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Félix Schouchana

Diretor de Mercados Agrícolas da BM&F

Op-AA-08

Formação de estoques de passagem do álcool

Um dos maiores problemas da cadeia do álcool é a falta de mecanismos para formação de estoques de passagem, acarretando alta volatilidade de preços e insegurança para o consumidor. Este artigo visa discutir a utilização dos instrumentos de mercado na procura por maior estabilidade de preços e apoio à formação de estoques de passagem na entressafra.

O produtor é o único a carregar estoques de álcool durante todo o ano, pois as distribuidoras de combustíveis limitam-se a comprar o que esperam vender de imediato. O Governo tem um funding, com recursos orçamentários provenientes da arrecadação da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico),visando financiar a estocagem de álcool.

Estes recursos têm sido administrados de maneira pouco previsível e destinados unicamente aos produtores de álcool. Alternativamente, o Governo pode colocar a cana-de-açúcar ou o álcool na PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos), de forma a obter acesso aos recursos do Orçamento de Operações de Crédito, para formar estoques de passagem.

A discussão apresentada a seguir trabalha a utilização destes recursos, colocados à disposição dos produtores, dos distribuidores de combustíveis ou da CONAB, com o objetivo de garantir maior estabilidade de preços para os consumidores. O volume de recursos a ser destinado ao financiamento de estoques de passagem deve ser variável e determinado em função da necessidade, fruto das estimativas de safra. O montante fixo, atualmente em R$ 500 milhões, pode ser insuficiente.

Esse montante deve ser calculado todo ano, em virtude dos números da safra e do consumo (interno e exportações). O atual mecanismo de financiamento deve incluir a quitação desta operação nos meses de entressafra, bem como incluir a obrigatoriedade da venda imediata do álcool, evitando que o mecanismo torne-se um apoio para eventual especulação de preço, perdendo o intuito de abastecer o mercado nacional.

Os recursos da CIDE seriam dirigidos aos produtores ou aos distribuidores de combustíveis, com taxas de juro abaixo da SELIC. O agente financeiro repassaria recursos aos formadores de estoques de passagem, e estes deveriam emitir ou comprar das usinas títulos com equivalência-produto e com preços a fixar. Dessa maneira, o produtor ficaria conhecendo sua dívida, dada em metros cúbicos, e sairia do risco de preço.

O produtor ou o distribuidor, se quiserem se proteger contra o risco de preço, teriam de buscar hedge de venda nos meses de entressafra, prevenindo-se contra a queda nas cotações. Este é o desenho original da CPR com equivalência-produto, que visava induzir o comprador a buscar hedge em bolsa. Para não onerar o custo de garantia dos títulos, poder-se-ia admitir o seguro garantia destes títulos, por meio do qual uma empresa seguradora de garantias responsabiliza-se pela guarda do álcool no tanque do produtor. O custo deste seguro é inferior ao aval bancário.

Caso se queira fazer financiamento com preço fixo, será o produtor que terá que buscar hedge de venda, para se proteger contra recuo no preço do álcool. Parece-nos que a alternativa de preço com equivalência-produto tem mais chance de êxito, por colocar mais agentes para dividirem o risco com o produtor, participando de operações no mercado futuro.

Os vencimentos dos títulos seriam sempre na entressafra e incluiriam a obrigatoriedade de venda imediata do produto. Caso os preços de mercado, na entressafra, estejam abaixo das expectativas do Governo, pode-se transformar o título de equivalência-produto para liquidação financeira, de forma a permitir que o álcool permaneça em poder do produtor, depois de quitada a dívida.

A disponibilidade de recursos financeiros de baixo custo, fruto do funding da CIDE, induziria esses agentes da cadeia a participarem do financiamento de estocagem. No vencimento dos títulos, o produtor entrega o álcool ao distribuidor, liquidando o contrato. O distribuidor vende ao mercado e quita sua dívida com o Governo. Se ele tiver feito seu hedge em bolsa, ele reverte sua posição, encerrando a operação de seguro de preço.

Estes mecanismos serão ainda necessários, pois o comprador natural de contratos futuros em bolsa é o exportador, que trabalha com contratos de maior prazo, exigindo proteção contra alta nos preços. Os volumes de álcool exportados ainda são pequenos frente ao consumo interno, mas podem dar início à liquidez necessária para as operações no mercado futuro.

Caso a CONAB seja o agente formador dos estoques, ela poderia ser a compradora de uma opção de compra de álcool. Seria estabelecido um volume de opções a serem exercidas pelo Governo para formar estoques, bem como alguns preços de exercício. A título de exemplo, o Governo adquiriria opções de compra com preço de exercício de R$1.000,00, o metro cúbico.

Caso o preço de mercado no vencimento superasse esse valor, o Governo exerceria o direito de comprar a R$1.000,00, comprando o produto e vendendo-o para abastecer o mercado. Caso o preço de mercado não atinja esse valor, o Governo não exerceria a opção e o produto ficaria com o vendedor (usina).

Neste caso, o Governo perderia o prêmio das opções. O valor a ser destinado para a CONAB fazer estoque de passagem seria o dos prêmios pagos pelas opções de compra, pois seria o máximo que esta poderia perder. Adicionalmente, ela teria que ter recursos para comprar o álcool e depois o investimento retornaria, através de sua venda ao mercado. A construção de um estoque de passagem, com riscos diluídos entre os agentes da cadeia e os investidores, que poderiam participar da negociação dos contratos a termo, é imprescindível para o país se credenciar como importante supridor de álcool para o mundo, que está demandando um biocombustível alternativo de baixo custo.