos, em 2008.

Portanto, a demanda por produtos da cana-de-açúcar na safra brasileira de 2009/10 continua crescendo. É certo que a falta de liquidez deverá afetar o capital de giro, e a capacidade de estocagem de muitos produtores, mas o segredo desta safra será o de gerar este capital de giro com as exportações de açúcar e de álcool, evitando vender etanol no mercado interno a preços que podem ser depreciados pela competição e oferta simultânea em grandes volumes.

A volatilidade de preços deve ser maior, mas o preço médio pode ser maior, basicamente porque a oferta marginal deverá ser menor do que a demanda marginal. Menor aplicação de adubo e defensivos não deve deixar incólume o rendimento agrícola. Menor renovação de lavouras deverá impactar a safra de 2010. Em 2010, as exportações de álcool não vão cair novamente, ao contrário, devem voltar a crescer, impulsionadas pelos mandatos de uso de combustíveis renováveis, aprovados e em implementação nos Estados Unidos e na União Européia. A demanda por etanol no mercado interno vai continuar exigindo aumento de produção, e o mundo vai continuar exigindo mais açúcar do Brasil para exportação, em particular a partir do final de 2009.

Neste momento, no limiar da safra 2010/11, os produtores brasileiros irão se debruçar novamente diante do dilema de produzir açúcar ou álcool. Os preços relativos ditarão a direção. Novamente, a oferta marginal deverá ser menor que a demanda marginal. Portanto, a crise é séria, sim. Não deve ser menosprezada, pois alguns, ou muitos, infelizmente, ficarão pelo caminho, embora a usina raramente “acabe”, apenas muda de mão, como alça de caixão.

Mas, esta crise é, infinitamente, menos crítica e abrangente do que foram as crises de 1989/90 e de 1999/00. Em 1989/90, a indústria era ainda altamente regulada pelo governo, que fixava preços para cana, açúcar e álcool 30% a 40% abaixo do custo médio de produção. Embora a demanda estivesse em crescimento, e em excesso, esta realidade não conseguia se traduzir em preços remuneradores, capazes de estimular aumento da oferta.

A consequência foi absolutamente previsível. A oferta só veio a crescer pelo impulso dado pelas exportações de açúcar, privatizadas com a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool. Em 1999/00, a indústria teve preços e comercialização de álcool totalmente liberados, sem haver, ainda, uma estrutura privada de comercialização.

Os produtores tinham também dois meses de consumo em estoque na virada da safra, e o preço do anidro caiu para 17 centavos de Real por litro, e o do hidratado para 14 centavos o litro, enquanto o custo médio era de 47,5 centavos por litro. Em cima disso tudo, houve uma seca terrível. A combinação de menor aplicação de adubo e seca fez com que a produção caísse 17,5% em um ano. Não era sustentada a taxa de crescimento que este setor vinha observando nos últimos três anos, entre 12% e 13,5% ao ano.

A Datagro considera que a taxa de crescimento sustentada, alinhada com as previsões de expansão de demanda interna e externa, seja entre 7,5% e 8% ao ano. Nas próximas duas safras já devemos verificar uma taxa de expansão alinhada com esta realidade. Enquanto isso, o setor vai ganhar mais força, vai ficar mais competitivo, vai se consolidar ainda mais no mercado mundial, vai ganhar robustez. Ele só vai ficar menos interessante do ponto de vista de relacionamento interpessoal, pois a concentração vai reduzir muito o número de interlocutores.