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Luiz Carlos Corrêa Carvalho, Caio

Presidente da ABAG - Assoc Brasileira do Agronegócio

Op-AA-35

A matriz energética e a cogeração

Conceitualmente, o mundo usa energia suja. Afinal, 87% da energia utilizada no globo é não renovável e emissora de gases do efeito estufa. No Brasil, cerca de 45% da matriz de consumo de energia é de produtos renováveis, limpos.

O Brasil usa levemente mais petróleo e derivados que a média mundial (38% contra 35% do mundo);  6% de carvão mineral contra 24% de seu uso no mundo; a metade (%) de gás natural; mais de 7 vezes (%) energia de hidrelétricas e quase 3 vezes (%) mais energia de biomassa do que usa o globo.

Em termos de potencial energético, o Brasil tem o destaque de possuir enorme potencial de expansão. Citando-se, como exemplo, o fato de que o forte uso atual de energia hidráulica é, mesmo assim, apenas 1/3 do potencial hidráulico nacional.

Outra grande possibilidade de aumento interno de produção de energia vem da biomassa, já com a chamada primeira geração de energia e, certamente, com a ruptura tecnológica a ocorrer, em escala pós 2020, com as chamadas segunda e terceira gerações de tecnologia. Com relação às energias fósseis, as descobertas, neste século, do pré-sal (petróleo e gás natural), trouxeram a notícia de um enorme potencial de excedentes de energia fóssil no Brasil, mudando sensivelmente o foco energético brasileiro.

Este texto tem a pretensão de abordar as questões principais que, há dois anos, estão fazendo acontecer, na prática, um terrível retrocesso na política energética nacional.Para início, energia é o coração da capacidade competitiva de um país. Daí, o seu peso relevante na geopolítica global.

Há pouco tempo, os choques do petróleo aguçaram esse foco de forma definitiva, gerando o contexto da segurança energética; em seguida, o amadurecimento da questão da sustentabilidade faz crescer a consciência ambiental no tema “aquecimento global”, em que os combustíveis fósseis são o mais negativo fator das mudanças climáticas; análises recentes das instituições globais (OCDE; FAO) e de renomadas consultorias (Mckinsey) e Agentes de Desenvolvimento (BIRD, FMI) mostram as projeções de demanda para as próximas décadas, com o crescimento acelerado da população, da renda per capita e do processo de urbanização, em um cenário que obriga a um crescimento anual da oferta de alimentos e de energia muito acima do visto anteriormente, mas com as limitações atuais.

Assim, a demanda acelerada de energia vive a dependência da instabilidade política das regiões produtoras de petróleo e gás natural, confrontada com os limites críticos das reservas e das terras disponíveis, cunharão o século XXI como aquele que sofrerá com os temas Seguranças Alimentar e Energética, além da meta global de redução da pobreza, ainda em escala inaceitável. Na lógica das mudanças que isso trará, as commodities mostrarão crescimento real de preços, contrariamente ao que foi observado no Século XX, quando a queda dos preços reais das commodities (agrícolas e minerais) foi a base do rápido processo competitivo das indústrias no mundo.

Em 2007, a CNI publicou um estudo em que realçava que havia riscos de os preços de energia afetarem diretamente os custos da indústria brasileira, assim como forte interesse de investidores internacionais em energia “limpa”, em especial nas áreas de etanol, biodiesel e de bioeletricidade. Isso levaria, segundo a CNI,  “mais oportunidades para as indústrias de equipamentos e maior integração dos setores industrial e agrícola, com a criação de uma indústria de bioenergia de grande potencial econômico para o País”.

A previsão estava correta, funcionando de forma acelerada entre 2007 e 2009. A pressão da crise financeira global de 2008 e a do “Custo Brasil” – um diagnóstico batido desde o Governo FHC –, foram fundamentais para mudar radicalmente as previsões da CNI. Os investimentos no setor da biomassa vieram muito pelo capital externo, focados nas produções de etanol e energia elétrica derivados da cana-de-açúcar, tanto na expansão e na fusão de unidades industriais existentes, como na montagem de um grande número de greenfields no Centro-Oeste brasileiro.

