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Manoel Regis Lima Verde Leal

Diretor do CENEA - Centro de Energias Alternativas e Meio Ambiente

Op-AA-15

O futuro da cogeração no longo prazo

Na grande expansão pela qual passará o setor sucroalcooleiro no Brasil, até mais ou menos 2015, o modelo tecnológico das novas usinas e a manutenção de São Paulo como o grande produtor parecem estar definidos. A partir desta época, é provável que algumas das tecnologias emergentes de produção de etanol, as chamadas de segunda geração, já estejam entrando em fase comercial; estas tecnologias utilizarão os resíduos da cana-de-açúcar, bagaço e palha, para produzir mais combustível líquido e energia elétrica, a partir da mesma cana processada na tecnologia convencional.

Outras regiões também começam a aparecer no cenário de produção com muita força. Assim, é importante fazer algumas considerações sobre as perspectivas de longo prazo, especialmente em relação à cogeração. Para uma visão de longo prazo, é interessante iniciarmos uma rápida análise do Plano Nacional de Energia 2030 - PNE 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, que reflete a visão e a expectativa do Governo, quanto à Matriz Energética Nacional no futuro, até 2030.

Os principais resultados de interesse do setor sucroalcooleiro estão resumidos na tabela. Alguns pontos da tabela e os parâmetros utilizados em sua elaboração merecem comentários:

 

  • A previsão do crescimento da produção de cana-de-açúcar é mais modesta que as estimativas do setor sucroalcooleiro; no cenário do PNE 2030, a marca de um bilhão de toneladas de cana seria atingida em 2025, enquanto que o setor prevê que esta produção seria alcançada, no mais tardar, em 2020.
  • O documento da EPE prevê melhorias tecnológicas nos sistemas de cogeração empregados, inclusive com a entrada da gaseificação de biomassa/ciclo combinada (BIG/GT), a partir de 2020, chegando a 2030 com 880 MW instalados, ou seja 13% da capacidade total. A produção de etanol por hidrólise, a partir do bagaço/palha, já começaria, timidamente, em 2010, e em 2030 já estaria consumindo cerca de 10% dos resíduos lignocelulósicos da cana.
  • Os ganhos de produtividade agrícola assumidos são muito modestos, pois representam apenas 7% no período de 2005 a 2030.
  • O recolhimento da palha previsto para 2010 como 5% parece otimista, enquanto a previsão de 20% para 2030 é muito modesta. Até 2020, a colheita de cana sem queima já deverá estar implantada em São Paulo e na maioria das regiões do país e várias tecnologias de segunda geração serão comerciais, estimulando o uso mais intensivo deste resíduo.

Como cenário de Governo, o PNE 2030 deve mesmo ser conservador em relação às energias alternativas, mas como um todo parece ser um documento sólido e elaborado com os necessários cuidados e competência. Do ponto de vista tecnológico, existem algumas potencialidades que precisam ser exploradas pelos impactos que teriam na cogeração nas novas usinas em implantação, ou mesmo na modernização das já existentes.

Destas, duas merecem destaque especial: o aumento de disponibilidade de biomassa da cana como combustível para geração de mais eletricidade e/ou produção de mais biocombustível e a redução drástica do consumo de vapor de processo, e o uso de tecnologias de segunda geração, para o processamento mais eficiente desta biomassa disponível. A busca pelo aumento da biomassa disponível deve envolver tanto o bagaço, como a palha. Reduções do consumo de vapor de processo em escalas inferiores a 300 kg vapor/tc podem levar a uma economia de bagaço real de, pelo menos, 50%, conforme mostrado em um estudo do Centro de Tecnologia Copersucar - CTC, hoje, Centro de Tecnologia Canavieira.

As usinas de açúcar de beterraba mais modernas na Alemanha e as destilarias de etanol de milho nos EUA apresentam consumo de vapor de processo abaixo deste nível e a indústria brasileira está capacitada a fornecer os sistemas e equipamentos necessários. A recuperação da palha em proporções superiores a 50% também foi demonstrada no referido estudo do CTC; porém, aqui a tecnologia de recolhimento, transporte, processamento, estocagem e uso da palha está embrionária e falta muito trabalho para chegar à escala comercial.

Os benefícios agronômicos da palha no campo precisam ser mais estudados e quantificados, mas baseado nos estudos preliminares é possível estimar que metade da palha possa ser recolhida e ainda assegurar a manutenção de grande parte destes benefícios. A metade do bagaço e da palha corresponde à cerca de um terço da energia primária da cana (ou 2500 MJ/tc) que hoje é desperdiçada e poderá ser eficientemente aproveitada pelas tecnologias avançadas.

Das tecnologias de segunda geração em desenvolvimento em vá-rios países do mundo, só temos levado em conta a hidrólise e, em menor escala, a gaseificação/ciclo combinado (BIG/GT), desprezando outras rotas termoquímicas com muito potencial, como a pirólise/reforma a vapor sem oxigênio/síntese catalítica e a gaseificação/síntese Fischer-Tropsch.

Estas tecnologias, além de serem energeticamente mais eficientes que a hidrólise, podem produzir uma grande variedade de biocombustíveis e produtos como o diesel, gasolina, álcoois, lubrificantes e outros, simultaneamente, com grandes excedentes de energia elétrica. A integração das tecnologias de primeira e segunda geração é perfeitamente possível e as usinas em projeto hoje devem levar em conta esta possibilidade no futuro.

Se isto for feito, o potencial estimado no PNE 2030 poderá ser excedido em pelo menos dez vezes. O setor sucroalcooleiro, em algum ponto do futuro, vai se dividir entre o modelo convencional de produzir açúcar e etanol, além de um pouco de energia elétrica, e um modelo totalmente energético, onde o etanol e a eletricidade serão os únicos produtos. Neste ponto, toda cadeia produtiva deve ser repensada, inclusive o melhoramento genético da cana. Mas, isto é outra história.