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Emmanuel Desplechin

Representante Chefe da Unica na União Europeia

Op-AA-21

Acesso ao mercado: desafios globais para o etanol

A necessidade de estimular a segurança energética e mitigar a mudança climática despertou o interesse por biocombustíveis em consumidores e formuladores de políticas ao redor do mundo, conscientes da contribuição dos biocombustíveis para a reconciliação desses dois ambiciosos objetivos. Portanto, políticas visando incorporar o etanol se difundiram, notadamente nos Estados Unidos, com o mandato federal americano para produção e uso de combustíveis renováveis, conhecido como Renewable Fuel Standard, ou RFS, e na União Europeia com a adoção da Diretiva para o uso de energias renováveis, o que significa que mais etanol terá de ser comercializado internacionalmente se metas de energia renovável deverão ser alcançadas.

Mas nem todas as políticas são obrigatórias, resultando em um mercado extremamente volátil com diferentes barreiras ao comércio internacional, sejam tarifárias ou não tarifárias, que explicam por que a proporção de exportações de etanol no âmbito da produção mundial do biocombustível continua relativamente limitada, com cerca de 10% da produção mundial sendo comercializada internacionalmente, proporção que se mantém constante ao longo dos anos.

Este artigo apresenta os desafios para vencer as atuais barreiras e evitar que barreiras futuras se propaguem em curto prazo.
Anomalias tarifárias como barreira histórica ao comércio internacional: nos EUA, o RFS impõe o consumo anual de 136 bilhões de litros de etanol até 2022, em contraste com 34 bilhões em 2008.

Haverá a criação de uma categoria específica em 2010, chamada “etanol não celulósico avançado” para etanol não produzido a partir de milho, que reduza emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 50% na comparação com o petróleo, uma exigência já atendida pelo etanol de cana-de-açúcar. Alcançar as ambiciosas metas dos EUA, sem abrir ainda mais o mercado, será difícil.


Entretanto, atualmente a entrada de importações é limitada devido aos impostos aplicáveis ao etanol importado: um imposto de 2,5% ad valorem + US$ 0.54 por galão quando o uso pretendido é como combustível, que é um imposto que não mais corresponde ao crédito tributário de US$ 0.45 que pretendia compensar.

Exportações realizadas através da Iniciativa da Bacia Caribenha são viáveis com um imposto reduzido, porém agregam os correspondentes custos de logística e estão sujeitas às limitações existentes naquela região em termos de capacidade de desidratação e de oportunidades de embarques diretos (por exemplo: altas súbitas no preço do petróleo) que explicam por que em 2008 a maioria das exportações brasileiras para os EUA seguiu diretamente e pagou o imposto.

A União Europeia desponta como mercado promissor para países exportadores de etanol. As exportações brasileiras para o bloco econômico europeu aumentaram consistentemente ao longo dos últimos anos, embora em volumes mais limitados. Passo importante foi dado pela UE em dezembro de 2008, com a adoção da Diretiva Europeia para o uso de energias renováveis, que prevê que 10% da energia utilizada no transporte venham de fontes renováveis até 2020.


Embora não alocasse nenhuma cota específica a fontes específicas de energia, espera-se que a maior parte desses 10% se origine de biocombustíveis líquidos, o que levaria a um mercado estimado em 14 bilhões de litros de etanol combustível. Porém, a exemplo dos EUA, o imposto de importação representa um obstáculo significativo para o acesso ao mercado, com um imposto de 19,20 Euros por hectolitro, aplicado às importações de etanol, independentemente da utilização final.

Além disso, a UE importa cerca de 70% de seu etanol através de regimes preferenciais, que de fato distorcem o comércio internacional para países exportadores que não desfrutam de tratamento preferencial similar. Não obstante o aparente otimismo de panelistas na sessão do Ethanol Summit que tratou desse assunto, notadamente de Victor do Prado, Vice-chefe de Gabinete do Diretor Geral da OMC, que vê um potencial para a redução tarifária em negociações multilaterais de comércio internacional e uma oportunidade para que a Rodada de Doha seja concluída com sucesso em 2010, as tarifas continuam difíceis de abolir ou mesmo reduzir.

A inclusão de etanol na lista de “mercadorias ambientais para o desenvolvimento” certamente permitiria a eliminação de tarifas alfandegárias no âmbito das negociações da Rodada de Doha, porém falta definir quais são estas “mercadorias ambientais”, e tanto a UE quanto os EUA se opõem fortemente pelo fato de o etanol ser um produto agrícola e, portanto, não se enquadrar no regime preferencial.


