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Antonio de Padua Rodrigues

Diretor Técnico da Unica

Op-AA-29

O que, afinal, o país espera do setor sucroenergético?

Desde a introdução dos automóveis flex no mercado nacional em 2003, o setor sucroenergético apresentou trajetória ascendente, antes vista apenas no auge do programa Proálcool durante a década de 80. Até meados de 2008, o setor registrou crescimento médio de 10,4% ao ano. Mais de 100 novas unidades industriais entraram em operação nesse período, fazendo com que a produção de etanol aumentasse em mais de 12 bilhões de litros para suprir a demanda criada pelos veículos flex.

A crise financeira mundial de 2008 desacelerou os investimentos em novas unidades, e a taxa de crescimento da produção caiu fortemente para pouco mais de 3,5% ao ano. Nesse mesmo período, as vendas de veículos se mantiveram aquecidas, com a frota flex superando a marca dos 13 milhões de veículos. Gerou-se, assim, um descompasso entre oferta e demanda, que foi agravado por problemas climáticos inusitados nas duas últimas safras.

Uma das consequências mais visíveis desse cenário foi a forte oscilação de preços do etanol para o consumidor, com valores extremos especialmente no período da entressafra. Os preços elevados geraram diversas discussões em busca de culpados e de explicações para a brusca movimentação dos preços do etanol.

É preciso, entretanto, dividir esses questionamentos em dois grandes tópicos, separando os problemas sazonais ligados a preços e abastecimento daqueles estruturais, relacionados ao crescimento da produção.

Os primeiros, de curto prazo, estão sendo amplamente discutidos e possuem soluções menos complexas, que incluem a adoção de mecanismos pelo setor privado para ampliar os estoques de etanol, incentivos à pré-contratação de etanol anidro e maior interação entre agentes privados e entre esses e o governo, ampliando o nível de planejamento e previsibilidade para os estoques durante a entressafra.

Já os desafios de ordem estrutural associados à competitividade do etanol hidratado e, principalmente, ao nível de crescimento do setor exigem iniciativas de médio e longo prazo, muito mais amplas e coordenadas, envolvendo governos e o setor privado, que merecem uma discussão mais aprofundada.

Apesar da redução na taxa de crescimento do setor, as perspectivas para a cana-de-açúcar brasileira permanecem positivas no longo prazo, pois essa é a “máquina” mais eficiente do mundo para captar a única energia abundante e gratuita – a energia solar – e convertê-la em energia para veículos, energia, para as pessoas, na forma de açúcar, energia elétrica e em uma gama cada vez maior de produtos limpos e renováveis que vêm sendo desenvolvidos a partir dessa fantástica planta.

No caso do açúcar, o Brasil é um dos poucos países com potencial para ampliar a produção e suprir parcela significativa do mercado mundial, que cresce principalmente nos países em desenvolvimento e não encontra contrapartida em termos de oferta abundante e de baixo custo. Atualmente, o Brasil responde por 25% da produção e 50% das exportações mundiais.

O mercado internacional de etanol, por sua vez, apesar de estar engatinhando quando comparado ao do açúcar, apresenta taxas de crescimento significativas – cerca de 15% ao ano, com 105 bilhões de litros produzidos mundialmente em 2010. Dentro desse cenário, o etanol brasileiro produzido a partir da cana-de-açúcar ganha destaque nos Estados Unidos, principal mercado consumidor do planeta.

O programa americano de biocombustíveis prevê um consumo crescente de etanol, atingindo 136 bilhões de litros por ano em 2022. Desse total, 15 bilhões de litros serão de etanol avançado, classificação já obtida pelo combustível de cana-de-açúcar produzido no Brasil junto à Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA). A agência reconheceu que o etanol de cana do Brasil reduz a emissão de gases causadores do efeito estufa em até 91%, comparado com a gasolina.

Nos meios políticos americanos, é grande a expectativa de que, até o final deste ano, a tarifa americana sobre o etanol importado seja reduzida, podendo até mesmo ser totalmente eliminada.

Porém, independentemente de qualquer alteração envolvendo a tarifa, o etanol brasileiro alcançará seu espaço no mercado americano, pois o programa dos EUA incorporou ao sistema de preços as externalidades positivas do nosso produto. Assim, o etanol de cana tem mandato e preço distintos dos demais biocombustíveis, por ser ambientalmente mais eficiente.

Além do açúcar e do etanol, uma série de novos usos e tecnologias baseadas na cana-de-açúcar está sendo desenvolvida. Entre elas, podemos citar os bioplásticos, os bio-hidrocarbonetos (diesel, bioquerosene de aviação e gasolina produzidos a partir da cana), produtos renováveis para uso na indústria petroquímica e química fina, entre outros.

Certamente haverá crescimento da produção para atender a todas essas vertentes de demanda por cana, desde que o setor permaneça competitivo em relação aos demais concorrentes. A situação que requer um pouco de reflexão é a do etanol combustível destinado ao mercado doméstico, que hoje absorve mais da metade da cana processada pelas unidades produtoras.

O etanol perdeu competitividade em relação à gasolina devido, em grande medida, ao aumento de 40% dos custos de produção nos últimos cinco anos e à manutenção do preço da gasolina na bomba – preço que permanece virtualmente inalterado desde 2005.

Nesse cenário, não existem incentivos econômicos para a construção de novas unidades produtoras, que, via de regra, são mais dependentes do etanol devido à pior condição logística para o escoamento do açúcar a partir das regiões onde ocorre a expansão da produção.  Viabilizar o etanol frente à gasolina no mercado doméstico é, no curto prazo, o principal indutor para o início de um novo ciclo de crescimento da produção.

Nesse sentido, são necessárias regras claras e perenes no tocante à definição do valor da gasolina, paralelamente à busca por maior eficiência em toda a cadeia produtiva do etanol via redução de custos nas fases agrícola e industrial.

Investimentos em logística, melhoria na eficiência dos motores flex e a definição de uma estrutura tributária que reconheça os benefícios e externalidades positivas do produto, associadas aos aspectos ambientais e de saúde pública, também são medidas essenciais para a retomada da expansão.

Vale frisar que o desafio de produzir mais cana-de-açúcar para atender de forma competitiva e sustentável às demandas internas e externas para os produtos tradicionais, etanol e açúcar, e para os demais que já existem ou que poderão surgir no futuro muito próximo, depende de decisões de investimento que precisam ser tomadas agora.

Dessa forma, é essencial que diretrizes com objetivos claros em relação à participação do etanol na matriz de combustíveis do País sejam definidas de forma rápida e equilibrada. Em uma economia de mercado, planejamento e políticas públicas alinhadas com os objetivos delineados são essenciais para atrair e direcionar investimentos.

O Brasil oferece condições excepcionais para continuar na vanguarda dos combustíveis limpos e renováveis, mas a manutenção dessa liderança não depende exclusivamente do setor privado. Depende também, e principalmente, de um alinhamento de esforços que envolve iniciativas governamentais que passam pela priorização das ações essenciais para assegurar as medidas que terão impacto futuro e por uma definição fundamental: o que, afinal, o País espera do setor sucroenergético brasileiro?