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Luiz Antonio Martinelli

Professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Esalq-USP

Op-AA-10

Os ônus ambientais e sociais ainda são pesados

Quando Charles Keeling começou a medir, nos anos 50, no Havaí, a concentração atmosférica de CO2, provavelmente ele não tinha idéia que essas medidas iriam despertar o planeta inteiro para uma das maiores crises ambientais vividas pela humanidade. As medidas demonstraram que estava havendo um acúmulo de gás carbônico na atmosfera. Hoje, cerca de cinqüenta anos após, sabemos muito mais sobre as causas e as conseqüências desse acúmulo.

A principal causa é a emissão pela queima de petróleo, feita, principalmente, pelos países industrializados do globo. Ao queimar o petróleo, transferimos, na forma de gás carbônico, moléculas de carbono orgânico, que estavam alojados há milênios nas profundezas da crosta terrestre.

Uma causa secundária é a queima de biomassa vegetal, especialmente na forma de florestas tropicais, localizadas em países em desenvolvimento do globo, com destaque para o nosso país. As árvores retiram gás carbônico da atmosfera, pela fotossíntese, e convertem-no em uma molécula orgânica, constituinte do tecido vegetal. Queimando florestas, promovemos o caminho inverso, transferindo novamente para a atmosfera o carbono armazenado na vegetação.

As conseqüências do acúmulo de CO2 na atmosfera são atualmente bem conhecidas, graças a inúmeros trabalhos científicos, que foram publicados nas últimas décadas. O aumento na concentração atmosférica de gás carbônico, e alguns outros gases, provoca o aumento do efeito estufa, que é um efeito natural, que mantém a Terra aquecida na sua superfície, exatamente onde vivemos. Em conseqüência desse aumento, a temperatura média do ar está em elevação, em várias partes do globo.

Como processos climatológicos são extremamente influenciados pela temperatura, prevê-se uma série de mudanças climáticas no globo. Como nossas vidas são extremamente dependentes do clima, prevê-se também uma série de transtornos, desde a oferta de alimento, elevação dos níveis dos mares e, obviamente, também sobre a economia global. Portanto, é de capital importância que encontremos soluções que levem a uma diminuição, ou, pelo menos, a uma estabilização na concentração de gás carbônico na atmosfera.           

Retirando a energia do sol, as plantas produzem biomassa. Com a cana-de-açúcar não é diferente: o CO2 atmosférico é capturado pelo processo da fotossíntese e transformado em uma molécula orgânica, que contém carbono. Pelo processo da fermentação, a cana é transformada em álcool combustível, que é queimado por combustão, nos motores de nossos veículos.

Nesse processo, parte do carbono orgânico que foi capturado pela fotossíntese volta à atmosfera na forma de gás carbônico, que será novamente capturado pela fotossíntese, pela cana que renasce. Portanto, se mantivermos sempre a cana em crescimento, teremos um ciclo quase fechado, onde o gás carbono não se acumula na atmosfera, evitando que se agrave ainda mais o aumento do efeito estufa e suas deletérias conseqüências. Dessa forma, pela produção de álcool combustível, nosso país contribui para a saúde climática do planeta.

Com o aumento da demanda mundial por este tipo de combustível, o país tem uma oportunidade histórica de contribuir, não só fornecendo álcool combustível para o mundo, mas também desenvolvendo tecnologias apropriadas para sua produção em outros países. No entanto, para assumirmos esse papel de destaque no cenário mundial, falta-nos uma outra iniciativa, que urge ser tomada. Não adianta o combustível ser “ecológico”, se a maneira com que o mesmo é produzido é totalmente “anti-ecológica”. Com raras e honrosas exceções, o mesmo cuidado que é dedicado ao processo de produção do álcool, não é visto nos canaviais.

São sérios os problemas de erosão do solo nos canaviais, geralmente causados por falta ou uso de inadequados tratos culturais. Nascentes de água são, na maioria das vezes, desrespeitadas, sendo as mesmas freqüentemente assoreadas ou enterradas pelo trânsito de pesadas máquinas agrícolas. A zona ripária é freqüentemente invadida.

Em um estudo recente, foi demonstrado que em sete bacias hidrográficas de médio porte do Estado de São Paulo, somente 30% da vegetação ripária exigida por lei mantinha-se intacta, o restante da área foi invadida por algum tipo de cultura, destacando-se a cana e as pastagens, como as principais culturas invasoras.

Sabe-se também que muitas indústrias não têm uma infra-estrutura adequada para utilizar toda a vinhaça produzida como fertilizante no campo, invariavelmente parte desse vinhaça vai parar em rios e córregos. Longe de ser um processo calamitoso, como ocorreu há algumas décadas, no entanto, o excedente de vinhaça ainda não deixou de ser uma ameaça aos nossos recursos hídricos.

Todos esses problemas levam nossos ecossistemas a um estado de degradação. Deveríamos nos preocupar com o fato de que, a médio e longo prazos, estes mesmos ecossistemas deixarão de produzir vários serviços ambientais que nos são extremamente úteis. Talvez seja essa a melhor definição de sustentabilidade: manter os ecossistemas produzindo seus serviços ambientais, por várias gerações.

Finalmente, de nada adianta um combustível ecológico, feito para melhorar a saúde do planeta, que durante sua produção afete o próprio ser humano. Sim, estou falando de dois problemas de saúde pública dos mais graves. O primeiro deles refere-se à morte por exaustão de trabalhadores rurais submetidos à jornadas e condições de trabalhos desumanas.

Em segundo lugar, refiro-me aos problemas respiratórios causados pela queima dos canaviais. Existem provas científicas irrefutáveis, advindas do estudo do pneumologista Eduardo Cançado, que demonstraram um aumento considerável nos casos de problemas respiratórios de idosos e crianças na região de Piracicaba, devido à queima da cana.

Não podemos e não devemos chamar um produto de “ecologicamente correto”, se o mesmo satisfaz apenas um quesito da intricada equação climática e ambiental do planeta. Está nas mãos e na consciência da indústria canavieira, transformar o álcool combustível em produto realmente “ecologicamente correto”. Isso feito, qualquer brasileiro terá orgulho dessa conquista. Por enquanto, o ônus ambiental e social, advindo da produção de álcool combustível, ainda é muito pesado e nem um pouco motivo de orgulho.