Embora as barreiras tarifárias sejam as mais comumente citadas no comércio internacional, outros obstáculos impedem que o etanol se torne uma commodity. Para mencionar alguns: inconsistências ou mesmo a ausência de políticas públicas, a falta de padrões comuns para etanol combustível e questões envolvendo a sustentabilidade, sendo que este último vem se tornando cada vez mais relevante e poderá ditar as relações comerciais internacionais relativas ao etanol combustível.

A proliferação de barreiras não tarifárias: A chamada iniciativa tripartite, envolvendo os EUA, o Brasil e a UE em um esforço conjunto para harmonizar padrões para biocombustíveis, encontra-se em um impasse. Ainda que o caso do biodiesel pareça não constituir qualquer problema, poucos esforços são desenvolvidos para harmonizar padrões para o etanol, o que resulta em uma barreira técnica ao comércio internacional. Por exemplo, o conteúdo limite de água permitido em etanol combustível varia nas três regiões e faz com que a produção brasileira tenha que realizar um esforço adicionalmente oneroso para satisfazer o padrão europeu, sem que haja qualquer justificativa racional para essa restrição.


A adoção da Diretiva Europeia para o uso de energias renováveis inclui um conjunto de critérios de sustentabilidade para que biocombustíveis sejam considerados para a meta de 10% e possam receber apoio financeiro. Esses critérios incluem reduções mínimas de gases de efeito estufa em comparação com combustíveis fósseis e, também, restrições ao uso do solo para plantações destinadas a biocombustíveis.

Essas restrições têm o potencial de se tornar a barreira futura mais importante para o comércio internacional de etanol combustível, até mesmo relegando questões tarifárias a um plano secundário, visto que a não observância ou a falta de comprovação da observância poderá justamente significar a negação ao acesso a mercados internacionais, independentemente do pagamento de impostos de importação.

Embora as exigências estipuladas na Diretiva sejam válidas igualmente a biocombustíveis produzidos localmente ou importados, as exigências são mais severas para países tropicais ou subtropicais, em que se encontra a maior parte da biodiversidade do mundo. Resta definir alguns critérios que em maior grau afetam a produção de terceiros países e a inclusão de argumentos não embasados cientificamente, visando limitar a expansão de plantações destinadas a biocombustíveis, ou seja, a Mudança Indireta no Uso do Solo, que também constitui uma ameaça às futuras relações de comércio internacional.

A consultora Jane Earley, do Earley & White Consulting Group, informou que critérios de sustentabilidade para biocombustíveis poderiam ser questionados na OMC - Organização Mundial do Comércio se fossem concebidos para ser discriminatórios ou desassociados das características do produto. Particularmente, o uso de obrigações “não certificáveis” sobre conceitos de difícil compreensão (como nos casos de “Terra de Alto Valor de Conservação” ou “Mudança Indireta na Utilização de Terras”) provavelmente seja problemático.


Entretanto, padrões utilizados pelo setor privado, como o sistema de “Etanol de Sustentabilidade Verificada” desenvolvido pela SEKAB na Suécia juntamente com seus fornecedores brasileiros, não estariam em conflito com as atuais normas da OMC.
Conclusões: Os fatores que contribuem para tornar o etanol uma commodity incluem a adoção de metas para o uso de biocombustíveis em um número crescente de países desenvolvidos e em desenvolvimento, a intervenção de empresas globais de inúmeras áreas no setor de biocombustíveis, e a necessidade de alcançar as metas de redução de emissões dos países para mitigar a mudança climática.

Porém, persistem tarifas e medidas que distorcem o comércio internacional e estão longe de ser eliminadas.
Recentes desenvolvimentos na área legislativa poderiam tornar a questão tarifária irrelevante, se outras barreiras ao comércio internacional fossem erguidas. É preciso adotar padrões em comum como primeiro passo, e deve-se evitar a proliferação de exigências ligadas à sustentabilidade.

Dito isso, o futuro nos dirá se critérios de sustentabilidade dificultarão o desenvolvimento do mercado global ou constituirão a base para sua consolidação, através do aumento da confiança entre os consumidores. Enquanto isso, será preciso eliminar os mitos e melhor informar sobre os benefícios do etanol na mitigação da mudança do clima. Nas relações comerciais, políticas públicas deveriam complementar a produção e o consumo, visando à eliminação de mecanismos de apoio que causam distorções.

Finalmente, com relação a terceiros países interessados, deve-se buscar a cooperação técnica e cientifica. A Unica, através de sua sede e seus escritórios de representação em Washington e Bruxelas, continuará advogando a favor da eliminação de barreiras ao comércio internacional, para assegurar que o potencial da cana-de-açúcar para mitigar a mudança do clima e estimular a segurança energética seja maximizado.