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Hugo Bruno Correa Molinari

Pesquisador da Embrapa Agroenergia

Op-AA-17

Metagenômica: uma nova ferramenta biotecnológica

Colaboração: Betânia Ferraz Quirino

A crescente demanda por matérias-primas renováveis, alternativas aos combustíveis fósseis, gera, por razões políticas, econômicas e ambientais, um novo desafio à agricultura mundial e em especial à brasileira. Com clima favorável, dimensões continentais e extensas áreas agricultáveis, o Brasil, além de produtor de destaque de alimentos, agora tem por desafio consolidar-se como líder no mercado de agroenergia, como fornecedor de combustíveis renováveis e novas tecnologias nesta área.

Nesse cenário, a cultura da cana tem um papel fundamental para atender à demanda mundial por etanol. O etanol é um produto que possui alta competitividade no mercado internacional. Nesse sentido, o Brasil tem realizado enormes esforços para fomentar a expansão da cultura de cana em outros países, de tal maneira que, com o aumento da produção mundial, o etanol venha a consolidar a sua condição de commodity.

Apesar do sucesso do Brasil, em 2006, os EUA assumiram a liderança na produção de bioetanol. A retomada da liderança dependerá do desenvolvimento de novas tecnologias e avanços nas tecnologias já utilizadas. Entretanto, ainda há espaço para melhorias nos processos industriais e fatores de produção. A descoberta de novas enzimas hidrolíticas pode contribuir, sobremaneira, para aprimorar os processos utilizados na indústria de produção de álcool.

Tradicionalmente, a produção de etanol é feita por leveduras capazes de realizar fermentação alcoólica. Para isso, os açúcares solúveis no caldo da cana têm sido a principal matéria-prima utilizada pela indústria brasileira. Atualmente, novas alternativas de matérias-primas, como o amido e a celulose, têm sido buscadas para este fim.

A fabricação de bioetanol a partir de amido tem sido criticada, pelo fato de competir com o mercado de produção de alimentos. Por outro lado, a celulose, por ser o carboidrato mais abundante na natureza, apresenta-se como candidato potencial para este fim, disponível tanto no bagaço da cana, quanto na forma de resíduos, como p.ex. os florestais. O processo de fabricação de bioetanol a partir da celulose precisa ainda ser otimizado, para que se torne economicamente viável. Atualmente, o processo consta das seguintes etapas:

1. aumento da área de superfície do substrato;
2. pré-tratamento por processo físico ou químico, para reduzir ainda mais o tamanho das partículas;
3. hidrólise da celulose e hemicelulose, e
4. separação da lignina e fermentação das hexoses e pentoses fermentescíveis para produção de etanol.

A utilização de enzimas hidrolíticas durante a fase de pré-tratamento, bem como para a hidrólise de celulose, oferece vantagens econômicas, devido às condições amenas, onde as enzimas são capazes de atuar. Entretanto, catalizadores biológicos precisam ser melhorados, visando ao aumento da taxa de hidrólise e eliminação de inibições ocorridas pelas impurezas do material e produtos da reação.

Genes que codifiquem enzimas com propriedades interessantes podem ser patenteados e incorporados às leveduras, por meio de transformação genética. Alternativamente, estes genes podem ser utilizados na produção de plantas transgênicas, que apresentem características facilitadoras de alguma etapa do processo de produção do bioetanol.

Tradicionalmente, os microrganismos são as fontes de enzimas utilizadas na indústria. Entretanto, com o advento de novas tecnologias moleculares, menos de 1% dos microrganismos foram cultivados em laboratório. O potencial dos outros 99% dos microrganismos permanece inexplorado. A metagenômica é uma abordagem que se utiliza da biologia molecular para acessar os genomas e, em conseqüencia, o potencial biotecnológico de microrganismos não cultivados.

Para fazer isto, o DNA genômico da comunidade microbiana é extraído de uma amostra ambiental de interesse e este é clonado em vetores apropriados. Após transformação dos vetores em célula hospedeira, geralmente Escherichia coli, os clones gerados são triados em relação à produção de atividades enzimáticas de interesse.

A abordagem metagenômica tem tanto potencial que o Dr. Craig Venter, mais conhecido pela sua participação no seqüenciamento do genoma humano, utilizou mais de US$ 100 milhões, de seu próprio bolso, para financiar um projeto de estudo da biodiversidade, no mar do Sargasso. Várias empresas privadas também têm investido na abordagem metagenômica, para exploração de comunidades de microrganismos.

Assim, a metagenômica é a mais avançada abordagem da microbiologia, para exploração biotecnológica de microrganismos. O Brasil apresenta enorme biodiversidade de sua flora, fauna e microbiota. Neste contexto, a busca de enzimas hidrolíticas de interesse da indústria sucroalcooleira, através de uma abordagem metagenômica é extremamente estratégica.

Atualmente, a Embrapa Agroenergia está realizando projetos em rede, que prevêem a busca destas enzimas em solo da Amazônia e em rúmen de caprinos. Solos, devido à sua heterogeneidade de microambientes, possuem, tradicionalmente, grande biodiversidade de microrganismos. O rúmen, por sua vez, é um ambiente microaerófilo ou anaeróbico, onde há degradação dos componentes da parede celular vegetal, proveniente da dieta do animal.

São os microrganismos presentes no rúmen que possuem enzimas hidrolíticas, como celulases, hemicelulases, xilases, β-xila-nases, arabinofuranosidases, glucano-hidrolases, endoglucanases, lacases e peroxidases, capazes de decompor a parede celular. Microrganismos microaerófilos e anaeróbicos exigem técnicas especiais microbiológicas para sua manutenção e propagação e, por isto, são menos estudados que os aeróbicos. A metagenômica é uma estratégia inovadora na área de microbiologia da biomassa, que poderá gerar tecnologias de grande impacto econômico para o setor sucroalcooleiro.