A cogeração de energia elétrica, nas usinas de açúcar e etanol, foi um fator relevante nos investimentos, assim como o forte crescimento da oferta dos carros flexíveis estimularam os investimentos em etanol hidratado. Com preços elevados do petróleo, a legislação dos países mais ricos privilegiava o uso da biomassa para energia elétrica (cogeração e mistura do etanol em óleo combustível em termoelétricas), enquanto, no Brasil, a bioeletricidade era considerada solução pelos baixos custos e pelo aspecto favorável sob o prisma ambiental.

Foram assinados contratos de longo prazo entre as empresas do setor sucroalcooleiro e as empresas comercializadoras de energia elétrica, ao nível de preços estimulantes, o que acelerou toda a cadeia produtiva do agronegócio da cana-de-açúcar, até um momento no qual houve a realização de leilões, que tinha, na mesma “cesta de produtos”, biomassa, eólica e outras, e os preços despencaram de cerca de R$ 150/MWh para R$ 90/MWh, tornando inviável o negócio da cogeração.

No atual ambiente nacional de limites de aprovação, na velocidade requerida, de novas hidrelétricas (hoje 70% da geração de energia elétrica), o aumento da demanda de energia no País (que cresceria ~4,8% ao ano) terá, nas térmicas, a base da resposta de oferta.

Segundo a EPE, Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia, as hidrelétricas, entre 2012 e 2021, terão o seu share reduzido de 70% para 64%, sendo que outras fontes – eólica, solar, biomassa e PCHs – sairiam dos atuais 13% para 20%. Mantida a política pública atual, os produtos escolhidos seriam carvão mineral, nuclear e derivados do petróleo, o que sujaria profundamente a matriz energética brasileira. Essa opção precisa ser, de forma transparente, apresentada ao povo brasileiro.

Essa ação do Executivo precisa ter o respaldo do Legislativo. Desse modo, acende-se uma luz amarela sobre as oportunidades da biomassa. Somente o setor canavieiro tem o potencial energético de uma Itaipu em palhas e bagaço, hoje não utilizados e com algumas características importantes:
a. Estão justamente onde ocorre a grande demanda por energia elétrica;
b. São bens de capital todo nacional, em empresas hoje com enorme capacidade ociosa;
c. Comporiam uma agregação de valor vital à expansão do parque de etanol brasileiro via aumento da oferta da cana-de-açúcar;
d. Manteriam a matriz limpa atual;
e. Seu funcionamento ocorre, em maior oferta, durante o período seco, complementando a instabilidade das usinas hidrelétricas.
As políticas públicas deverão ter papel essencial, no sentido de viabilizar a expansão da oferta de energia elétrica no País, via cogeração.

Tal posicionamento permitirá ao Brasil ocupar relevante posição de liderança na produção e no uso de energias renováveis, marca que o País vem perdendo. Quando se fala de superpotências globais em energia, se citam os países ricos em petróleo e gás natural (Arábia Saudita, Rússia, Irã), mas, raro, em diversidade de fontes, incluídas as alternativas. Se os EUA estão mudando o seu status energético com o uso em escala de shale gas e shale oil, o Brasil tem a oportunidade de fazê-lo com uso intenso de energias renováveis e exportação de petróleo. Para isso, as políticas devem estimular a oferta de energia sustentável que caracteriza a cogeração de energia elétrica, dominada no País.

Na luta contra os “apagões”, a oferta de energia elétrica deverá sofrer profundas mudanças no Brasil (com peso de 2% do globo) e, mais ainda, nos países desenvolvidos e nos emergentes. Em teoria, o Brasil estaria bem situado, desde que:
• adote preços e impostos que equilibrem os resultados entre produtos energéticos, considerando as externalidades econômicas de cada uma delas.
• tenha presença pública efetiva na ligação da energia, do produtor ao consumidor.
• estimule constante melhoria da eficiência energética, da produção ao uso.
• estimule economia de energia, através do seu uso inteligente.
• regule financiamento que estimule tecnologias inovadoras, mais eficientes e de menor custo.

Há sempre a discussão entre beneficiados e prejudicados, a magnitude entre os efeitos e a constante procura pelo equilíbrio. A cogeração de energia elétrica é, sem dúvida, a de menor impacto ambiental e a mais rápida resposta de oferta, devendo, por isso mesmo, ser estimulada.